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‘Tony Hawk’ é um game mais honesto em termos skate do que ‘Skate’

Quando Tony Hawk’s Pro Skater me fala pra apertar uns botões pra mandar um kickflip é a coisa menos realista que se pode acontecer, mas ajuda a colocar algo importante em evidência.
Imagem cedida pela Activision

Eu associo a franquia de games de skate Tony Hawk com estresse. São títulos que exigem muito dos jogadores. A operação básica de um skate é um negócio complicado e por mais que os games da série tenham uma pegada 100% arcade, eles capturam algo de fundamental da sensação desafiante de fazer tudo de novo, que a mesma quando se anda de skate de verdade.

Passei a última semana jogando minha cópia para PS2 de Tony Hawk’s Pro Skater 4, o que me forcou a lidar com algo que é quase como um tabu dentro da comunidade dos games: eu acredito mesmo que a franquia Tony Hawk, em seu auge nos games Pro Skater 3, Pro Skater 4 e Underground, é um jogo melhor que a amada série Skate.

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Colocar Pro Skater versus Skate, em um primeiro momento, pode muito bem parecer papo errado de gente mal intencionada em fóruns, uma besteira do nível Super-Homem versus Batman, mas gostaria de apresentar meus argumentos sobre como cada uma das interpretações do que é andar de skate oferecida pelos games representa algo desta atividade no contexto dos games.

Em seus melhores momentos, os títulos Pro Skater são games profundamente técnicos que contam com missões e desafios que mais parecem quebra-cabeças a serem resolvidos do que atividades livres. Antes de Tony Hawk’s Underground, de 2003, o jogador nem mesmo podia andar sem seu skate, solidificandoa ideia de que a prática do esporte se resume a atividades e manobras realizadas com o pé no carrinho.

Em contraste, quando Skate saiu em 2007, o título era uma espécie de resposta ao gigante caído que era a franquia de Tony Hawk. Afinal, a série havia tido uma série de games fracos: American Wasteland, Project 8 e Proving Ground todos haviam se tornando versões diluídas do game ao incluir novas mecânicas, tentar agradar os fãs de Jackass e o desgaste dos lançamentos anuais.

Skate apresentava uma interface natural, não era mais uma questão de apertar o botão do ollie e o botão para trilhar. Agora, como um skatista de verdade, você tinha que abordar os obstáculos de forma correta; você mexia no analógico para trás e pra frente, imitando a distribuição do peso do pé de trás e então deslizando o outro pé para a parte da frente da prancha. Sem botão pra ollie, você usava seu analógico pra bater um ollie.

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O jogo saiu no início da era das interfaces gestuais. As telas de toque dos dispositivos da Apple dominavam nossas imaginações e o Wii se tornava arroz de festa. Microsoft e Sony corriam pra criar algo que pudesse competir com isso na forma de seus projetos Kinect e Move, ainda assim, em Skate havia algo no meio do caminho entre sistemas que te obrigavam a balançar os braços e o abstrato apertar de botões

Como em Guitar Hero, o esquema de controles em Skate fazia com que o jogador imitasse a ação que se desenrolava na tela através dos dedos. Ainda era um botão abstrato, mas ainda mais próximo da realidade, mais natural que qualquer outra coisa que acontecia em meio aos combos gigantescos de games da série da Tony Hawk e suas caças ao Pé-Grande. Logo estes títulos sumiram ou ao menos deixaram de ser levados a serio, dando espaço para que Skate brilhasse.

E agora, dez anos depois, acabo vendo mais valor em voltar a jogar Tony Hawk’s Pro Skater 4 do que Skate. Tenho consoles capazes de rodar qualquer um dos títulos, tudo ao meu alcance, e mesmo assim passei a última semana jogando Pro Skater simplesmente porque a mentalidade meio afobada e voltada à solução de quebra-cabeças me parece mais satisfatória do que Skate jamais foi.

Andar de skate de fato é quase como um quebra-cabeça e isso fica mais aparente em games onde os jogadores tem que fazer certas manobras, mas o princípio básico é sempre o mesmo: andar de skate é reagir ao mundo com o carrinho. Trata-se de disciplinar o corpo de tal forma que o mundo, o grande quebra-cabeça, começa a funcionar como uma trava e o skate é a chave, o corpo a gira, transformando uma escadaria em um gap ou uma beirada em algo para se trilhar.

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Um entusiasta de Skate poderia dizer que o título captura essa sensação tão bem quanto ou melhor do que Pro Skater. Afinal, os controles orgânicos de Skate transformam seus dedos no corpo, cada deslizada muda com o mundo ao seu redor, você se adapta, você faz todo aquele trabalho sozinho.

Mas tem uma parte de mim que, seja lá poruqe motivo, vê aquela abstração toda de apertar um botão e nada mais como algo mais próximo de um skate de verdade. Skate brinca com o jogador ao insinuar que controles mais próximos do gestual teriam uma ligação mais estreita com a atividade real, mas até mesmo este jogo abstrai uma enorme quantidade de habilidade mecânica. Um kickflip não é só fazer uma prancha girar em sentido horário durante um ollie, trata-se de chutar o ponto certo na hora certa durante o ollie.

Tony Hawk’s Pro Skater opta pela abstração porque sabe muito bem que não tem como capturar a ação do esporte com uma interface destas; Skate se esconde atrás de uma máscara de gestos.

Eu fico impressionado com as coisas que skatistas fazem, sou fã do esporte e o que ele é, como se apresenta, a forma como mudou ao longo de minha vida (sem contar os últimos 40 anos ou mais). Meu foco intenso se deve a quanto aprecio o esporte enquanto disciplina, uma experiência monástica que atrai corpos de todos os tipos de forma coerente em torno de conceitos puramente abstratos como um “big spin” ou um “kickflip.”

Quando Tony Hawk’s Pro Skater me fala pra apertar uns botões pra mandar um kickflip é a coisa menos realista que se pode acontecer, mas ajuda a colocar algo importante em evidência: um kickflip de verdade também é uma abstração. Trata-se de uma série de ações disciplinadas pelas quais um ser humano decide passar para criar algo. Nos tornamos máquinas com inputs e outputs quando começamos a andar de skate e Pro Skater é 100% honesto quanto a essa relação.

Matéria originalmente publicada no Waypoint.

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