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Música

Discos: Black Knights

A primeira investida de John Frusciante no hip-hop.

Medieval Chamber

AWDR/LR2

“Medieval” é por acaso uma daquelas palavras que merecia ser utilizada com maior frequência e principalmente fora de conversas que envolvam séries de TV insuportáveis ou feiras em Óbidos. “Medieval” vale mais que isso. Felizmente, a palavra encontra-se imortalizada, em

Pulp Fiction

, no discurso ameaçador de Marsellus Wallace perante o polícia Zed, no momento em que este último passa de sodomita a vítima de um tiro de caçadeira: “I’ma get Medieval on your ass”, dizia o Tio Marsellus. Qualquer pessoa que alguma vez tenha ousado entrar na Discoteca Medieval, em Aljezur, conhecerá também o peso da palavra, tal é a quantidade de mulheres com buço que podemos (ou podíamos) encontrar nesse espaço nocturno, que bem merece o nome que lhe deram.

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Além de definir uma era, “Medieval” serve igualmente para descrever qualquer coisa áspera, básica e propícia a provocar dor sem recurso a anestesias modernas. Toda essa carga etimológica faz com que

Medieval Chamber

 seja um título perfeitamente adequado ao novo álbum dos Black Knights, que provêm de um tempo pré-auto-tune, em que também o rap era servido à bruta e doesse a quem doesse. Este cheiro a morte-súbita da “Killa Cali” (uma Califórnia onde comes ou és comido) dos Black Knights não é afinal assim tão distante do que tresanda em “No Vaseline”, dos Cypress Hill, ou no alvoroço de

The Chronic

, o sagrado pergaminho de Dr. Dre. Os Black Knights (hoje formados por Rugged Monk e Crisis) mantêm uma filosofia claramente obtida na dureza dos anos 90 e, além disso, devem uma boa parte da sua fama à protecção que lhes foi oferecida pelo Wu-Tang Clan (que os integraram na vasta genealogia Killa Bees), mas não nos equivoquemos:

Medieval Chamber

 é uma maravilha de puro hip-hop da costa oeste norte-americana dos dias presentes.

Se a inclusão de “Medieval”, no título, já foi mais que dissecada, “Chamber” também não surge ali por acidente, dado que reflecte a proximidade entre

Medieval Chamber

 e o gigante legado de Wu-Tang Clan (cuja discografia oficial e não-oficial deve incluir a palavra “chamber” mais de cem vezes). Ao que parece, foi RZA, o coração de Wu-Tang, que uniu os Black Knights e John Frusciante (com quem já havia colaborado), de modo a que o cada vez mais ex-guitarrista dos Red Hot Chili Peppers produzisse este novo

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Medieval Chamber

.

Ainda que o passado recente de John Frusciante, em

Letur-Lefr

 ou

 Outsides

, pudesse levar-nos a desconfiar de que este seria um disco de hip-hop dificultado por métodos de cientista louco, é a sua expansividade musical que deixa

Medieval Chamber

aberto a todas as possibilidades que dele fazem um disco carregado de frescura. Tudo o que pode acontecer a um álbum nas mãos de John Frusciante não deixa de acontecer só porque esta é a sua primeira investida assumida no hip-hop. Uma investida que de resto se assume como totalmente ganha em malhas como “Drawbridge” (clássico e progressivo em partes iguais), “Sword in Stone” (bem esgalhada à sombra de Funkadelic) ou “Never Let Go” (quem alguma vez imaginou que a bateria de “When the Levee Breaks”, dos Led Zeppelin, combinasse tão bem com a coutry de Anne Murray?). Já temos disco do ano até aqui.