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Música

Os Rocks dos Anos 80 Contra a Situação Política Ainda Fazem Sentido?

"Comemoramos" a Proclamação da República reavaliando as letras dos punks da "década perdida".

Montagem com o quadro "Proclamação da República", 1893, de Benedito Calixto.

Em 15 de novembro de 1889 um pessoal muito bravo levantou as espadas e proclamou a República no Brasil. A revolta derrubou o poder de Dom Pedro II e, desde então, temos passado por vários períodos republicanos específicos, nem sempre democráticos, como a República Velha e Estado Novo “criado” por Getúlio Vargas. A fase contemporânea da nossa República começou com a redemocratização nos idos de 1985, com bombas, Congresso doido, presidente eleito morto do nada e transferindo os poderes para José Sarney. Tudo isso com a desindustrialização, inflação galopante e desemprego. Ganhou o nome de Nova República.

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Crônica deste clima tumultuado é “Pátria Amada”, música dos Inocentes escrita logo após o plano Cruzado, que fracassou na tentativa de estabilizar a moeda. Chamado de “hino nacional” pelo pessoal do coturno e cabelo arrepiado, os versos relatam “promessas”, “palavras vazias” e “decepção” com a política. Termina com uma simulação de tiros e um tenebroso “salve, salve-se quem puder”.

Apesar de indicadores econômicos não muito bons e cenário de crise, 2015 tem lá seus avanços em relação à década de 1980, como uma democracia “a todo vapor”, fim da moda das ombreiras e pessoas menos desocupadas. “Naquela época eu olhava para lado e de dez amigos, oito estavam desempregados”, recorda Clemente Tadeu Nascimento, autor da canção de 1987. O progresso social, porém, é limitado, avaliou o músico de São Paulo. ”Infelizmente a música ainda faz sentido porque muitos agentes políticos retrógrados daquela época ainda estão atuantes, senão no Executivo, no Legislativo. Agora estão revendo várias leis que eram consideradas avanços”, disse levando em consideração o recente noticiário sobre c e r t o s deputados que até pílula do dia seguinte querem proibir.

Outro grupo de punk rock a retratar a situação político-social de merda do Brasil no comecinho da Nova Republiqueta foi a Plebe Rude. As letras continuam absolutamente relevante para tristeza da própria… plebe, avalia o vocalista Philippe Seabra, que usou a palavra “tragédia” para classificar a contemporaneidade das faixas. “Como artista, fico feliz pela relevância da obra, mas como cidadão vejo isso com uma enorme tristeza”, comentou o responsável por “Até Quando Esperar?”, que cobra uma distribuição maior das riquezas nacionais num mix de guitarra com violoncelo.

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Uma das poucas composições datadas do grupo, concordou o roqueiro, é “Censura”. “Apesar de não ter um órgão oficial para censurar as coisas hoje em dia, vejo tentativas de censura moral, econômica e também com ameaças de processos”, falou Seabra, ao citar recente episódio envolvendo o jornal O Estado de S. Paulo, que desde 2009 está proibido judicialmente de noticiar investigações sobre Fernando Sarney, filho do Sarneyzão.

Jovens com medo da polícia, esse instrumento do capital, é assunto velho, mas as Mercenárias foram bem diretas em “Polícia”, com o refrão “a polícia vem, a polícia vai, a polícia mata”, de 1986. A faixa é da mesma época das revoltas dos Titãs contra os tiras e o Estado violento e também do Aborto Elétrico e sua paulada em “Veraneio Vascaína”, sobre “assassinos armados uniformizados”.

Tanto tempo depois, essa falta de credibilidade parece longe de ser resolvida. Além de uma chacina recente, esta semana duas adolescentes tomaram spray de pimenta na cara de PMs. E elas não estavam armando uma guerrilha, roubando velhinhas ou parando o trânsito - o que para muita gente já é uma ação anti-democrática, mas protestavam contra o fechamento de escolas públicas pelo governo do Estado de São Paulo, em frente ao colégio. Uma pesquisa do Datafolha divulgada no começo deste mês mediu o impacto dessa truculência e contou que 60% dos paulistanos têm mais mais medo que confiança na PM. O índice de desaprovação da força pública, segundo o mesmo instituto, chegou a 74% em 1997.

A temática de muitos rocks brazucas dos anos 80 mostram que o Brasil não é lá tão gentil. A Nova República está com nada – ao menos foi o que garantiu a Detrito Federal em seu álbum com um rapaz defecando no Congresso. Caetano Veloso, porém, já portava boas notícias. Com toda malemolência baiana, o músico indicou que apesar do chorume ainda nos resta tempo para nos divertir: “Enquanto os homens exercem seus podres poderes, índios, padres, bichas, negros, mulheres e adolescentes fazem o Carnaval”.