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Safados & Independentes: Quem São os Novos Talentos das Publicações Eróticas no Brasil

Uma seleção do que há de mais novo e bacana para quem curte sacanagem.

A arte erótica, ou pornografia, talvez seja um dos assuntos mais prolíferos no mercado de arte mundial. Além do fato de que sexo vende, é possível conquistar o olhar do consumidor (mesmo que seja só uma "olhadinha"), garantir uma pequena margem de interessados em discutir sexualidade e ainda conquistar aqueles que só querem um belo livro para enfeitar sua mesa de centro.

Sendo assim, estamos falando de um mercado abrangente, em crescimento, mas ainda muito suscetível de picaretagem – tipo a street art. Ainda mais que hoje está cada vez mais fácil falar que um péssimo fotógrafo produz arte erótica já que ele gosta de fotografar mulheres nuas. Você pode achar que isso é complexo de Bukowski, mas é muito cansativo ver uma publicação erótica que trata sexo de uma maneira horripilantemente higienizada. Não que precise ser uma desgraça, mas sexo envolve saliva, suor e muitos fluídos corporais que fazem o ato todo ser uma bagunça (gostosa).

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Por isso, muito além de retratar casais limpinhos fazendo sexo cenográfico ou enganar os fetichistas de livros decorativos, encontramos algumas publicações independentes (ou quase) que estão com a ambição de trazer novas propostas para a sexualidade, ou simplesmente facilitar a nossa masturbação.

Kakakú e Fudyvaldo da Ana Carolina Barbosa da Cunha.

A auto ficção da ilustradora Carolita Cunha é tudo menos limpinha. Seu zine Kakakú e Fudivaldo já está caminhando para a 12ª edição, e é baseada em suas vivências de maneira fictícia, com um viés que poderiam incomodar alguns por um certo fundo de escatologia, mas na verdade é a mais pura realidade da trepada.

O humor cortante, um encontro entre o Marcatti e o George Carlin, combinado com desenhos escrachados, mostram sem firulas a confusão toda que é fazer sexo hétero, sem a parte fofinha. "Acho que é sempre muito importante falar de sexo, mas vejo uma necessidade de ir além do sexo heteronormativo e corpos perfeitos. A maioria das pessoas não tem seus corpos como nos moldes representados e o que vemos em literatura, quadrinhos e filmes eróticos é justamente mulheres exuberantes e estereotipadas e homens viris que nunca dão uma brochada", explica a ilustradora sobre seu trabalho.

"Gostaria que o sexo fosse representado mais vezes como algo acessível, natural e de direito de todo e qualquer adulto e não um sonho mirabolante restrito às pessoas jovens e perfeitas, ou uma sujeira moral", conta. Talvez seja essa essência desconfortável da arte erótica que precise ser resgatada, mesmo com a humanidade produzindo putaria pictórica desde que nos conhecemos por gente.

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Kakakú e Fudyvaldo.

Na mesma pegada de desconforto se encontram as ilustrações belas e esquisitas da Sabrina Geaverd Montibeller, dona do Estúdio Pagu. A artista mora em Brusque, Santa Catarina, e perdeu o cabaço de publicação com o zine Nem Tudo Mundo Gosta de Viver, no qual mulheres nuas são desenhadas em posições esquisitíssimas e pouco elogiosas, mas ainda assim carregadas com uma alta dose de sexualidade, quase como uma Apollonia St. Clair socialmente deslocada.

O olhar de Sabrina e suas mulheres flexíveis foge do convencional e explora as múltiplas possibilidades de retratar a nudez feminina. "O que vai pro papel é resultado do que habita em mim. Existem em todas nós esses multiversos, podemos ser delicadas, agressivas, fortes, livres e tudo mais que couber na gente. Não temos só uma faceta na vida, convivo muito com todos os meus lados. E isso que passa pro papel na hora de colocar essas sensações", explica a designer, que ainda se impressiona em saber que mais e mais mulheres se identificam com o seu trabalho. "[…] Como meu trabalho é reflexo do meu discurso, desenho mais para elas. Quero todo mundo empoderada e livre."

Apesar de trabalhar como designer de moda, Sabrina confessa que precisou tomar uns goles de coragem para publicar seu trabalho autoral, que é altamente carregado por percepções pessoais. "Acho que a coisa mais importante que pude tirar disso é que não preciso da permissão ou aprovação de ninguém - que o que tenho pra mostrar é importante e válido, por que é minha vivência, minha interpretação daquilo que vivo."

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A discussão de gênero no meio erótico não é nada novo, mas cada vez mais tem se tornado um carro chefe para revelar talentos femininos perdidos nas pilhas e mais pilhas de arte masculina, normalmente impregnada de preconceitos e imagens sampleadas de referências amigáveis para a punheta como as do Milo Manara.

Para a ilustradora Luana Marques, essa homogeneidade masculina trava um pouco a parcela feminina de querer publicar sobre sexo. "[…] quando uma mulher publica, fala, ou faz qualquer coisa que demonstre que ela tem realmente uma sexualidade que pode ser ativa, automaticamente (e infelizmente) isso acaba se tornando um motivo para diferentes tipos de abusos machistas".

Dona do Algodão Torcido, uma publicação dedicada ao shibari e todos os seus desdobramentos no BDSM, uma "junção perfeita de erotismo, fetichismo e arte". As páginas negras do zine, adornadas por desenhos delicados de corpos femininos presos por cordas ou ball gags mostram que a temática sadomasoquista ainda é uma fonte inesgotável de inspirações safadas dentro das publicações.

Assim como Sabrina, Luana frisa que o Algodão Torcido é uma publicação voltada para o público feminino por não ser focada apenas no erotismo, mas também na arte em si escondida nas possibilidades sexuais que carregamos. A ideia de Luana em retratar mulheres submissas sexualmente seja tentar criar um espaço livre de preconceitos, onde a mulher que gosta de BDSM se sinta representada sem preconceitos ou rótulos.

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"O que eu sempre vi é que a representação do BDSM no geral atribui à mulher uma ideia de ser apenas algo para causar prazer ao parceiro, o que eu acho extremamente errado (e quem conhece a prática de BDSM, sabe que não é assim). Quis mostrar que as mulheres que praticam isso ou qualquer outra coisa que agrade a elas, fazem não para ser um objeto de prazer, e sim por prazer próprio! Fazem porque gostam, porque querem."

Outra proposta interessante é do fotógrafo Gianfranco Briceño com o Snaps, uma publicação semestral recheada de fotos de homens nus ou quase nus, erotizando o corpo masculino quase da mesma maneira que o feminino é feito. Podemos dizer que seja um contraponto das centenas e centenas fotos de nudez feminina estampadas no nosso dia-a-dia.

Foto por Gianfranco Briceño.

"A ideia era mostrar esse lado B do meu trabalho, uma publicação livre que mostrasse meninos bonitos (que não fossem modelos profissionais) livres de roupas, livres de vergonha, livres de preconceitos com a nudez masculina, de uma forma natural e bonita", explica o fotógrafo. O Snaps conta com três edições e mais uma quarta a caminho de ser publicado.

Foto por Gianfranco Briceño.

Apesar do contexto homoerótico refinado criado pelo fotógrafo e a proposta diferente de exibir corpos masculinos sem rotulações, Gianfranco afirma que não considera o zine uma publicação erótica. "O órgão sexual não é o foco da publicação, […] mas também prefiro não rotular em que tipo de publicação meu zine se encaixa." O fotógrafo conta que a sua proposta estava em falta no meio da publicações, o que pode explicar o sucesso imediato da publicação, que se esgotou em pouco tempo.

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Embora a proposta de Gianfranco seja muito mais artística, o sucesso imediato do livro revela uma ausência muito grave de publicações destinadas ao mundo LGBTT de uma forma mais chique. "Quando lancei o fanzine, fiz 300 exemplares achando que ia demorar para me desfazer deles, mas a primeira publicação esgotou em três meses. Daí percebi como tinha gente carente atrás desse tipo de publicação", revela.

Assim como Snaps, o zine Emmanuelle, feito em conjunto pela designer Bárbara Malagoli, Lorena Green e o fotógrafo Samuel Esteves, tenta abordar a sexualidade mais como uma provocação, sem nudez e imagens do ato bíblico em si.

As páginas de Emmanuelle parecem uma impressão física do Tumblr misturada com aquela revista safadinha que você lia quando moleque, escondida dos pais. Nada no zine é explícito e proibido de abrir no trabalho, mas explora a insinuação do sexo. É quase como aquele pedacinho de pele que alguém deixa escapar sem querer.

Clique do Samuel Esteves para Emmanuelle.

"Foi uma confissão, uma mistura de sentidos, música, cores e pele. Emmanuelle é uma libertação do óbvio. Usando os gráficos como simbolismos levando a um erotismo mais imaginário", conta Bárbara.

Por fim, para aqueles que acreditam na afirmação da Hilda Hilst sobre o ato de pensar no sexo é mais importante do que as próprias imagens, a NIN – Naked For No Reason talvez ganhe adeptos por querer trazer uma conversa mais "cabeça" para a roda do sexo. Criada por Alice Galeffi e Letícia Gicovate, o destaque da primeira edição está na entrevista inédita com a Cicciolina, eterna musa do pornografia, e vem recheada de textos e fotos. Um modo menos visceral e mais didático de se pensar sobre putaria, digamos assim.

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Uma das páginas da NIN - Naked For No Reason.

A duplicidade do nome da publicação, "pelada sem nenhuma razão", talvez tenha se perdido nas páginas impecavelmente diagramadas da revista que vão no sentido inverso do nome. Nenhuma nudez na NIN é sem razão e, inclusive, muito bem justificada. "É uma grande ironia", explica Alice Galeffi, "achamos que a nudez não deve ser justificada de forma alguma, mas ao mesmo tempo vivemos num país que precisa justifica-la. A nudez no Brasil é esquisita, vivemos essa moral torta".

Uma das páginas da NIN - Naked For No Reason.

"Na NIN a nudez não é justificada, é esmiuçada, " diverte-se Alice. A paixão pelo impresso e o "tesão" pelas revistas foi o ponto que uniu as duas criadoras para começar a colocar a NIN literalmente no papel, que está na sua primeira edição. "Queremos tirar o erotismo desse lugar secreto, obscuro, trazer para fora, mostrar ao mundo, iluminar, provocar. E fazemos isso através da arte."

Com cada vez mais jovens dispostos a se arriscarem no mundo do erotismo, as novas publicações independentes estão apresentando um contraponto interessante à pornografia mainstream, um nicho engessado e em crescente decadência. Educativo ou não, o sangue-novo do universo sexual vem para enriquecer a discussão sobre as inúmeras possibilidades que a sexualidade oferece.