Contos bizarros das organizadas de SP

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Contos bizarros das organizadas de SP

Torcedores da velha guarda contam as histórias mais inusitadas que vivenciaram em suas idas ao estádio.

A saga das torcidas organizadas no Brasil é manchada de sangue, de tretas históricas e de terríveis espetáculos de brutalidade. Não dá pra discordar. Mas, se quisermos entender de verdade esses grupos, não podemos nos restringir ao que sai nos cadernos policiais.

Todas organizadas têm, acima de tudo, um amor incondicional pelo time, o sentimento de pertencimento, as ações sociais, as festas e muitas histórias inusitadas – engraçadas ou desgraçadas, a depender do humor de quem as ouve. E ninguém melhor para narrar essas exóticas tramas de bastidores do que aqueles que vivem essa realidade há décadas. Chamamos quatro membros antigões das torcidas dos quatro grandes de São Paulo para contar alguns casos que não saem nos jornais. Se liga:

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Foto: Gabriel Uchida

No Japão para acompanhar o São Paulo no Mundial de Clubes da FIFA de 2005. O desenhista Marco Rodrigues tem 36 anos e 20 de torcida organizada. Mas na arquibancada todos o conhecem mesmo é por "Capão", uma voz rouca e incansável sempre presente no meio da Camisa 12 em todos os jogos do Timão. Como se isso já não fosse prova de fanatismo, Capão ainda é integrante do Partido Nacional Corinthiano e, segundo ele mesmo, "pesquisador autodidata de Corinthiologia".

Capão sem camisa e com os braços para o alto no meio da Camisa 12. Foto: Arquivo pessoal

"Antes do último jogo da final do Campeonato Brasileiro de 1998 entre Corinthians e Cruzeiro, o comandante da polícia tinha dito que todo material de torcida organizada estaria proibido. Até boné e camiseta. Mas a gente inventou de fazer uma bandeira: 'Bicampeão 90-98 Camisa 12'. Isso foi na madrugada antes do jogo. Fiz a pintura e outro associado da torcida, o "Barcelona", ajudou em tudo. Depois de pronta, a gente dobrou, costuramos em volta e fizemos uma almofada. Nossa ideia era colocar aquilo em uma cadeira de rodas porque a polícia nunca suspeitaria. O problema era achar algum deficiente físico que nos ajudasse. Foi aí que outro integrante da torcida lembrou que o tio tinha uma e foi lá na casa dele, às duas da manhã, roubar a peça. O coitado do tio dele deve ter ficado o dia inteiro na cama sem saber o que tinha acontecido. Com tudo pronto, fomos para o estádio e outro amigo da torcida, o Thiaguinho, fingiu que era deficiente físico. Chegando lá, o policiamento disse que ele não poderia ver o jogo no meio da arquibancada. Teria que ir para um setor especial, gratuito. A gente mostrou o ingresso e disse que não teria problemas em ir no meio da torcida. Pedimos para os próprios policiais nos ajudar e eles carregaram a cadeira de rodas com o Thiaguinho até a arquibancada. No final do jogo, o Marcelinho Carioca fez o segundo gol do Corinthians e o nosso "deficiente" se levantou para comemorar. Aí não tinha mais jeito. A gente rasgou a almofada e estendeu a bandeira – que estava proibida mas foi levada para lá pela própria polícia. Por fim, fomos campeões e quem estava em volta não entendia nada por que o Thiaguinho largou a cadeira e estava pulando. Foi como se o Corinthians tivesse feito um milagre."

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Contusão em alto mar – por Catatau, da Mancha Alvi Verde

O primeiro jogo do palmeirense Alexandre Catatau foi Palmeiras e América de Rio Preto, em 1975, no Morumbi. Ele foi levado pelo avô. Na década de 80, Catatau entrou para o mundo das organizadas e até hoje, com 46 anos, é integrante ativo da Mancha Alvi Verde, torcida que acompanha desde o surgimento.

Catatau com a sobrinha no embarque para o Mundial no Japão em 1999. Foto: Arquivo pessoal

"Primeiro jogo da final do Campeonato Brasileiro de 1993, Vitória e Palmeiras. Depois da partida, a caravana foi embora de Salvador e nós fomos para a Ilha de Itaparica. Mandamos o resto dos ônibus de volta e o da diretoria da torcida veio pelo ferry boat [as embarcações que fazem a travessia entre Itaparica e Salvador]. A gente estava lá conversando e três caras ficaram bebendo no boteco: o Nandão, o Carioca e o Atibaia. Nisso a balsa começou a apitar que ia fechar a cancela e eles estavam lá em cima. Era uma ribanceira da altura de um prédio de dois andares. Quando eles saíram do bar, o portão já estava fechado e a gente falou para eles pularem porque era o último do dia, iam ficar para trás. O Carioca foi o primeiro. Pulou e caiu no convés com os dois tornozelos fraturados. O Nandão ameaçou e voltou, meio que desistiu. Nisso o ferry boat começou a andar e, no desespero, ele pulou também. A gente só ouviu o barulho de osso esmagando quando ele caiu na beira da balsa. Quebrou umas quatro costelas. Pelo menos caiu para dentro, não no mar. Enquanto a gente dava risada, os marujos o arrastavam pelo chão e falavam que era louco porque tinha mais umas cinco embarcações em seguida – o que a gente também sabia desde o começo. O Atibaia foi esperto e não pulou. O jogo foi domingo e só chegamos em São Paulo na terça à noite e, nesse tempo todo, eles vieram sem atendimento porque não paramos em nenhum hospital. O Palmeiras ganhou de um a zero e foi campeão na partida seguinte."

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O eterno retorno – por Leonardo, da Torcida Jovem

A ligação do fotógrafo Leonardo Rodrigues com torcida organizada vem da mãe, que era integrante da Sangue Santista. Dos 43 anos de Leonardo, 20 são de Torcida Jovem do Santos.

Leonardo (o segundo da direita para a esquerda) no estádio Mineirão em 2003. Foto: Arquivo pessoal

"Final do Campeonato Brasileiro de 2004, Santos e Vasco em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Essa história foi a mais tosca, nunca vi coisa igual. Depois do jogo, nosso ônibus estava indo embora e eu avisei que era para virar à esquerda no fim de uma avenida. Não sei por qual motivo, um animal disse para o motorista virar à direita. Ninguém se ligou. Horas depois acordei e vi a placa "bem-vindo à Curitiba". Em vez de voltar para a Baixada Santista, tínhamos ido em direção ao sul. Aí não achávamos retorno. Tivemos que cortar caminho pelo meio da pista, pela grama. O pneu furou. Quando paramos no posto, o frentista disse que era para a gente correr porque estavam chegando cinco ônibus da organizada do Botafogo enquanto estávamos em um só. Por fim, em vez de ter dois pneus na parte de trás, só tinha um e estava esfarelando de tão velho. Era maior que os outros e deixava o ônibus meio torto. Tivemos que voltar a 40 quilômetros por hora porque o motorista disse que podia estourar o último pneu restante e corríamos o risco de capotar."

O furto da santa – por Zamboni, da Independente

Danilo Zamboni frequenta estádios desde seus primeiros anos de vida. Hoje ele é juiz de paz e grande parte dos seus 53 anos são dedicados à Torcida Tricolor Independente, organizada na qual ele se filiou ainda durante a fundação, em 1973.

Danilo no Japão para acompanhar o São Paulo no Mundial de Clubes da FIFA de 2005 . Foto: Arquivo Pessoal

"Há dois anos, em uma viagem à Belo Horizonte para um jogo contra o Atlético Mineiro, durante uma parada em um posto de gasolina na rodovia Fernão Dias, um torcedor roubou uma imagem da Nossa Senhora Aparecida. A caravana prosseguiu, mas não conseguimos ir ao estádio porque o ônibus quebrou e nos atrasou. Quando chegamos perto da capital, já era tarde demais. A polícia não nos permitiu continuar. Pior do que isso foi que, a partir daquele dia, o São Paulo não ganhou mais nenhum jogo no campeonato. Então descobrimos o paradeiro da imagem e do torcedor, que não disse porque tinha feito aquilo. A diretoria da torcida me pediu que os levasse de volta no mesmo posto, quase 30 dias depois do ocorrido. Eu os coloquei no meu carro e fiz com que a imagem fosse devolvida na mesma prateleira. Isso foi em uma sexta à noite. No sábado, o São Paulo jogou e voltou a ganhar. Com fé e religião nunca se brinca!"

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