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Identidade

O assassinato de uma trabalhadora sexual imigrante está desencadeando protestos pelo mundo

Vanesa Campos foi baleada e morta num parque de Paris em agosto. Agora trabalhadores sexuais do mundo todo estão juntando forças para protestar sobre o fracasso das autoridades em garantir a segurança de mulheres como Campos.

Em 16 de agosto de 2018, Vanesa Campos, uma peruana de 36 anos, foi baleada e morta na floresta de Bois de Boulogne, um parque no oeste de Paris. Vanesa não foi a única trabalhadora sexual, mulher trans ou imigrante a ser atacada e morta em Paris, mas a morte dela gerou uma onda de revolta como poucas vistas antes. A comunidade dela quer justiça.

Pela Europa, 62% de todas as mortes de pessoas trans e de gênero diverso são trabalhadores sexuais, segundo um relatório de 2017 da Transgender Europe (TGEU). Na França, 69% de todas as vítimas trans e de gênero diverso de assassinato são migrantes, geralmente de países da África ou América do Sul. Isso já é um padrão familiar, mas a morte de Campos empurrou as pessoas da revolta para a ação.

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“A Vanesa era muito querida e respeitada por sua comunidade, então há um sentimento forte de injustiça e indignação”, diz Giovanna Rincon, diretora da organização pelos direitos trans Acceptess Transgenres. “Os amigos dela não vão esquecer o que aconteceu.”

A AFP informou que cinco homens estão sendo acusados pela polícia francesa pela morte de Campos. Mas para os ativistas, mais coisas precisam mudar. Hoje, manifestantes do mundo todo vão se reunir para um dia internacional de homenagem para Campos, organizado pelo TGEU, pelo International Commitee on the Rights of Sex Workers in Europe (ICRSE), o sindicato de trabalhadores sexuais franceses STRASS e a Acceptess Transgenre. Em Londres, as pessoas vão se reunir na frente da embaixada francesa carregando rosas brancas, guarda-chuvas vermelhos e bandeiras dos direitos trans. O protesto pede o fim da violência contra pessoas trans, imigrantes e trabalhadores sexuais na França. Manifestações também devem acontecer nas embaixadas francesas em Amsterdã, Berlim, Bogotá, Copenhague, Los Angeles, Sydney, Perth, Oslo, Vancouver e Viena.

“Vanesa era uma pessoa muito doce”, diz Rincon. “Ela era uma boa ouvinte. Depois que o pai dela morreu no Peru, Vanesa assumiu o papel da provedora da família, e estava mandando dinheiro pra casa.”

Às 23h de 16 de agosto, colegas de Campos ouviram a amiga gritando em algum lugar na mata. Em testemunhos publicados pela revista Têtu, trabalhadores sexuais na área disseram ter ouvido Campos gritar “todas!”, um código indicando que ela precisava de ajuda. Várias pessoas correram para ajudá-la, mas tiros foram ouvidos, e quando alguém finalmente chegou até ela, Campos estava ferida mortalmente. Segundo amigos de Campos e uma fonte da polícia, como relatado pela BBC, Campos foi morta enquanto tentava impedir uma gangue de roubar o carro de um cliente.

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Em 24 de agosto, manifestantes marcharam por Paris carregando rosas brancas, com cartazes dizendo “Justiça para Vanesa” e gritando “Assassinato trans, o estado é cúmplice”. Um memorial foi erguido no Bois de Boulogne, onde Campos morreu.

O parque Bois de Boulogne, onde Campos foi assassinada. Foto via Wikipedia.

“Quando estive na floresta algumas semanas atrás para a homenagem, vi como Vanesa e suas amigas estavam tentando tornar o trabalho mais seguro”, diz Rincon. Ela explica que a área e escura e isolada, mas que as mulheres colocaram luzes com bateria, trouxeram garrafas de água e fizeram um abrigo improvisado para ter privacidade com os clientes e evitar serem presas sob as leis de exibicionismo, frequentemente usadas em ofensivas contra trabalhadores sexuais.

“As amigas de Vanesa precisam continuar trabalhando lá, no lugar onde ela foi assassinada”, diz Rincon. “Agora lá é um cemitério comunitário, com velas e pessoas aparecendo para rezar.”

Rincon diz que dois anos atrás, poucos trabalhadores sexuais atuavam no ponto onde Campos foi morta, e quem trabalhava geralmente contava com a segurança relativa de um van. Mas Campos não tinha essa proteção.

Em 2016, o chamado Modelo Nórdico foi introduzido na França. Enquanto a lei descriminalizou solicitar sexo, ela criminalizou a compra de sexo, que pode render multas entre €1.500 (R$ 7.100) e €3.750 (R$ 17 mil).

Quando Campos chegou do Peru em 2016, a lei estava entrando em vigor. Pelos primeiros seis meses, muitos trabalhadores sexuais relataram que o número de clientes caiu drasticamente, significando que muitos tiveram problemas para se sustentar. Dois anos depois, segundo Rincon, Campos estava conseguindo mandar dinheiro para a família, mas tinha que morar num apartamento de um quarto com três amigas.

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Rincon me disse que a nova legislação obrigou os trabalhadores sexuais a se arriscarem duas vezes. Eles precisam proteger os clientes da polícia e de criminosos que sabem que os clientes são alvos fáceis, já que eles não podem dar queixa. Os trabalhadores sexuais precisam encontrar maneiras de ter alguma segurança enquanto evitam a atenção das autoridades.

“A lei é um julgamento moral da sociedade contra trabalhadores sexuais e clientes”, diz Rincon. “Os verdadeiros criminosos – como assaltantes – usam isso. A lei fala sobre 'mandar a mensagem certa' mas não menciona a segurança das pessoas realmente trabalhando na indústria.”

Em abril de 2018, um relatório do Centro Nacional de Pesquisa Científica francês e da Universidade Aix-Marseille descobriu que 63% dos trabalhadores sexuais experimentaram uma deterioração de suas condições de vida, mais isolamento e mais stress, e 42% estão mais vulneráveis a violência como resultado da introdução do Modelo Nórdico.

“Violência, de todos os tipos, aumentou: insultos nas ruas, violência física, violência sexual, roubo, roubo armado no local de trabalho”, conclui o relatório.

Sobre a questão do que eles estão fazendo para manter pessoas como Campos em segurança, um porta-voz da polícia de Paris disse a Broadly que “uma investigação está em andamento”.

Na esteira da morte de Campos, o peso do estigma social ficou claro na cobertura da imprensa da morte dela. Um jornal publicou imagens do corpo de Campos com o nome dela antes da transição. Contra esse estigma, os ativistas estão se juntando para dar a vida de Campos a dignidade que ela merecia.

“A tragédia da morte de Vanesa destaca o clima de terror em que vivem mulheres imigrantes, trans, não-brancas e trabalhadores sexuais sob o estado carcerário”, diz a trabalhadora sexual de Brighton Eva, que vai participar da vigília desta sexta.

“A vida de Vanesa importava”, concorda a trabalhadora sexual de Londres Pearl. (Eva e Pearl pediram para não usarmos seus sobrenomes por questões de privacidade.) “Quando injustiças acontecem com pessoas que o estado colocou em perigo, precisamos nos manifestar por elas. O assassinato de Vanesa é especialmente triste para mim como uma trabalhadora sexual cujo parceiro é trans e imigrante.”

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Tradução do inglês por Marina Schnoor.