FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Violator

Metaleiro choramingão é de cair o cu da bunda.

Metaleiro choramingão é de cair o cu da bunda. Porra, mamãe tá na roça, papai foi discotecar e nego ainda de mimimi que desde sei lá quando não aparece na cena brasileira uma banda com projeção intergaláctica, que falta apoio das gravadoras, que o público não compreende nada, que buááá! Enfim, toda uma conversa que já deveria ter sido enterrada numa sepultura -- e ainda dava pra fazer mais um monte de trocadilhos imbecis desse tipo, falando que feitiço de xamã nenhum vai trazer esse outrora de volta, nem que Angra inteira exploda… Mas, né, melhor conversar sobre essa situação com os caras do Violator, a banda de thrash metal brasiliense formada em 2002 que já desovou no mundo dois discos (fora EPs, split e DVD), rodou o Brasil, América do Sul, Europa e Japão em turnê e recentemente lançou o primeiro clipe da carreira sem que ninguém do grupo viva de música – pra isso, aliás, dizem estar cagando. Quem respondeu minhas perguntas foi o Pedro Poney, voz e baixo do grupo.

Publicidade

Vice: Pra começar, o básico. Conta um pouco sobre a banda.
Pedro Poney: Então, o Violator é de Brasília e começamos a tocar juntos em 2002. Desde 1999 a gente já ensaiava junto, mas seria desonesto dizer que naquela época a gente sabia tocar nossos instrumentos. Ainda bem que a vontade de fazer barulho era maior do que qualquer precariedade técnica, e a gente foi continuando. A banda surgiu, entre outras coisas, da nossa profunda amizade (que vem desde muito moleques) e da nossa constante insatisfação com a cena da nossa cidade que tínhamos acesso naquela época. A gente pegou o auge do new metal (alguém ainda lembra? Eu gostaria de esquecer) e detestava o fato de tudo aquilo ser feito com um envolvimento tão superficial, comercial e modista. A gente tava atrás de alguma coisa mais sincera e visceral, e encontramos tudo isso em discos empoeirados do Kreator e Whiplash que a gente achava pra vender nuns sebos aqui. Desde então, lá se vão quase dez anos, uma porrada de material lançado aqui e fora, viagens pro Japão, Europa, América Latina, mas no fim das contas somos só quatro amigos que gostam de estar juntos e tocar o mais rápido que a gente consegue. São quatro amigos que gostam de tocar metal do jeito mais rápido que conseguem e produzir contracultura nesse subterrâneo que nada mais é que uma rede internacional de camaradagem.

E sobre o clipe da “Futurephobia” (do EP Annihillation Proccess). É o primeiro videoclipe que vocês gravam?
É o primeiro clipe da gente. O Nicolas [Gomes] já tinha ido em um show da gente (com o Doctor Living Dead da Suécia, aqui em Brasa, 2009) e tirado umas fotos que me deixaram completamente bestificado pela qualidade. Mesmo assim, só tive oportunidade de conhecê-lo quase um ano depois, num rolê do DER (grindcore deselegante de São Paulo) pelo cerrado. Ficamos amigos e ele mesmo se ofereceu pra fazer o vídeo. O cara é um fotógrafo muito talentoso e tá começando a trampar com clipes agora (fica a dica aí pras bandas de rock selvagem). As filmagens foram feitas em dois dias, mas em pouquíssimas horas. Gravamos no estúdio ME em Taguatinga, do nosso brother ED, que emprestou a sala pra gente na faixa. As imagens na rodoviária a gente fez em um dia depois do expediente e num domingo a tarde nas ruas vazias de Brasília, cidade-cemitério. A ideia era fazer algo bem simples e pé no chão, como tudo no Violator. A gente queria imagens da banda tocando num cubículo alternando com imagens do cotidiano frenético no centro da cidade, que mais lembra uma caminhada para um matadouro do que qualquer outra coisa. A gente só passou umas referências pro Nico (clipes do Napalm Death e aquele documentário Koyaanisqatsi) e ele bolou toda aquela edição frenética. Fiquei muito satisfeito com o resultado, acho que passa muito bem o que é a banda sem nenhuma tentativa de criar glamour ou enganação.

Publicidade

Santa Catarina

Eu li uma entrevista do próprio Nicolas falando que vocês nunca tinham feito playback. Como foi isso? Rolou alguma coisa engraçada?
Não especialmente. Quer dizer, você tinha quatro metaleiros se matando em cubículo apertado fingindo que estão tocando. Isso já é engraçado e ridículo o suficiente. O mais difícil é que a gente tá acostumado a tocar as músicas muito mais rápidas do que elas foram gravadas. Mas no fim das contas, deu pra enganar.

Quantos cartazes estão colados na parede no clipe?
Foram 120 cartazes que eu imprimi clandestinamente aqui no trabalho. Acho que entre eles tinha um do Underground Ways, que era um programa que eu fazia numa rádio livre aqui em Brasília. Tirando esse, acho que era tudo cartaz de shows e hardcore americano dos anos 80 e thrash metal da mesma época.

Pará

Sobre a cena. O metal brasileiro está em baixa?
Acho muito complicado falar nesses termos. “Metal Brasileiro”. Porra, que entidade monolítica é essa? Eu nem sei o que isso significa. Dentro desse guarda-chuva enorme aí você vai encontrar um monte de coisa diferente, desde metal melódico barango de capa de revista até uns coroas que só tão interessados em trocar fita K7 das bandas noise mais insuportáveis que você imaginar. E dá pra imaginar o tanto de espectros diferentes que existem no meio disso tudo, né? Eu acho que posso falar da perspectiva do Violator e da movimentação thrash no Brasil na última década. Acho que essa retomada do thrash foi um sopro de espontaneidade, diversão e política, pra quem tava cansado de ir em show pra ver metaleiro desfilando suas últimas aquisições em shampoo ou pra ver campeonato de quem era mais malvado e true. As coisas talvez tenham dado uma esfriada nos últimos dois anos (2006 talvez tenha sido o pico da empolgação thrash, de onde eu consigo ver), mas acho que as coisas vão muito bem sim. É aquela coisa, fazer parte desse subterrâneo em um país como o Brasil é constantemente nadar contra a maré. Muitas vezes pode ser muito difícil e desestimulante, mas se você não se diverte nesse percurso é melhor desistir logo. A cena underground não é um degrau pra você pisar, partir pra próxima e se tornar uma estrela do rock. Não pra gente. Esse buraco é exatamente onde a gente quer estar e produzir.

Publicidade

Acham que ainda vai rolar uma nova época de Sepultura e tal?
Em que sentido? De grandes bandas de metal bancadas por grandes gravadoras? Acredito que não. Acho que a troca livre de músicas pela internet é um caminho sem volta no desmantelamento de todo o aparato que a indústria fonográfica criou pra fazer grana vendendo música. Eu pelo menos espero que seja. E se isso significa que eu nunca vou conseguir viver do Violator e vou ter que trabalhar até morrer num emprego de merda, acho que esse é um preço pequeno a se pagar pra ver todos esses gigantes ruindo. Se bem, que, sei lá, né? O capital sempre dá um jeito de se reinventar e fazer com que a gente continue comprando as mesmas bostas como se fossem novas.

Gostaria de viver numa época desse tipo?
Sinceramente? Não. A gente teve propostas de mega-gravadoras européias de metal e preferimos seguir com o selo menor de um grande amigo nosso daqui da periferia de Brasília, a Kill Again Records. Quando recebemos essas propostas, me senti um pouco como o Fausto, do Goethe, ou o Chapolim no episódio do chirrim-chirriom. E, pelo menos hoje, eu acho que foi a decisão mais acertada se manter no underground e produzindo tudo na base do DIY. É claro que isso significa mais trabalho (as pessoas costumam esquecer o ‘fazer’ no faça-você-mesmo), mas também significa um envolvimento mais profundo com essa que é a grande paixão das nossas vidas. Não estamos terceirizando nada, estamos nos afundando até o pescoço nessa porra toda. E a sensação é ótima.

Publicidade

Alemanha

Mas parece que ainda tem uma galera meio que se sentindo órfã desse passado.
Eu não me sinto órfão de nada. Esse papo de sentir falta de alguma autoridade pra fazer as coisas pra você é cristão demais pro meu gosto. Também não aguento mais responder entrevistas em que as pessoas nos perguntam sobre “a falta de apoio” ao “metal brasileiro” (expressão que você mesmo usou ali). Porra, como assim falta de apoio? O que que essa galera quer? Governo do Estado bancando a gravação da sua banda de death metal ou um grupo de empresários se juntando pra patrocinar o seu festival de splatter gore? Não vai rolar, a gente sabe disso. E o que você vai fazer? Eu não vou ficar choramingando, vou é pegar o que o Black Flag nos ensinou quando subiu a primeira vez naquela van e fazer as coisas a gente mesmo. É pequeno, precário e pra pouca gente? Sim, mas é legal pra caralho! E desse jeito a gente já passou por quase todas as capitais do Brasil (em abril agora a gente risca mais uma, Rio Branco, no Acre), mais de uma vez por uns oito países da América do Sul (uma vez num role de cinco meses de baú por todo o continente), duas vezes pela Europa e uma visitinha ao Japão. Mas a gente não vive da música. Todo mundo tem um trampo regular de segunda a sexta. Só que é aquela coisa, não fazer dinheiro com a música significa também não fazer as coisas por dinheiro, concorda? E pra mim é um alívio, ter pelo menos uma brecha na minha vida que eu posso produzir e me dedicar sem ser guiado por interesse de grana, que no final das contas é o que gira todo o resto do mundo. Uma merda. Além disso tem aquele papo-furado, né? “Encontre alguma coisa que você ama para trabalhar e você não terá que trabalhar nenhum dia mais na sua vida” ou alguma variante babaca do tipo. Pelo menos pra mim isso não funciona. Tocar com o Violator é a coisa que eu mais gosto de fazer no mundo, mas depois de fazer um mês direto de shows na Europa, naquele pique profissional, eu voltei com a sensação mais forte do que nunca que não tenho a menor vontade de transformar Violator em profissão. Acho que o trabalho tem a capacidade devastadora de minar e acabar com qualquer paixão. É cruel.

Publicidade

Alemanha

Mas essa coisa que eu tava falando passa pela cabeça de vocês, digo como uma preocupação?
Claro que passa, o tempo todo. É um assunto recorrente nas nossas conversas. E também na maneira como as pessoas abordam o Violator. Eu sei que muitas pessoas falam isso pra gente porque gostam da banda, mas existe quase uma cobrança pra que a gente “cresça mais”, “estoure”, “viva da banda”, “assine com uma grande gravadora” ou alguma coisa do tipo. Pouca gente parece perceber que a gente está bastante feliz fazendo as coisas do jeito que a gente tá fazendo e que uma banda não precisa ser encarada dessa maneira teleológica assim, sabe? Não precisa ter sempre um patamar a ser alcançado. Eu não vou dizer pra ninguém como viver suas vidas, mas eu é que não vou ficar esperando. Seria mega pretensioso da minha parte querer dar um diagnóstico e uma receita pra cena. Se há uma primeira coisa que eu acho que tem que acabar no metal é esse culto à ídolos, heróis, deuses ou qualquer merda do tipo. Acho que a gente precisa de menos deslumbre e mais envolvimento sincero.

Também tão dizendo que desde 2000 não aparece uma banda brasileira de projeção. Concorda?
Depende de qual a escala de projeção eles tão falando né? Se você pega bandas como o Discarga ou o Social Chaos, os caras já fizeram várias turnês na Europa e são relativamente conhecidos por lá, eu acho. A mesma coisa até pras bandas que não fizeram rolês fora do país, como Bywar ou Farscape. Tudo depende do tão profundo é o buraco que a gente tá falando. Eu geralmente me interesso pelas coisas que tão lá embaixo.

Publicidade

Suíça

O que acham dessa proposta do Thiago Bianchi, do Shaman, de instituir o dia 13 de novembro como o Dia Nacional do Metal?
Eu realmente não consigo entender qual o sentido disso. Mas isso é porque acho que o Violator faz parte de um rolê completamente diferente, radicalmente distinto, do Shaman. Ainda assim, eu apoio se for pra ser ponto facultativo no meu trabalho.

Segundo a Wikipédia, esse é o mesmo dia do aniversário da Whoopi Goldberg. Dá pra competir?
Você esqueceu de dizer que é o dia da conclusão do rifle HK-47 e da vitória inglesa sobre a França na primeira copa do mundo de Rugby.

Bélgica

Quais os planos da Violator para o futuro -- novos clipes, turnês, shows?
A gente tem uns shows marcados com o DRI e o Hirax aqui no Brasil. Tem também viagens pro México e Peru. Se tudo der certo, faremos uma tour pela América Central pra tocar nuns shows legais e pegar uma praia no Caribe, além de gravar material novo ano que vem nas Europa. Mas no fim das contas, o importante mesmo é continuar tocando, produzindo e se divertindo. As nossas pretensões com a banda são cada vez mais simples.

Ok. Fora isso vocês estão bem? Se alimentando bem, estudando, usando camisinha…?
Tem certeza que essa pergunta não era pro Restart ou pra alguma banda hipster que você vai entrevistar não?

Bélgica

ENTREVISTA POR BRUNO B. SORAGGI VICE BR
FOTOS (DE TURNÊS DO VIOLATOR PELA EUROPA): CORTESIA