O rap de João Tamura é feito da urgência do presente
Foto principal por Sara Azedo

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Música

O rap de João Tamura é feito da urgência do presente

"Quero poder fazer música, porque gosto, porque sinto música e porque quero fazer. Não por dinheiro. Isso nunca me moveu".

Já o mês de Novembro corria para os seus últimos dias, quando combinei um encontro com o rapper lisboeta João Tamura. Numa típica tarde de Inverno, com a chuva a marcar o ritmo da conversa, algumas questões surgem de forma natural: Será que, hoje em dia, o Youtube condiciona totalmente o potencial crescimento de um jovem artista e pode mesmo ditar o fim prematuro de quem ambiciona uma carreira na indústria musical?", "Serão os números de visualizações assim tão importantes nos dias de hoje para uma carreira bem sucedida?".

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Estes são alguns dos pontos cruciais que debatemos numa longa discussão sem guião, com o artista de 23 anos, que, ao contrário da maioria dos seus contemporâneos, prefere não se identificar por qualquer "nickname" e escolheu assinar com o seu próprio nome.

Tamura é, pois, um dos muitos artistas que parecem movimentar-se entre os pingos da chuva, mantendo-se muitas vezes incógnitos, não só para quem consome rap português, mas para toda a indústria musical.

Foto por Francisco Gomes

Origamis (2009), Estórias Dembalar (2011) e Hokkaido (2016). Três projectos teus, três EPs. Porquê tanta demora no lançamento deste último?

O Estórias Dembalar foi lançado num momento de transição da minha vida, numa altura em que tinha bastante tempo em mãos, chegava a casa e podia dedicar-me à minha arte, fosse a escrever ou a gravar. No entanto, devido às voltas que a vida dá, tempo foi algo que fui tendo cada vez menos. Por isso, optei por fazer uma pausa nos projectos de longa-duração e dedicar-me a canções soltas.

Sinto que o que escrevo tem um prazo de validade. Tal como os sentimentos… têm uma duração. Eu escrevo uma canção, com aquilo que sinto hoje, com aquilo que senti ontem, com aquilo que vou sentir amanhã. Muito provavelmente não será aquilo que vou sentir daqui a um ano. Por isso, acho que não ia conseguir deixar uma canção na gaveta durante o processo de gravar um EP ou um álbum para lançá-lo depois, quando posso, até, já nem me identificar com o resultado.

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Hokkaido, editado em Abril deste ano, é um EP em co-autoria com Holly. Como surgiu essa ligação?

Quando conheci pessoalmente o Holly ainda não conhecia o trabalho dele, mas a ligação que temos agora é algo que foi crescendo fruto da convivência e posso dizer que, hoje em dia, é dos meus melhores amigos e isso reflecte-se, como é óbvio, na música que fazemos.

Hokkaido acaba por surgir, tempos depois, como uma celebração da nossa amizade através desta arte. O desafio foi pegar na criatividade dele e criar uma coisa só nossa. Admiro imenso o seu trabalho e é um orgulho enorme poder colaborar e criar música com ele. Parece que existe uma certa facilidade em criarmos algo. É o meu produtor de eleição.

"Brightly Night" é uma faixa extraída do álbum VIVIFICAT, do produtor Sensei D, divulgado recentemente em exclusivo pela Antena 3 e em que colaboras, juntamente com Nerve e Noiserv. Sentes que este lançamento pode abrir-te novas portas?

Para já, abriu-me a porta de poder trabalhar com três pessoas que sempre idolatrei desde miúdo. A partir do momento em que cresci a ouvir Nerve, Sensei D e Noiserv, ter feito isto é algo de que não me vou esquecer tão cedo. Orgulho-me muito do trabalho pelo seu todo, a música e o video estão brutais e o simples facto de ter feito parte de VIVIFICAT deixa-me mesmo cheio de orgulho e não me canso de o dizer. Mas lá está, não posso falar do futuro… pode parecer cliché, mas não sei como vai ser o dia de amanhã.

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Por falar em futuro, tencionas vir a gravar um álbum?

Sinceramente não sei. Tudo o que gravo é no meu quarto, mas quando se fala em gravar um álbum, sinto que isso tem outro significado, merece outra importância a que, infelizmente, para já, não consigo fazer frente com o meu material. Se quero gravar um álbum no meu quarto? Acho que não.

Com as condições que tenho hoje em dia e com as quais faço música, prefiro gravar canções soltas - como eu sinto, quando eu sinto - e lançá-las naquele momento que acho que é o seu período de existência e de vida. Vejo um álbum como um projecto muito mais longo, que tem um coração diferente, que bate de maneira diferente. Enquanto uma canção solta tu escreves hoje, gravas amanhã, lanças daqui a uma semana e aquilo faz todo o sentido para ti. Um álbum já não, é algo que demora tempo, é como se fosse um livro que, pouco a pouco, vais criando. Se as condições mudassem, se tivesse acesso a estúdios, a técnicos de som, a produtores, aí sim ia poder dedicar muito mais tempo à música.

Sendo assim, achas que as condições em que gravas, influenciam a tua credibilidade? Achas que estás em desvantagem em relação ao resto da indústria musical?

A questão é que não precisas de condições soberbas para fazer boa música. Eu sei que as minhas canções não soam tão clean como eu queria que soassem, mas acho que isso não é um tiro no pé. Existem músicas que são gravadas com o telemóvel e, se calhar, têm um milhão de visualizações no Youtube. Simplesmente não tive a sorte de ter algo que se tornasse viral, acho que é uma questão de sorte ou, talvez, destino e pode nem estar destinado a acontecer.

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Tenho coisas super boas na minha vida; tenho uma namorada que amo, vivo em condições que, provavelmente, há oito anos não imaginaria serem possíveis… Só que, se calhar, na música isso não está destinado a acontecer e olha…é a vida… não vou culpar ninguém. Talvez haja poucas pessoas que me querem ouvir, ou ouvir o que tenho para dizer, mas, para os que querem saber da minha música, vou continuar a trabalhar com afinco.

Foto por Pedro Gonçalves

Sinto que existe uma influência directa da literatura na música que fazes. Concordas?

Sempre quis ser escritor. Mas sinto que não tenho fôlego suficiente para escrever um romance, ou para escrever um livro de memórias, por exemplo. Por isso, escrevo pequenas partes de mim, umas vezes adaptadas para poemas, outras vezes em música.

Quer dizer que escrever já era algo que fazias antes da música?

Sempre li bastante e sempre tive um fascínio enorme pela literatura em geral e, como sabes, trabalho numa livraria (risos). Por isso acho que a literatura é uma ponte que eu faço na minha música. Escrevo consoante a necessidade, posso passar três meses sem escrever e um dia acordo com uma vontade gigante de o fazer, nem que seja porque tenho em vista lançar futuramente uma canção.

Existindo a possibilidade de assinares por uma major, seria do teu agrado?

Sinceramente acho que não iria corresponder ao padrão que eles procuram. Eu, por exemplo, não respondo a 90 por cento dos convites que recebo para concertos, porque, simplesmente, não tenho paciência para me deslocar 500 quilómetros por x valor, para tocar para pessoas que, se calhar, nem me querem ouvir.

Quero poder fazer música, porque gosto, porque sinto música e porque quero fazer. Não por dinheiro. Isso nunca me moveu. Sinto que se fizesse parte de uma label, teria que, em parte, banalizar a minha arte. Não quero tocar para ninguém que não me queira ouvir. Já me senti mal só por acabar um concerto e perceber que ninguém se interessou pela minha prestação. Acho que iria preferir, por exemplo, tocar numa sala para 20 pessoas, com a diferença que estavam ali única e exclusivamente para me ouvir. Isso para mim é tudo.

Sempre disse que tudo o que bate, bate por pouco tempo e os teus 15 minutos, muitas vezes deixam de ser 15 minutos, são 10 ou às vezes cinco. Eu prefiro aproveitar os meus dois minutos e usá-los à minha maneira a fazer as coisas como eu quero, do modo que eu desejo.