O lendário fotógrafo musical Tom Sheehan explica algumas de suas imagens icônicas

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O lendário fotógrafo musical Tom Sheehan explica algumas de suas imagens icônicas

"Quando você passa 66 anos fotografando artistas, é impossível não ter um milhão de histórias malucas e incríveis." - Tom Sheehan.

Quando você passa 66 anos fotografando artistas, é impossível não ter um milhão de histórias malucas e incríveis.

Tom Sheehan vem fotografando os grandes nomes do rock, pop e rap há mais de 40 anos. Este mês ele lançou seu primeiro livro, Aim High: Paul Weller in Photographs 1978-2015 . Aqui, ele conta a John Doran as histórias por trás de dez de suas fotos icônicas.

Faz anos que as pessoas enchem meu saco para lançar um livro, mas odeio ser o centro das atenções. A última vez que fotografei Paul Weller em 2015, para a capa do disco Mojo, ele disse "Tom, você devia fazer um livro". E eu achei que ele queria dizer um livro do meu trabalho.

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Alguns meses depois, uma editora me abordou e perguntou "De todos os artistas que você fotografou, de qual você faria um livro?" E "ding!" — foi quando a lampadazinha acendeu. Mandei uma mensagem para o Paul dizendo "Oi, cara, é o Tommy…" E ele respondeu em quinze minutos: "Como posso ajudar?" Ele é esse tipo de cara. Ele escreveu o prefácio do livro, dizendo como gosta de trabalhar com este velho aqui.

Vai fazer quarenta anos que trabalhei com ele pela primeira vez. Não é comum ser um grande amigo de quem você fotografa — vocês geralmente têm um relacionamento profissional e, espero, respeito mútuo. Não quero ser o tipo de pessoa que está sempre enchendo o saco dos músicos, tentando sair com eles e tudo mais. Não me entenda mal, sou amigo dele do mesmo jeito que sou seu amigo. Na verdade, ele é muito parecido com você, John — a única diferença é que ele escreveu um monte de músicas incríveis.

Ozzy Osbourne

Isso foi em fevereiro de 1982, quando fui pros EUA fotografar o Ozzy para a Melody Maker. Ele tinha acabado de arrancar a cabeça daquele morcego na dentada, então acho que o Jonesey [o ex-editor Allan Jones] achou que daria uma boa matéria. Infelizmente, isso foi só um mês antes do guitarrista Randy Rhoads morrer num acidente aéreo bizarro na mesma turnê. Ele não podia estar bebendo, mas estava pedindo doses grandes de conhaque e deixando os copos na mesa do Jonesey, para a Sharon não ver que ele estava bebendo se entrasse.

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Aí eu falei "Você se importaria de ir comigo até o Alamo para fazer umas fotos?" Então ele foi para o andar de cima e voltou usando essa calça culote e uma blusa larga, com tipo umas asas de morcego. Ele foi até a loja de lembranças e comprou essa bolsa e o chapéu Stetson. Pegamos um táxi para o Alamo e viramos mais algumas doses, mas aí ele disse que tinha que mijar. Dos lados da porta principal, eles tinham esses blocos enormes de concreto, e ele mijou num deles. Só pensei "Pelo amor de deus…"

Ele chacoalhou o pau e escalou o nicho acima da porta enquanto eu fotografava. Atrás de mim, veio uma voz dizendo [com um pesado sotaque texano] "É, esse é o cara que vi urinando no Alamo". E o Texas Ranger que estava lá respondeu "Sério? Desce daí, colega". E o cara continuou "É, e esse outro aí estava fotografando!" E o Texas Ranger falou "Sério? Bom, vou levar ele também". Ele estava anotando nossos nomes quando disse "Ei, você não é o cara que mordeu a cabeça do morcego?" E o Ozzy disse "Eu mesmo. Era tipo um Crunchie enrolado em camurça".

Enquanto ele ligava para a delegacia, tirei meu filme da máquina e entreguei para o Jonesey, caso eles confiscassem minhas câmeras. Naquela hora, um monte de guardas tinham aparecido na cena e um deles perguntou para o Jonesey "Ei, colega, você está com esses caras?" Aí ele disse [com um sotaque ridículo] "Não, sou uma turista sueco!" Eles acabaram liberando o Ozzy para que ele pudesse fazer um show naquela noite. Quando saiu da cadeia, ele estava abalado. "Eles me prenderam com um assassino! Ele estava coberto de sangue… tinha acabado de matar a esposa…" Puta merda.

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Snoop Dogg

Isso foi por volta de 1994. Fomos para Los Angeles numa quinta, e todo mundo disse "Vamos fazer a sessão de fotos hoje". Só que não fizemos nada naquele dia, nem no seguinte, nem no outro. Na segunda-feira, o dia em que eu devia voltar para o Reino Unido, recebemos uma ligação para ir até a casa dele. Chegando lá, era o final de uma festa que durou o final de semana inteiro. Tinha um monte de gente fumando, um moleque de uns 12 anos fazendo rap; ele era muito bom.

Me falaram para não mencionar o caso contra o Snoop que estava em andamento — ele foi acusado de ser cúmplice num assassinato. Eu disse pra ele "Você lembra da saudação black power que Tommie Smith deu nas Olimpíadas de 1968 no México?" E ele disse "Claro". Enquanto ele estava posando, eu disse "Você se importa se eu colocar isso aqui em você?" Eu tinha comprado algemas de plástico numa loja de novidades em Tooting, indo para o aeroporto. Fiz algumas imagens e ali perto tinha uns degraus ao lado de umas barras, e eu disse "Senta naqueles degraus ali, cara". Aí dei a volta e o fotografei olhando pelas barras, mas não era uma sugestão de que ele devia ser preso — era só um visual meio idiota.

Shaun Ryder

Eu amo esse cara. Fiz as primeiras fotos dele para a Melody Maker. O fotografei num período de 20 anos. Mas ele representa o caos que vem com esse trabalho. Estávamos fotografando para a NME em Manchester um dia, e o jornalista, que era bem inexperiente, ficava me perguntando "Como ele é?" E eu disse "Bom, ele vai se atrasar. Ele vai chegar aqui com fogo no rabo. Alguma coisa vai ter dado errado. Alguma coisa que o impediu de chegar aqui na hora. E você vai ouvir a história toda. Taí tomamos um drinque e vai ficar tudo bem".

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Ele chegou esbaforido no bar com meia hora de atraso, dizendo "Caralho, Tommy, me desculpe pelo atraso… Foi o carro… Não consegui dar a partida… aí não achei lugar para estacionar, então deixei em qualquer lugar. Aí um ônibus parou e o motorista disse 'Ei, você não pode deixar seu carro aqui. Pode tirar essa porra daí'. E eu disse 'Não vou tirar porra nenhuma. Vou deixar aí!'" Aí, finalmente, ele parou de falar e tomamos uma cerveja, outro drinque, depois mais uma cerveja, e ele disse "Certo, só vou no banheiro antes". Ele ficou uns minutos no banheiro e voltou assim [imita os olhos revirados, a língua para fora e escorregando da cadeira]. Fora tudo isso… foi hilário.

Mick Jagger

O que dizer para o Mick Jagger, um cara que foi fotografado um milhão de vezes? Eu disse "Você provavelmente é novo nisso, Mick, mas relaxa, vou cuidar bem de você". Ele estava usando um poncho, então fizemos algumas fotos e ele o tirou, e ele estava usando um casaco por baixo, então fizemos mais algumas fotos e ele tirou, e ele estava de camisa, então fizemos algumas fotos e ele tirou, e aí ele estava de colete, então fizemos umas fotos dele usando o tal colete.

Foram uns quatro cenários em dez minutos. Que cara. Totalmente profissional. Quando você encara alguém que já foi fotografado milhões de vezes, você tem que fazer o que dá. A segunda vez em que fotografei Neil Young, eu tinha tirado só algumas fotos quando o empresário dele, Elliot Roberts, tentou enfiar um machado na história. Tinha uma garrafa de água em cima da mesa, então eu disse para o Neil "Por que você não pega aquela garrafa, aponta para a lente e faz aquele olhar de louco?" E o Elliot disse "Você não quer ver o olhar de louco". E eu disse "Olha, quem está depilando esse porco aqui?" Tipo "Só tenho cinco minutos para fazer meu trabalho, mas são meus cinco minutos, então dá o fora".

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Paul Weller

Conheci Weller em 1978, no RAK Studios em St. John's Wood. O Jam estava gravando o All Mod Cons. Eu não tinha prestado muita atenção neles quando o punk surgiu, aquilo não era minha praia. Apesar do Joe Strummer ser apenas dois anos mais novo, eu era visto como um ráole cabeludo. O punk não me atraía.

Depois vi o Jam abrindo para o Clash no Rainbow, um show que teve uns problemas. Os punks estavam arrancando os assentos do cinema e jogando no fosso, e um deles me acertou na cabeça. Alguém como o Weller não gosta que tirem uma da cara dele. Muitos jornalistas, até certo ponto, querem colocar palavras na boca do artista. Os fotógrafos geralmente querem que o artista faça algo idiota que vai assombrá-lo até a morte. Esse não é meu objetivo, ou que a fotografia acabe pendurada numa galeria. O que quero é capturar quem é essa pessoa nesse momento específico da vida.

John Lydon

Conheci Lydon quando estava fotografando o irmão dele, Jimmy Lydon, que tinha uma banda punk com Jock McDonald chamada 4" Be 2", e eles estavam posando com o Bananarama na frente da prisão Wormwood Scrubs, por razões que se perderam nas areias do tempo.

Essa foto foi tirada por volta do período [do disco do PiL] Flower of Romance, num flat perto de Maida Vale. Fiz algumas imagens no corredor e disse "John, fica atrás desse candelabro". E ele disse "Tarde demais, Sheehan, o Anton [Corbijn] já tirou essa foto". E eu respondi "Bom, não vi a porcaria da foto ainda… então faz isso pra mim". O mais estranho é que ele fez, e eu fiz algumas imagens. O John podia até fazer uma pose, mas você tinha que ser rápido para registrar. Normalmente, se você tenta dirigir gente assim acaba se fodendo. Você não vai conseguir. Eles simplesmente vão embora. Eu estava em Nova York em 1981, e saímos para tomar uma bebida. Depois de passar em alguns bares irlandeses para tomar Guinness, acabamos no Studio 54. Era uma noite de segunda e o lugar estava bem vazio. Voltando do banheiro, não resisti e fiz a dança besta do meu tio Harry de Sheffield, mas sim… saí para beber com o Lydon e acabei dançando no Studio 54. Mais tarde, passamos o resto da noite no telhado do prédio dele, vendo as nuvens passando por cima do rio Hudson. Só bebendo e falando merda.

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Rickey Edwards

O The Manics estava abrindo para o Suede em Paris, e surgiu a ideia de irmos para as catacumbas. A pilha de ossos nos túneis chegava no joelho, e no meio, tinha uma parede de quase dois metros de ossos e caveiras. O lugar não era muito espaçoso, então não consegui fazer uma foto de grupo, só retratos individuais. Depois disso voltamos para o lugar do show, o Bataclan, para fazer a checagem de som, e o fotografei na porta do palco, onde tinha um estêncil escrito "Vi o futuro, e é assassinato". Quer dizer, isso já era uma declaração em si, mas pensando agora, vinte anos depois, você pensa "Jesus Cristo". Foi horrível — horrível — o que aconteceu [no Bataclan] ano passado.

Quando você faz um trabalho assim, na hora não percebe o que está acontecendo com os músicos psicologicamente — você fica a um passo de distância. A indústria da música é um ímã pra todo tipo de pessoa, e algumas são muito frágeis — elas não deveriam chegar nem perto disso. Não estou falando especificamente do Richey aqui, mas nove em dez vezes, seja lá o que você está vendo no palco, eles não são assim fora dele. A arte vem do coração, e da alma. Esses músicos são obrigados a fazer o que fazem, não importa o que aconteça. E às vezes essas pessoas não são feitas para o lado comercial do negócio da música.

Um exemplo óbvio disso é Elliot Smith. Quando ouvi a música dele, achei fantástico. Fiquei realmente feliz em poder conhecê-lo e queria discutir música com ele, mas não rolava. Ele era um cara muito, muito tímido. Nem todo mundo que entra na arena nasceu para lutar. Não só isso, mas talvez ele não tivesse as pessoas [certas] ao lado dele, e o estilo de vida dele era uma zona. Que tristeza. Mas eu sei que é fácil dizer isso depois que tudo já aconteceu.

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Liam Gallagher

Liam Gallagher é quem ele parece ser no palco, mas só até certo ponto. Fui com o Oasis na primeira viagem deles para os EUA em maio de 1994, para a CMJ. Os caras deviam fazer seu primeiro show em Nova York no Wetlands. No voo, o resto do Oasis estava na frente [na primeira classe], mas o Liam veio até o fundo, dizer oi e tomar alguma coisa com a gente. Eu tinha ouvido histórias de que ele era escroto, mas ele veio e ficou conversando com a gente, e quando alguém foi no banheiro, ele ficou tomando conta do filho do cara. Pensei "Esse cara é muito educado para ser um animal do rock".

Estávamos passando pela Times Square depois de gravar o clipe "Live Forever". Ele queria uma camiseta de Nova York como a do Lennon. Quando saímos da loja, o céu ficou preto e umas gotas enormes de chuva começaram a cair. Saímos correndo e eu tirei umas duas fotos. Geralmente há uma tensão entre os membros que abastece esses grupos, mas nunca estive numa situação em que a coisa desandou completamente, fora uma vez. Eu estava fotografando o Cure e alguma coisa estava rolando. Alguém disse alguma coisa, e do nada, Simon Gallup foi saído da banda. Foi isso. Foi tudo que precisou para ele sair.

Mark E. Smith

Essa foto foi tirada em High Holborn em 1984. Quando vimos a placa do hospital de olhos, ele achou óbvio piscar um olho porque estávamos bebendo. Isso foi no meu aniversário. Já ouvi ele falando sobre esse dia depois: "Não consegui acreditar. Toda vez em que me fotografou, ele foi completamente profissional, mas esse dia ele estava todo relaxado. Quando voltamos pro pub, o fdp me disse que era aniversário dele". Então sim, desobedeci a regra de ouro nesse dia e curti um pouco quando o trabalho acabou. A Regra de Ouro: OVPL. O Trabalho Vem em Primeiro Lugar. Mas poxa, uma vez em sessenta e seis anos não é tão ruim assim.

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Todo mundo sabe que o Mark não se dá bem com a maioria dos jornalistas e fotógrafos. Quando saiu o número cem da UNCUT, eles fizeram algumas páginas com os músicos segurando seus discos favoritos. O Fall estava tocando em Brighton, então fui até lá para tirar a foto dele. Chegamos mais cedo na casa de shows, mas claro que ele não estava lá. Ele nunca faz a passagem de som. A patroa dele disse que ele estava no hotel, então fui até lá. Não achei o cara no quarto, então passei em todos os pubs e bares do quarteirão, mas mesmo assim nada dele. Então sentei no bar do hotel e ele saiu do elevador.

Quando o vi, eu disse "Puta merda, Mark, te procurei em todo lugar". E ele respondeu "Puta merda, Sheehan, se eu soubesse que era você, tinha decido antes. Achei que eles tinham mandado algum babaca." Agora, isso significou que fui aceito no rebanho? Acho que não, mas provavelmente é o mais próximo que vou chegar. Sempre nos demos bem, mas não consigo te dizer exatamente o porquê.

Tom Waits

O fato do Tom Waits interpretar um papel é útil para o fotógrafo, porque ele atua para a câmera, o que é muito incomum. Músicos podem ter uma presença incrível de palco, mas geralmente não estão se apresentando fora dele. Eles não vão ficar fazendo coisas pra você porque não são macacos de circo. Você tem que chegar lá e conseguir alguma coisa no curto período de tempo que tem.

Tive sorte de fotografá-lo em 1978 na Escandinávia. Ele tinha passado por toda aquela história de viver de poesia no Tropicana Hotel e toda essa bobagem, então sim, ele estava começando a adotar seu personagem. Aí tive outro encontro com ele no Portobello Hotel. Ele foi bastante lacônico. Tivemos um terceiro encontro dez anos atrás em Santa Rosa, perto de São Francisco, no Flamingo Motel. Cheguei para fazer as fotos e disse "Quero fazer algumas aqui, mas também quero ir lá pra fora…" Mas ele disse que estava claro demais. Eu disse que tinha um pedaço de estrada bem legal atrás do hotel, mas ele disse não. Aí eu falei "Caralho! Você não vai lembrar de mim, mas já tive dois encontros com você, e todos juntos somam uns nove minutos, então não vai atrapalhar tanto a sua vida vir comigo e ficar um pouco lá fora". Ele riu pacas, mas mesmo assim não quis sair de jeito nenhum…

Então você pode dizer que é útil que ele esteja atuando, mas a persona que ele adotou é muito turrona, então fiquei um pouco cansado de ver aquelas fotos de palco dele "no personagem". Eu queria ver ele fazendo outra coisa… não algo idiota, mas alguma coisa diferente. A chance de penetrar o exterior de Waits é mínima. Você tem que ser um amigo muito próximo dele pra isso.

Aim High foi lançado pela The Flood Gallery.

Tradução: Marina Schnoor

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