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Música

Groupies, Tatuagens e Glam-Rock: Por Que Helsinque É a Sunset Strip da Europa

Com botas de crocodilo vermelhas, óculos escuros de coração e uma cabeleira loura, Monroe é considerado um tesouro finlandês – especialmente por causa de sua antiga banda, Hanoi Rocks.

Fotos por Jussi Särkilahti

É difícil descrever como é desconcertante ter irritado um astro do rock de verdade – mesmo se for um tão bem humorado e educado como é Michael Monroe. Parece que seus órgãos internos rolaram das suas entranhas, fazendo um leve “sblosh” ao bater no chão, e você vai ter que se agachar para recolhê-los.

Essa é a segunda vez em que me sento para conversar com o roqueiro mais famoso da Finlândia, e, dessa vez, estamos no território dele: um café no centro de Helsinque. Com botas de crocodilo vermelhas, óculos escuros de coração e uma intimidante cabeleira loura, Monroe é fácil de identificar; já teve de parar nossa conversa várias vezes para falar com as menininhas de olho arregalado que ficam pairando ao nosso redor, sonhando com uma foto ou um dos cartões pré-autografados que ele carrega consigo para entregar aos fãs, de forma a evitar aglomerações – para ele, uma medida necessária ao andar pela capital. Monroe é considerado um tesouro nacional – especialmente por causa do sucesso de sua antiga banda, Hanoi Rocks.

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Estou aqui para investigar a cena influenciada pelo hard rock de Los Angeles em Helsinque, onde Monroe é reverenciado como um pioneiro. As pessoas com quem falei o chamaram de “o Rolling Stones da Finlândia” e me explicaram que os finlandeses “o tratam como se fosse o Michael Jackson. Até o seu avô conhece o Hanoi Rocks”.

Caso você (A) não seja finlandês ou (B) não tenha idade para lembrar de nada que tenha acontecido antes do advento da internet, o Hanoi Rocks é uma banda que quase estourou nos Estados Unidos no início dos anos 80, e teve enorme influência na cena da Sunset Strip. Sua carreira foi abreviada quando seu baterista, Razzle, morreu ao sair para comprar cerveja com Vince Neil, do Mötley Crüe. A banda acabou se despedaçando – mas não sem antes inspirar uma legião de jovens norte-americanos a pentear o cabelo da ponta para a raiz e a dilatar suas pupilas. Bandas como Poison, Faster Pussycat, Ratt, e muitas outras cultivaram uma associação indestrutível com a Hanoi Rocks – uma associação que perseguiu Monroe por gerações. Fora uma banda ou outra de que Michael gosta de verdade – o Guns N’ Roses, por exemplo –, em geral sua reação ao “legado” do Hanoi Rocks é “como é que é?! Não me ponha a culpa por essa merda!”.

O que me leva a mencionar meu estado de espírito na manhã antes de encontrar o Michael. Eu havia conversado com algumas das bandas glam em evidência na cena finlandesa e digo a Michael que andei falando com o Olli…

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“Olli Herman? Do Reckless Love?”, pergunta Michael. Faço que sim com a cabeça. Seu rosto fica sombrio, seu tom fica amargo. “Ahaaaam…”

*sblosh*

Hã, pois é, e também falei com essa outra banda chamada Santa Cruz…

“Sim, já ouvi falar”, interrompe ele, depositando energicamente sua caneca de café na mesa. “Mas, antes de mais nada, o que você disse para o Olli? E por quê?”

*sblosh*

“Foi sobre a influência do Hanoi?”

Bem, hã, não, ele disse que te conhece, mas tem mais influência de outras bandas.

Imediatamente, as nuvens de tempestade se dissipam e deixam ver o sorriso de sempre. “Sim! Concordo. Eles são dessas outras bandas, as que querem ser o Van Halen”, diz Michael. “Os ‘Poisons e as cabeleiras enormes – as bandas de hair metal! Na verdade, eles eram fãs das bandas que eram fãs do Hanoi.”

O Reckless Love

Fico com a sensação de não ser a primeira pessoa a receber um olhar mortífero de Michael Monroe por mencionar o Reckless Love em uma conversa sobre o Hanoi Rocks. E, a julgar pela minha conversa com o Olli, não sou a primeira jornalista a escrever sobre isso também.

“Ele é um cara super simpático. Um líder de primeira, o original”, derrama-se Olli. “As pessoas tendem a pensar que [o Michael] é um dos meus ídolos, mas ele nunca foi um ídolo para mim nesse sentido específico.”

“Admiro de verdade as coisas que ele consegue fazer com cinquenta anos de idade. Ele ainda faz espacates! Ainda escala as laterais do palco! Ele não para quieto!”

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“Sou grato a Michael Monroe por ele ser quem é, porque, sem ele, não existiriam as bandas que admiro. Ele é como se fosse o pioneiro da música que eu admiro.”

O Reckless Love, especialmente Olli, é muito famoso na Finlândia por tocar seus hits hair metal com uma pegada tão pop que, se Katy Perry os gravasse, poderia arrebentar na parada de sucessos. Seu álbum mais recente, Spirit, ficou em terceiro nas paradas finlandesas e Olli vem fazendo currículo como personalidade televisiva. Diferente de Monroe, Olli não tem o menor constrangimento em fazer canções comerciais e atrair o pessoal mais nostálgico. Ele mantém até mesmo um projeto paralelo com outros roqueiros finlandeses, chamado The Local Band, dedicado exclusivamente a tocar covers do hair metal dos anos 80. O membro mais jovem dessa banda é Archie Kuosmanen, cantor e guitarrista da banda Santa Cruz, que trabalha com as mesmas inspirações oitentistas.

Os membros da Santa Cruz já dominaram todas as convenções musicais da era do hair e do glam metal. Eles gemem em falsete – no sentido Quanto Mais Idiota Melhor da coisa – e dilaceram qualquer lick do tipo que deixava todo mundo de queixo caído na calçada da Sunset nos bons tempos.

“É claro que, hoje em dia, nossa banda está mudando para admitir influências modernas”, explica ele, “mas, naquele tempo [em que começamos] tudo o que queríamos era parecer e soar iguais ao Skid Row. Quando você é adolescente e vê esses vídeos de sujeitos tocando rock, bebendo Jack Daniels e pegando mulher a rodo… você fica louco pra fazer AQUELE tipo de música!’”.

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Quem não tinha idade para entender as sutis nuances de “Cherry Pie” do Warrant, e muito menos se escondia em Los Angeles naquela época, cresceu com uma ideia glamourizada da Sunset Strip: a imagem mitificada nas pilhas de biografias que saíram do forno em série desde a virada do milênio. The Dirt, do Motley Crue, os dois tijolões de membros do Crue, as memórias de Duff McKagan e do Slash: todas elas passam uma imagem consistente de decadência sem limites e devassidão machista na cena musical do fim dos anos 80. Gatas incríveis! Carrões! Festas intermináveis! Punheta guitarrística desenfreada sem medo de ser feliz! Histórias inebriantes, especialmente para milhões de rapazes ainda com espinhas na cara.

O glam rock não é mais uma grande onda na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos; hoje em dia, os jovens preferem mulheres nuas dependuradas em aparatos de construção civil a homens durões cheios de spray no cabelo. Mas em Helsinque há mais do que o triplo duma nova onda do glam metal. E é por isso que estou em um navio ancorado no Porto de Helsinque – duas noites antes do meu encontro com Michael Monroe – com o Santa Cruz e um bando de finlandeses de cabelo comprido que parecem ter sido arrancados diretamente do clube Whiskey A-Go-Go por volta de 1988.

JUMP!”, berram eles. “Go ahead and ju-uump!

Os espectadores da festança dessa noite abarrotaram o deque em apoio a meia dúzia de jovens metaleiros que decidiram, conforme dizem, “fazer um Titanic”. Até agora, isso se traduziu em se pendurar na ponta do gurupés (o mastro na ponta do navio) e se balançar nas cordas do mastro principal. Isso não me parece a melhor das ideias; mas eu não sou uma roqueira de 21 anos que passou horas enchendo a cara com cerveja e uísque ruins.

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Carne nova no pedaço

Elevam-se vozes – vozes contra e a favor – na equipe que empresaria o Santa Cruz. Estão dizendo a Archie para voltar para o deque naquele minuto. Mas é tarde demais; ele está pendurado de cabeça para baixo no mastro com sua camisa do Suicidal Tendencies caindo pelos ombros e seu cabelo descolorido se estendendo como se quisesse alcançar a água rançosa, metros abaixo. Pouco depois, ouvimos um tchibum. E alguns vivas. Imediatamente seguidos por outro tchibum quando outro líder de outra banda fã dos anos 80 resolve imitar o primeiro.

Esta é a pré-festa – e o restante dos membros do Santa Cruz está ocupado em virar cervejas, assistir hóquei e fazer tatuagens em um ambiente de higiene duvidosa’ antes de sermos transportados em massa para os dois melhores bares da cidade. Ali há álcool à vontade, meninas bonitas por toda a parte, e a salada de macarrão mais foda que já comi em toda a minha vida. Enquanto a noite avançava, todos os membros da banda cada vez mais intoxicada tatuam nos pulsos “Melhor show da vida!” – que parece ser sua versão de um pôster motivacional de escritório – assim como vários símbolos em seus punhos. Para coroar, o baterista do Santa Cruz, Tapani ‘Taz’ Fagerström, toma a decisão certamente bem pensada de marcar seu nome artístico na própria pele. A bebedeira, as tatuagens e a parada de roqueiros cabeludos têm como apropriada música de fundo Skid Row, Mötley Crüe, Guns e afins. Se você queria os devassos anos 80 reimaginados para os dias de hoje, só que na Europa, então aí está.

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Archie afirma veemente que Helsinque é tão próxima quanto possível da Sunset Strip – ou pelo menos do que ele leu a respeito dela. O Santa Cruz está prestes a estourar fora da Escandinávia, e seus compadres há mais tempo no batente do hair metal – que estão para eles como o Poison estava para o Skid Row –, o Reckless Love, estão se tornando uma das bandas mais famosas do país.

“A febre do momento é o rap finlandês, que é uma merda. [O rapper Cheek] esgotou shows no estádio olímpico dois dias seguidos. Que merda é essa!?”, diz o guitarrista do Santa Cruz, Johnny Parkkonen. “Mas vem surgindo uma nova geração muito mais rock’n’roll.”

Os principais locais de convívio e shows que essa onda mais recente frequenta estão localizados a quarteirões um do outro, sendo os três mais populares o legendário e antigo Tavastia Club (onde o Hanoi Rocks começou), o Bar Loose e o Bar Bakkari – que quer dizer “Bar Bastidores”. Este reabriu há pouco tempo após ficar um período fechado para reformas.

“Aquele lugar tinha sempre groupies saindo pelo ladrão”, diz Archie sobre o Bar Bakkari. “Era como o [bar da Sunset Strip] Cathouse durante os anos 80.”

“O Reckless Love ia lá para relaxar, tinha mulheres do tipo da Pamela Anderson, coisa e tal. Parecia Los Angeles, porque todo mundo tinha cabelão e tinha essa vibe da Sunset Strip”, diz ele.

Monroe admite com prazer estar “fora da norma” nesse aspecto – está sóbrio, limpo, e não passaria um dia de semana se embebedando e tatuando seus tornozelos. Mas o Hanoi Rocks não tem um passado nem um pouco inocente. Certa vez, foram deportados de Israel quando os membros Razzle e Nasty Suicide resolveram que a mobília de seu quarto de hotel ficaria mais bonita espatifada no meio do tráfego de Tel Aviv, vários andares abaixo de sua janela.

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O guitarrista do Hanoi, Andy McCoy, ainda é famoso por sua excentricidade nível Keith Richards.

“Uma vez nós fizemos um show no Bar Bakkari, tem uns anos, e o Andy veio com a esposa dele”, lembra Archie. “Depois do show, o Andy veio ao camarim com aqueles óculos escuros gigantescos dele, andou até o set list, escreveu nele ‘A banda foi ótima’ e assinou seu autógrafo. Aí ele foi pro cantinho, acendeu a porra de um baseado, mijou no chão, fumou o resto do baseado e foi embora. Foi engraçado pra caralho!”

Meu breve tour da cena dos bares de Helsinque – que começou pouco depois de Archie ser arrastado para fora do porto rindo de satisfação com a travessura – traça um panorama tão tresloucado quanto esse. A primeira parada foi o Bar Loose, “o melhor lugar pequeno para shows de Helsinque”, diz Johnny, e um bar de rock meio obcecado pelo Iggy Pop – pôsteres, murais, fotos emolduradas etc. Então passamos ao Bar Bakkari, onde a noite termina com a banda – que acabou de engolir ecstasy – evitando as contrações faciais para improvisar uma performance sem estresse enquanto Archie salta nas mesas e os fãs entornam shots de uísque. As esposas e namoradas ficam aglomeradas ali por perto o tempo todo, resplandecentes com seus sutiãs push-up e suas fartas madeixas que chegam a roçar a cintura. A maioria voeja timidamente ao redor do agito, mas algumas delas se jogam na frente da câmera – especialmente a mais recente namorada de Archie, que em certo momento da noite decide enfiar a mão inteira na boca para que nosso fotógrafo imortalize o momento.

Sim - sexo, drogas e rock’n’roll existem, todos eles, em Helsinque. Mas há furos nesse ideal de Sunset que a cidade tanto persegue. Nada bastará para recriar a atmosfera caótica e ridícula da cena original, quanto ainda grassava a ignorância (ou a firme atitude de negação) quanto a drogas e doenças sexualmente transmissíveis. Os membros do Guns N’ Roses tiveram aventuras maravilhosas – pegaram chato da mesma stripper; e uma vez o Slash, cheio de pó nas ideias, saiu peladão, aos gritos, por uma rua residencial, tentando fugir dos gremlins de dreadlocks que ele achava que o haviam atacado no chuveiro.

No entanto, a versão helsinquiana da Sunset Strip é sustentável, em sua ambição de manter a “vida louca” num volume acima do máximo enquanto reduz a um mínimo aquela história de “morrer jovem”. “Os livros fazem bem porque todos os erros já foram cometidos por nós”, diz o baixista Middy Toivonen. Eles não vão se picar com heroína tão cedo; vão preferir continuar se jogando de navios.

Você pode achar que isso é caído e nem um pouco rock’n’roll. Mas “a coisa toda da morte no rock’n’roll, não tem nada de glamouroso nisso”, diz Olli. E com esse ponto de vista até mesmo Michael Monroe, o roqueiro mais genuíno do país, pode concordar.

Tradução: Simone Campos