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Música

A Parceria Entre Juçara Marçal e Cadu Tenório É um Noise Macumbeiro de Desgraçar a Cabeça

Ouça com exclusividade o disco 'Anganga'.

Foto: Divulgação Anganga é uma entidade fodona para os bantos (população predominante na África Subsaariana e uma das principais etnias escravizadas no Brasil). É também o nome do primeiro disco da inusitada junção entre a cantora carioca, mas criada e radicada em São Paulo, Juçara Marçal, e o carioquíssimo Cadu Tenório. “Rolou essa parceria com o Cadu num momento em que a gente no Metá Metá também tá mergulhando cada vez mais num lance de noise, que é completamente diferente, mas já tem um caminho que se aproxima disso. Antes a canção tava mais em evidência e aos poucos a gente tá aprofundando nessa viagem de desconstrução”, explica Juçara.

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Quando você começa a ouvir a voz maravilhosa de Juçara (nunca me canso de elogiá-la) entoar os versos “Muriquinho piquinino, muriquinho piquinino. Parente de quiçamba na cacunda”, famosa na voz de Clementina de Jesus, numa versão caótica e desgraçadamente ruidosa (que a gente antecipou há algumas semanas), você saca que fodeu. Sua cabeça será moída e o que sobrar dos seus miolos vai ser triturado quando chegar o minuto 3:53 da música. “Se eu fosse escrever uma canção minha, não faria tanto sentido pra mim, porque é uma coisa frágil. Eu precisava de uma pedra, uma pedra da memória. Uma coisa que me servisse de âncora pra dar esse mergulho”, conta a cantora.

“Canto II” é uma das oito faixas do disco, que é uma espécie de sobrinho neto maluco, cabeçudo e barulhento do álbum Canto dos Escravos, lançado em 1982, e que teve a sagacidade de juntar a já citada Clementina de Jesus com Geraldo Filme e Doca para interpretar cantos de trabalhos. Deste disco clássico foram retiradas mais três faixas. “Canto III”, “Canto VI” e “Canto VII”. “Pensei nesse universo que sou apaixonada, tanto pelo disco Canto dos Escravos quanto essa herança banto. Aqui no sudeste é muito forte. Esse universo já me interessava muito de antes, no meu trabalho com A Barca e das coisas que fui aprendendo indo a essas comunidades que ainda têm festas e manifestações da herança banto”.

O álbum fecha com “Grande Anganga Muquixe”, canto do congado de Justinópolis, e “Candombe”, do quilombo de mato do Tição, ambas em Minas Gerais. A conta fecha com “Eká” e “Taio”, compostas por Cadu com colaboração de Juçara. Ele explica: “Minha inspiração pra ambas foi o processo de ‘transe’ dos cantos e o sentimento de nostalgia que a maior parte deles deixa em mim. Durante o processo de composição dos arranjos, essas músicas surgiram naturalmente. Achei que soariam como um complemento perfeito. Juçara concordou e colaborou com elas de forma impressionante”.

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O processo de produção durou cerca de um ano e começou com a ideia de fazer um álbum interpretando a obra de Dorival Caymmi com muito barulho e aquela pitadinha de Stockhausen, Merzbow, Throbbing Gristle e Maurizio Bianchi. Cadu destrincha a inspiração desse improv-rock-torto-noise-carioca. “No geral as referências vêm de minha pesquisa sonora diária. Conforme fomos selecionando os cantos, fui testando várias abordagens dentro deles até chegar ao ponto que queríamos pensando sempre no disco como um todo. Cada faixa se interligando a outra e formando uma espécie de círculo”.

Juçara explica como a dupla se resolveu com a distância, ele no Rio, ela em São Paulo, e com as agendas. “Foi um processo muito maluco, muito diferente do que costumo fazer. Geralmente o que a gente faz é tudo junto, criando junto ali na hora, grava tudo ao vivo e tal, e com ele não dava pra fazer isso. O que eu fiz? Gravava os cantos à capela, mandava pra ele e a partir do meu canto ele pensava em todo o arranjo e me devolvia já com esse arranjo nesse ambiente”.

Anganga sai pelo selo carioca QTV em parceria com a Sinewave Label.

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