Ilustração por Hunter French; imagem original via Shutterstock.
Pouco antes de Cardi B lançar seu single “Press” em maio, ela revelou a polêmica arte de capa da faixa – uma recriação da infame foto de Aileen Wuornos vestida com um uniforme da cadeia, com as algemas levantadas na frente do pescoço. Wuornos era uma trabalhadora sexual que se apaixonou por uma mulher, e passou uma década no corredor da morte nos EUA depois que um júri a considerou culpada de sete acusações de homicídio em primeiro grau, mesmo com ela afirmando que cometeu esses crimes em legítima defesa. A história lúgubre de uma assassina de homens e trabalhadora sexual causou um frenesi implacável na mídia que perdurou até depois de sua morte por injeção letal em 2002, quando a imprensa chamou Wuornos de “a primeira mulher serial killer”.
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Apesar de o testemunho dela ser contraditório em alguns pontos – ela acabou declarando “sem contestação” para cinco acusações de assassinato – os simpatizantes dela, muitos familiarizados com a violência que trabalhadores sexuais encaram rotineiramente, ainda acreditam na palavra de Wuornos.“Essa mulher foi uma trabalhadora sexual lésbica que matou um cliente que ela achou que estava ameaçando sua vida”, Love disse a VICE. Para Love, a homenagem de Cardi a Wuornos mandou uma mensagem poderosa – especialmente diante da própria experiência da rapper como stripper, muitas vezes encarando ameaças de clientes perigosos. “A Aileen é foda, assim como a Cardi”, disse Love.Essa pode ser a primeira vez que uma artista do alto escalão invoca a imagem de Wuornos como um símbolo de desafio, mas trabalhadores sexuais, lésbicas, feministas, sobreviventes de violência sexual e pessoas cujas identidades cruzam com essas experiências, discretamente veem Wuornos como uma heroína cult e ícone feminista há algum tempo. “Hoje marca os dez anos da morte de Aileen Wuornos, um lindo ser humano que sempre terá um lugar no meu coração por sua força e coragem de viver com a mão de cartas horríveis que a vida lhe entregou, e com situações que estavam completamente fora do seu controle”, dizia uma postagem do blog agora defunto Feminist Rag de 2013, depois postada num fórum de Direitos dos Homens.
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Ainda assim, não há como negar que a história de Wuornos ilumina as estruturas e circunstâncias sociais que podem empurrar as vítimas para uma posição onde sentem que retaliação é a única opção. “É muito fácil para a sociedade pintar mulheres e pessoas oprimidas como vilãs quando elas reagem de maneiras descontroladas, que muitas vezes são violentas, mas é importante observar como o capitalismo, o patriarcado heterossexual e misoginia a colocaram em muitas posições que a transformaram numa assassina”, disse Love. “Ela foi uma vítima de muitas opressões estruturais. O trabalho sexual é um campo sem proteção, que permite que a violência aconteça. Trabalhadores sexuais não podem procurar a polícia, porque a polícia está diretamente ligada à opressão de grupos marginalizados que muitas vezes se intercalam com trabalho sexual: mulheres, pessoas não-brancas, pessoas LGBTQ.”Enquanto relatos de homens poderosos que abusam de mulheres vulneráveis continuam a surgir, é difícil negar que sobreviventes desejam histórias de vingança – histórias onde as vítimas não só sobrevivem ao abuso, mas revidam. “Acho que parte da atração dela pra mim, neste momento cultural, é que Aileen Wuornos foi uma mulher que os homens temeram”, disse Bailey. A memória de Wuornos oferece esperança de que homens horríveis como Jeffrey Epstein, Brett Kavanaugh e incontáveis outros receberão o que merecem. “Uma prostituta assombrando homens em vez de ser assombrada é uma história profundamente reconfortante.”Wuornos se recusou a ser silenciada, e para alguns, ela segue como um ícone, uma santa padroeira dos socialmente e politicamente inconvenientes que se recusam a ser pisoteados. “Ela reagiu quando todas as chances estavam contra ela” disse Love. “Ela disse 'Não desta vez'.”Matéria originalmente publicada na VICE EUA.Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.