Jovem indígena youtuber
O youtuber Cristian Wariu Tseremey'wa. Crédito: reprodução

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Quem são os youtubers indígenas do Brasil

Jovens se mobilizam na internet para mostrar o que, vergonhosamente, conhecemos tão pouco: a vasta cultura de seus povos.

Chega o dia 19 de abril e rola aquela prática de sempre nas escolas Brasil afora: alunos produzem um cocar com cartolina e penas. Essa é a “homenagem” ao Dia do Índio que sabemos fazer e que, muitas vezes, só servem para disseminação de preconceitos e desinformação, que vai desde os aspectos das vestimentas até o dia a dia de um indígena no Brasil. Hoje estamos a um clique de saber sobre o rito de passagem dos jovens xavantes ou entender tipos e funções de pinturas de algumas etnias. Tudo por conta de jovens indígenas que decidiram criar canais no YouTube para compartilhar aspectos de suas culturas, desde curiosidades a assuntos mais complexos. Mas nem sempre foi assim.

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Desde a adolescência o indígena xavante com descendência guarani Cristian Wariu Tseremey'wa percebeu que as pessoas a sua volta tanto na escola quanto nos meios sociais entendiam pouco sobre o que são os indígenas de fato. “Conforme o tempo e a vivência comigo iam se estendendo, surgia um respeito, surgia o interesse dessas pessoas em entender um pouco mais sobre meu mundo”, conta.

"Falar dos povos indígenas é falar automaticamente sobre luta, resistência, diversidade, riqueza cultural e os diversos equívocos que se difundiram na sociedade" é como Cristian começa um de seus vídeos em que desmistifica uma série de fatos sobre povos indígenas. A começar pelo termo "índio" que é um equívoco, uma vez que foi dado pelos colonizadores por achar terem desembarcado na região das Índias. Em seus vídeos, o jovem youtuber compartilha conhecimentos, que não são "curiosidades", já que muitas das informações nós não sabemos pelo fato de ignoramos um povo o qual devemos todo nosso respeito.

Quem também teve a iniciativa de produzir conteúdo online foi Denilson Baniwa, publicitário, artista plástico, ilustrador, comunicador e ativista indígena do povo Baniwa, nascido em Barcelos, no Rio Negro, Amazonas.

“Por agora viver na cidade e transitar por diversos lugares, eventos, universidades, e na rua mesmo, eu observei o quanto as pessoas desconhecem sobre as populações indígenas. É incrível como ainda acreditam que os índios vivem isolados, que não estão sabendo o que está acontecendo na atualidade, ainda acreditam que o índio é aquele de 1500”, conta Denilson.

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“Eu queria encontrar uma linguagem mais simples que todo mundo entendesse”. Ele conta que escutou quem dissesse “Quem vai querer ver um índio no YouTube?”, mas também ouviu “Vai e faz; é importante. Mesmo que não dê certo, você pode incentivar outros indígenas”.

Outro fator que motivou o youtuber foi sua relação com os próprios parentes indígenas: “Queria mostrar para eles o quanto o nosso povo é capaz e é possível criar situações que a gente consiga realizar coisas importantes. Que o canal servisse como um espelho, onde pudesse se ver e repensar sua própria existência”.

A partir de então, Baniwa pensou quais meios poderia usar para falar do indígena atual. “Falar dos que passaram por todo processo de violência ao longo desses tempos e através desses processos puderam ou foram obrigados a aprender a usar essas ferramentas; inclusive os conhecimentos não-indígenas”, menciona.

Quando foi buscar referências no YouTube, Denilson teve dificuldades: “Descobri que no Brasil não tinha nenhum indígena falando, alguns vlogs de não-indígenas falando por alto e outros fora do Brasil”. Apesar de ser em países diferentes, a realidade não estava muito distante, conta o youtuber: “Os problemas que eu escutava deles eram bem parecidos com os que a gente passa aqui no Brasil; discriminação, racismo, alcoolismo, violências diárias; e isso me motivou mais ainda a fazer algo no Brasil”.


Mas nem tudo são flores para quem tem um vlog. O youtuber menciona agressões e discurso de ódio expostos em alguns comentários. "Pessoas que aproveitam esses espaços para expor seu ódio em relação às populações indígenas", diz.

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Já Cristian Wariu conta que apesar de sofrer críticas – ele já ouviu coisas como “volta pro mato” e “onde já se viu índio fazer vlog” –, tenta relevar. “[O público atual] entende e inclusive pede sugestões de vídeos ou coisas que desconhecem, e eu tento produzir pra essas pessoas, inclusive para os vários indígenas que veem meu canal como algo bem representativo”.

Ser índio no Brasil deve ser de uma grande responsabilidade e Wariu comenta sobre a luta atual enquanto indígena youtuber: “Por muito tempo fomos representados, não tínhamos voz e tão pouco autonomia. A antiga geração visava principalmente a sobrevivência dos povos indígenas, a qual agradeço muito mas, hoje a luta da nova geração é outra, é de falarmos por nós, sermos independentes e donos da nossa própria história”.

Se tais práticas dos youtubers indígenas transformarão o Brasil em um país com menos preconceito, talvez ainda seja cedo afirmar, mais Wariu acredita no potencial do projeto: “O objetivo é mudar um pouco a percepção das pessoas em relação aos povos indígenas, não só para que minha geração tenha respeito, mas que as próximas também tenham, isso será bom para todos”.

Conheça outros youtubers indígenas:

Ysani Kalapalo
Indígena Kalapalo, da região do Alto Xingu, Mato Grosso

Benicio Pitaguary
Publicações aos sábados e domingo; vídeo sobre pintura de rosto jenipapo Kaninde

Angélica Anacé
Da tribo Anacé, dona do canal "Índia Atualizada"

Ysani Kalapalo
Indígena Kalapalo, da região do Alto Xingu, Mato Grosso

Katu
Cantora e compositora independente

Jefferson Niotxaru Pattaxó
Dono do canal “Papo de Índio” e da etnia Pataxó

Atualização: Após a publicação desta reportagem, o youtuber Cristian Wariu pediu que a VICE mencionasse que seu canal é apoiado por um edital do antigo Ministério da Cultura (MinC).

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