Primavera Sound - Dia 1 - Viajámos por Compton, Bahia e Los Angeles

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Música

Primavera Sound - Dia 1 - Viajámos por Compton, Bahia e Los Angeles

Ainda há mais dois dias de Primavera pela frente.

Santa Apolónia, três e meia da tarde. Por entre os usuais turistas com guia de viagem na mão e as pessoas para quem a viagem Lisboa-Porto é já algo que faz parte da rotina, neste comboio praticamente cheio encontramos um género muito próprio de viajantes. Envergam t-shirts da banda favorita, falam do Kendrick Lamar, dos Slint ou dos Pixies, levam alguns sacos com a comida que os vão alimentar durante os próximos dias. Tudo isto tem uma explicação simples: são lisboetas (e não só) a caminho do Primavera Sound. Também o meu festival começou assim, numa viagem pelos carris passada entre jogos emulados no portátil de onde escrevo (curti bué o

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Elite Soccer para a SNES e venci um Grand Prix no Mario Kart 64). Entretanto adormeci, e ao som de A Flock of Seagulls (obrigado, shuffle do iPod) chegava ao Porto. Recebido por um tímido sol, apressei-me para o Parque da Cidade, pronto a disfrutar do primeiro dia de Primavera. É difícil comparar a edição portuense do Primavera Sound com outros festivais nacionais, seja sob que prisma for. Aqui não temos brindes, trampolins, palhaços ou sequer que esperar seis horas para ver um artista minimamente decente em palco. É certo que as dimensões são reduzidas — falamos de 20, 30 mil pessoas na assistência diária, mas ainda assim não nos podemos deixar de nos sentir à vontade. Cheguei ao recinto quando a Sky Ferreira, um dos novos e badalados nomes da pop que no ano passado, subiu ao palco. Bastante mais vestida do que na capa de Night Time, My Time — parecia até aquela filha adolescente que passa por uma fase rebelde onde só traja de preto —, morenae acompanhada de um quarteto com um visual bastante rockeiro, apresentou as canções do disco e do EP, arrancando reacções mais entusiasmadas em canções como "Boysou "I Blame Myself". Foi competente, proporcionou um bom aquecimento para quem tinha acabado de chegar, mas não deslumbrou por aí além. Ensaiou um tímido e engasgado "obrigado" algures no discurso mas, 'pá: és luso-descendente e tens "Ferreira" no nome — se é para falar português, não espero menos do que umas estrofes d'Os Lusíadas. "A bossa nova é foda"— e não somos nós que o dizemos. No palco principal, poucos minutos depois, Caetano Veloso iniciava com essa canção o concerto em que viria a apresentar pouco mais de 20 temas, e onde Abraçaço, disco de 2012, foi o mais representado. Passando por diversos registos — alguns mais harmoniosos, outros mais elétricos, tropicais, e até sambados — o baiano não desiludiu quem ali estaria para o ver, puxando pela audiência em diversas ocasiões, e ainda que com o obstáculo das novas canções, desconhecidas por grande parte dos presentes. Deitou-se e rebolou em palco, percorreu-o em toda a extensão e, como não poderia deixar de ser, arrancou coros do público em diversas canções, sendo o principal exemplo a muito-aguardada O Leãozinho. Num encore, revisitou Nine Out of Ten do clássico Transa e encerrou o set com A Luz de Tieta, sob aplausos da audiência. As Haim são as irmãs Alana, Danielle e Este, a quem se aliam um baterista e um teclista — apesar de tudo, sozinhas não dariam conta do recado — e juntas trazem-nos um híbrido de pop, rock, R'n'B e até de umas sonoridades à Michael Jackson circa Off the Wall. A seu favor têm o facto de, mais vezes do que o contrário, isso acabar por resultar: basta ouvir a óptima "If I Could Change Your Mind" para automaticamente os nossos pés ganharem vida própria. Nesta primeira passagem por terras lusas fizeram o concerto expectável: apresentaram grande parte do disco de estreia Days Are Gone (pelas minhas contas, só uma canção do álbum ficou de fora) e a Oh Well de Fleetwood Mac em jeito de jam (ou não fosse a banda assumida como uma das principais inspirações), sendo recebidas com grande entusiasmo por quem ali as ouviu (na fila da frente, algumas fãs até envergavam máscaras com as caretas de Este em palco). Mostraram garra e parecem divertir-se imenso em palco, o que só pode significar uma data de coisas boas. Confessaram-se ainda adeptas de ass shaking — e nós também, pelo menos a julgar pelo olhar embasbacado de muitos homens e mulheres perante o hipnotizante movimento de ancas de Alana Haim enquanto esta se ocupava das percussões. Já agora: Alana, se estiveres a ler isto, casa-te comigo por favor. Arrisco a dizer que o Kendrick Lamar terá sido o nome desta edição do Primavera Sound em Portugal que mais bilhetes vendeu por sua conta. Isto é corroborado não só pela afluência verificada durante esse concerto, bem como pelo entusiasmo e quantidade de fãs acérrimos que em praticamente todas as canções não se cansaram de acompanhar o rapper. Mas vamos ao que interessa: Kendrick Lamar é já um dos grandes nomes do hip-hop e good kid, m.A.A.d city foi um dos melhores discos de 2012. No Porto, acompanhado de um quarteto poderosíssimo nos instrumentos (guitarra, baixo, bateria e teclas, algo que nem sempre é comum nos concertos de hip-hop), confirmou o seu estatuto e controlou o público como quis, nunca o deixando cair na apatia ou adormecimento. Dono de um flow invejável e com toda a confiança do mundo nos seus ombros, obteve em Swimming Pools (Drank) — um dos melhores malhões de hip-hop dos últimos anos, aliás —, Sing About Me e Backseat Freestyle os maiores coros e aplausos, havendo ainda lugar a um excerto da Hail Mary de Tupac Shakur. Regressou para um encore final, encerrando aquele que foi o melhor concerto da noite inagural de Primavera Sound no Porto, e prometeu que voltaria cá. E ainda bem. Pelas duas da manhã — hora em que já se vislumbravam bastantes casos de ebriedade por esse relvado fora — subiam a palco os Jagwar Ma perante uma plateia já mais reduzida mas, ainda assim, composta. Apresentaram o seu indietrónico psicadélico — juntamente com Stella Mozgawa, baterista das Warpaint, na metade final do concerto — que me foi absolutamente indiferente. No entanto, até desencadearam movimentos dançantes em vários corpos e cânticos em canções como Let Her Go, acompanhados de muitas demonstrações de afecto entre casais apaixonados, por isso se calhar sou eu que estou a ser o carrancudo do costume. Sob o efeito de ácidos certamente que o concerto de Jagwar Ma renderia muito mais, mas há que evitar essas cowboiadas por enquanto. Não nos esqueçamos que ainda há mais dois dias de Primavera pela frente.

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