mc zoio de gato
Foto: reprodução do YouTube

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Demorô, fechô: uma década sem MC Zóio de Gato

O muleke doido foi um dos pioneiros do funk paulistano que hoje conhecemos como Funk Ostentação e morreu tragicamente num acidente de carro em 2009.

Dener Antonio Sena da Silva, conhecido nas quebradas como Zóio de Gato e um dos primeiros expoentes de repercussão superlativa do funk paulistano, morreu na madrugada do dia 9 de abril de 2009, por volta das cinco da manhã, vítima de um acidente de carro. Com ele, estavam o motorista do veículo e mais uma garota, no banco de trás. À época com 16 anos, o autor do famoso proibidão "1º Comando" e idealizador do Bonde da VN, voltava para casa, no bairro de Vila Natal, região do Grajaú, zona sul de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Ele tinha acabado de fazer uma apresentação no clube Maria Mariah, à beira da represa do Guarapiranga. Esse vídeo foi gravado durante um de seus últimos shows por lá:

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"1º Comando" , a faixa que rendeu fama ao Zóio, ou melhor, Zói, como ele mesmo se apresentava, fala do Primeiro Comando da Capital, o PCC. "O bagulho aqui tá loko, Zói de Gato eu vou dizer / Não tem segundo nem terceiro, a facção é o PCC / E os irmão já tão bolado, sem neurose eu vou falar / Que hoje tem reunião, tá marcada na pracinha", diz um trecho da letra. O Zói era um ícone enquanto esteve na ativa, e agora é uma lenda das ruas e vielas. Seu nome ficará gravado para sempre na história do funk de São Paulo. Justamente porque ele foi um dos primeiros e mais proeminentes MCs do início do processo de paulistanização do funk carioca, que já pegava forte na Baixada Santista.

Até então, o funk, que estava se popularizando e conquistando espaço até mesmo nas baladas de playboy tipo a extinta Lov.E, era disseminado na capital com shows de artistas e DJs vindos do Rio de Janeiro e da Baixada Santista. Daí apareceu a geração do Zói, assinalando o auge do proibidão, cavando um espaço para a galera local tocar e começar a agilizar seus próprios sons e festas. O ano de sua morte marcou a fase em que as quebradas de São Paulo começaram a produção de funk autoral. Tanto, que correu forte até uma certa indisposição entre o pessoal do funk e do hip hop na época, já que o rap enfrentou algumas dificuldades para conseguir datas nas casas noturnas do circuito, com os promotores interessados em explorar a demanda de público crescente pelas atrações do funk na programação.

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As festas logo saíram das quebradas e aportaram nos points de black music, desembocando no esquemão comercial, e chegavam a atrair cerca de três mil pessoas numa boa. Estou falando de picos como o Galpão Night e Fênix (extremo sul), Expresso Brasil (ZL), Cabral (Tatuapé), Arena Beer (ZN), Black Bom Bom (Vila Madalena) e até o Santa Aldeia, na improvável Vila Olímpia. "Outros nomes ajudaram na definição da identidade do funk paulistano e abriram a brecha para que mais tarde essa expressão saísse das pracinhas e das quermesses da periferia, extrapolando o esquema de divulgação que rolava basicamente via YouTube e pavimentando o caminho que o Funk Ostentação viria a trilhar", confirma o produtor cultural Renato Barreiros, diretor do documentário No Fluxo, que retrata os bailes de rua da periferia e os MCs que atraem público a essas festas: "Eram poucos, além do Zói, mas vale citar o MC Lello, que morreu de câncer em novembro do ano passado, Back D, Bio G3 e Jé Bolado".

A jornalista Tatiana Ivanovici, do site Do Lado de Cá, foi quem noticiou a morte do Zóio de Gato. À época, ela tinha acabado de acompanhar o menino num rolê para uma pauta abrangente sobre a ascensão do funk em São Paulo. Quando a matéria foi publicada, o Zói já estava morto. "Fui a primeira pessoa a ficar sabendo", conta ela, "eu lembro que nem estava em São Paulo, tava trabalhando em alguma favela por esse Brasil afora. De madrugada, meu rádio tocou, era o empresário dele me avisando sobre o acidente e me pedindo, em nome da família, pra eu publicar a notícia. Ele não dirigia, era menor, mas foi bem no começo da nova onda dos 'lanças' em São Paulo. Por conta disso, não dá pra gente saber qual era o estado do motorista na situação."

Tati também chama atenção para o fato de que "o Zóio de Gato foi um jovem lançado por um cara mais velho do Grajaú, suas letras falavam principalmente sobre o crime, armas, e não sobre ostentação. Mas essas letras nada mais eram do que um retrato do cotidiano dos jovens de periferia: criminalidade x sociedade x preconceito. Quando o funk chegou aqui, o que bombava era o proibidão criminal, alguns caras do crime investiam e lançavam MCs que rimavam sobre aquele cotidiano. Um pouco depois, quase simultâneamente, começou a bombar o proibidão de putaria, São Paulo abraçou a questão da sacanagem com todas as forças, acho até que mais forte do que no Rio". E conclui: "Com certeza ele foi um dos pioneiros em São Paulo e colocou a Vila Natal no mapa. Essa coisa de falar da sua quebrada, seja na música ou na várzea, gera muita identificação e promove a autoestima de pessoas que até então são 'invisíveis' pra sociedade em geral. É como se elas passassem a existir, sua quebrada passa a ser mencionada, vai gerando orgulho das raízes nas pessoas."

Tudo aconteceu muito rápido para o Zói, que tomou contato com o funk e se tornou uma figura ativa e reconhecida no contexto ao curso de apenas dois anos. Deu tempo do "muleke doido" ficar famoso, conquistar seguidores, e do Bonde da VN virar até uma marca de roupa lucrativa. Outros sucessos do Zóio de Gato, fora "1º Comando", eram "Sou da VN" , "Águas Limpas e Sujas" , "Virou Tudo Taliban" "Eu Não Quero Buxixo" e "Amor, Só de Mãe" . Quando ele morreu, tinha acabado de soltar o single "Moda da Pracinha" . Achamos essa playlist na rede pra quem quiser celebrar sua memória, conhecer ou só matar a saudade:

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