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Música

Uma lenda para o futuro com o Violeiro Elétrico

Sob as brumas noturnas da Chapada Diamantina, o ex-Cordel do Fogo Encantado Clayton Barros renasce para o mundo e encanta como ‘vaqueiro-astronauta’.

Verão de Janeiro de 2017. A lua cheia clareia o Vale do Capão. Acima de nós, só o gavião pé-de-serra, sobrevoando os imensos paredões rochosos que rodeiam a Chapada Diamantina.

Sem sinal de celular, internet e até telefone público, os turistas da bucólica vila de Igatu — censeada em 2010, aliás, com 360 habitantes — desta vez não conseguiram compartilhar com o resto do mundo a sensação de surpresa ao avistar um ser luminoso e sonoro rodeando a comunidade com acordes violados e luzes cintilantes.

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Saindo de uma das antigas casas do centro, um homem trajava um gibão de couro iluminado por lâmpadas de led, equipado com alto-falantes automotivos nas pernas, carregando nas costas um amplificador ligado a uma bateria de íons de lítio, capaz de sustentar sua viola microfonada por até 30 minutos. Apresentada sob a alcunha de "Violeiro Elétrico", a performance de Clayton Barros encantou as mais distintas personalidades reunidas por ali. Você pode dar uma sacada no que se refere no vídeo abaixo, disponibilizado para o Noisey em primeira mão:

"É uma coisa de transpor o tempo usando um arquétipo dos dias atuais. Esse traje está entre o vaqueiro e o astronauta, entre o vagalume e os peixes das regiões abissais. É o Violeiro Elétrico, onde o palco é o chão, porque o chão é o palco dos artistas anônimos", explica Clayton, no fim do show, à Noisey. O recifense ex-Cordel do Fogo Encantado é o grande responsável pela empreitada. "O traje é feito de lona para simbolizar a estrada. Passa pela influência dos trovadores, o Flautista de Hamelin, os cantadores, os violeiros. Tem também a coisa do vaqueiro tangendo o gado montado numa cinquentinha, que é bastante anacrônico. É esse o contraponto que eu tento passar."

Mesmo em férias, Clayton achou por bem abrir o ano experimentando os primeiros trabalhos do Violeiro Elétrico: "Passamos um ano construindo o traje e resolvemos trazer pra estrear aqui. Ainda estamos em teste, mas já tava na hora de botar no chão porque essa é uma daquelas coisas que não se concluem, você lança e vai aperfeiçoando."

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Desde o fim de sua banda, em 2010, Clayton se reinventa através de inúmeros trabalhos relacionados às artes: "Eu não aguento ficar parado. Mexo com vídeo, mexo com tudo, a música é a ponta da flecha. Então eu precisava me movimentar, e pensei em algo que fosse inusitado e tivesse uma beleza estética". Assim, teve a ideia de fazer as intervenções desse jeito mambembe.

Testemunhando a primeira apresentação do Violeiro Elétrico, em Igatu (BA). Foto: Lucas Panoni

A vestimenta foi customizada por seu primo Alexandre Barros, baterista da Tagore, também de Recife: "É um cara meio professor pardal, topa qualquer parada. Ele também mexe com luz e vai tocar bateria no meu disco novo." A ideia é fazer as apresentações na rua, em pocket-shows de pouco menos de 30 minutos, para não sobrecarregar a fonte de energia do traje.

Para a apresentação, Clayton canta com quem mais quiser participar, seja tocando ou cantando também. "Eu quero dialogar com outros músicos, quero expandir isso me fundindo com outros músicos, seja aqui ou fora do Brasil. Por isso escolhi o chão: quero que todo mundo seja igual. Não quero ser a estrela do lugar", defende.

Em Igatu, músicos, entusiastas e transeuntes formaram com Clayton uma banda com rabeca, pandeiro, zabumba e triângulo, além do violão e das palmas. No repertório, os títulos mais populares da música regional nordestina estavam presentes, como "Anunciação" e "Beira-Mar", além de canções autorais atuais e da época do Cordel.

Para Clayton, estas intervenções deram muito certo porque conseguiram colher reações de pessoas completamente aleatórias, de gente mais velha a criança. "Acho que nossas diferenças devem nos unir, e nossas igualdades devem ser brindadas e comemoradas". Nas primeiras semanas do ano, pessoas de todo tipo reuniram-se na praça pra dançar, cantar, aplaudir e beber cerveja. Clayton justifica: "Estamos passando por pau e pedra, mas acho que os espinhos maiores a gente já aparou. Agora é hora de colher os frutos".