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Complexo de Vira-Lata

Porto Alegre. Onde apaixona-se loucamente a cada esquina, dez passos adiantes arruma-se uma amante e muito provavelmente ao chegar na outra esquina ganha-se problemas para o resto de uma vida.

Porto Alegre. Onde apaixona-se loucamente a cada esquina, dez passos adiantes arruma-se uma amante e muito provavelmente ao chegar na outra esquina ganha-se problemas para o resto de uma vida. Terra de gente tri bacana. Suas praças belíssimas, a Cidade Baixa com sua boêmia de primeira, o xis-coração, o pôr do sol lindo à beira do Guaíba, o seu rock de péssima qualidade e suas calçadas recheadas de cocô de cachorro! No curto espaço de tempo que fiquei na cidade, pude sentir na pele (ou no tênis) duas vezes o efeito da população local que não se sente responsável pelas movimentações intestinais de seus amigões do peito.

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Na capital conhecida por sua descolândia esforçada na tarefa de sempre ser a mais freak possível, um dos exemplos locais me respondeu sobre o assunto: “pois é, até o pessoal costuma cagar na rua…”. Fiquei imaginando com que tipo de gente o figura andava. Nos poucos dias na cidade dei sorte e conferi a inaguração do Complexo Master, que fica no bairro Cidade Baixa supracitado e lá dentro fica a Galeria Fita Tape, comandado por Lucas Pexão, e um estúdio de ponta, onde bandas se apresentam e tudo é registrado por um sistema de câmeras e transmitido por dois telões instalados na área do bar e da pista de dança. Enfim: algo legal de se contar para seu vizinho nerd.

Na esperança de encontrar um harém de ninfas, mesmo que escoltadas pelas versões locais de homens bombas islâmicos, dei de cara com uma cena que explicava muito bem o pendor pelo "exotismo" da galera local. Era o início da festa que marcava a abertura do espaço, e clássicos grunges dos anos 90 e poperô de cidade de interior bombavam nos alto falantes (eu já preparava o espírito para um Engenheiros do Hawaii ecoar a qualquer momento das caixas), uns poucos arremedos de hipsters (meio emo, meio descolado da noite paulistana, enfim: original e esquisito), umas poucas gatas e muita gente interessada por arte contemporânea, e eis que surge Trampo, o mais lendário grafiteiro da cidade, guiando um cego pela exposição. "Tem um quadro ali (apontava para determinada obra, o ceguinho na maior felicidade, eu já desconfiava que ele mesmo achava graça da situação), de fulano, é um desenho assim assado etc". E isso por toda a exposição.

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Freak out! Para além do absurdo daquela experiência inovadora de monitoria de arte, o caso diz muito sobre o quão gente fina é o Trampo, um dos caras mais legais da cena artística local. A curadoria do Pexão para a expo buscou a ligação visual entre as obras para além de convenções e categorizações. Em uma mesma sala, era possível ver uma pintura do conceituado Gelson Raedelli e da "estrela" da nova arte urbana brasileira Bruno 9Li. E tudo faziamuito sentido. Eu, virado de uma noite de farra em São Paulo e ressacado, caçava os comes free no ambiente, evitava os bebes e tinha visões com alguma gaúcha querendo comer cacetinho* em casa. Bom… mantendo a seriedade da frase anterior: a liberdade e espírito agregador do erspaço faz com que os trabalhos de gente como Mateus Grimm, Fabio Zimbres, Nina Moraes, Eduardo Haesbaert e Alberto Monteiro, por exemplo, se encontrassem e revelassem um painel rico da arte atual.

Apesar da música que maculava meus pudicos ouvidos sensíveis, o lugar é bem acochegante - descolei um canto para sentar e quase dormir de tão podre - e os banheiros são bem ok, o que faz com que a rapaziada os usem e não resolvam cagar bem no meio da pista, eu acho. Apesar do conforto despojado e nada afetado, próximo ao bar, apinhado de gente, bebida free rolando solto, descobri na prática que se há algo onde os gaúchos se igualam aos paulistanos é na grosseria (pelo menos, lá dentro, não havia cocô de cachorro…). O som é tão bom que parece que a banda está realmente no mesmo espaço que o público. Um jeito curioso de preservar equipamento dos músicos dos bebuns desastrados e, para dar mais uma vez um ar culto ao relato, uma radicalização pós-moderna da separação entre público e artista.

*cacetinho é como os nativos chamam o nosso pão francês e eu preferi não querer saber porque…

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ARTHUR DANTAS