FYI.

This story is over 5 years old.

Noisey

Como o Venom pirateou sem querer sua própria história dentro do black metal

O guitarrista e fundador da banda Jeff “Mantas” Dunn fala abertamente sobre bootlegs, o novo boxset ‘Assault!’ e o bizarro e selvagem legado do Venom.

Matéria originalmente publicada no Noisey US.

Formado no ano de 1978 em Newcastle, na Inglaterra, o Venom deu o pontapé inicial do que viria a ser o black metal: legiões satânicas de ferro e aço, guerreiros revelados, criadores de algumas da mais facilmente reconhecíveis faixas em todo o canône do metal extremo. Eu poderia passar o resto do texto citando letras icônicas e listando todos os feitos até então inéditos do grupo, a importância histórica e todos os louros resultantes da carreira de uma banda que entregava sua alma aos deuses do rock antes de nós sequer pensarmos em existir, mas isso levaria dias, então me basta citar minha caríssima editora, a Srta. Kelly: “Venom? Todo mundo ama o Venom!”.

Publicidade

Atualmente, quando se fala de Venom, na maior parte do tempo discute-se o fato de que há duas versões da banda em atividade: a primeira com seu baixista e urrador original, Conrad “Cronos” Lant, junto do guitarrista John “Rage” Dixon e do baterista Daniel “Danté” Needham, na ativa desde 2007, com Cronos contando com outros músicos de apoio poucos anos antes da formação se estabilizar. A segunda formação, chamada Venom Inc., conta com o baterista e fundador Tony “Abbadon” Bray, ao lado de outro membro da formação original, o guitarrista Jeff “Mantas” Dunn, cuja formação é integrada por Tony “Demolition Man” Dolan, que fez parte do Venom entre 1989 e 1992, durante a fase Prime Evil do grupo. Nesta época foram lançados três discos (Prime Evil, Temples of Ice e The Waste Lands) e um EP (…Tear Your Soul Apart). Ao passo em que as versões lideradas por Cronos lançaram quatro discos ao longo dos anos 00, Abaddon, Mantas e Demolition Man lançaram seu disco de estreia, Avé, via Nuclear Blast, no verão passado. A banda havia se formado em 2015 com a intenção de tocar músicas antigas ao vivo e nada mais.

Dependendo de com quem você fala, as opiniões variam com relação a que Venom é considerado mais autêntico, com longos debates sobre os lançamentos originais da banda e o Venom como um todo passado tanto tempo após o lançamento de At War With Satan em 1984. Mas uma coisa não pode ser ignorada: o Venom tem grande valor nos círculos de colecionadores de discos, o que Dunn reconhece e concorda completamente.

Publicidade

Mantas no ataque / foto cedida por Jeff Dunn

“O Venom é uma banda bastante colecionável, conheço gente do mundo inteiro que tem coleções insanas de material nosso. Eu mesmo olho e considero aquilo uma loucura!”, comentou o guitarrista.

Até o momento, o material lançado oficialmente pelo Venom e Venom Inc. pode muito bem encher uma seção de qualquer loja de discos de respeito, mas vale à pena tentar contar quantos EPs, discos ao vivo e relançamentos não-oficiais surgiram com o passar dos anos, o que é um puta trampo por si só. Por vezes, no caso deo Venom, am linha que separa um material oficial de um bootleg é tênue, pra dizer o mínimo. Dos muitos sites de colecionadores ou dedicados à discografias disponíveis na rede voltados ao gigantesco catálogo da banda, alguns tentaram empreender a hercúlea tarefa de separar o material oficial do não-oficial, sem chegar a resolver toda essa confusão. Eis então o mais novo boxset da banda, Assault! com seis CDs contendo as gravações Assault originais (diferentes versões em vinil também foram disponibilizadas).

Tente me acompanhar aqui: oficialmente apenas três discos da série Assault foram lançados oficialmente pela banda ( Canadian Assault, American Assault e Japanese Assault), mas o novo boxset lançado pela Dissonance Productions acaba por atender aquilo que se conhece como a série completa, incluindo os discos French, Scandinavian e German Assaults. Quer ficar ainda mais confuso? Eu mesmo já vi (e tenho) versões irlandesas, italianas, belgas, holandesas, portuguesas e até mesmo uma gravada no Vaticano (“Eu já vi um Newcastle Assault!”, gargalha Dunn, ele mesmo nativo de Newcastle. “De onde veio essa porra?”). E a coisa só vai ficando mais torta, porque o próprio guitarrista não sabia do relançamento quando o ligamos para bater um papo, direto de sua casa em Portugal.

Publicidade

“Eu descobri porque vi um anúncio – até então nem sabia que ia rolar. Até onde sei, os direitos são da Universal/Sanctuary”, resume, quando questionado sobre o que sabe ou não sobre Assault I. “Mas eu vi que vai sair pela Dissonance, do mesmo cara da Plastic Head Distribution. Deve ter alguma coisa com a Universal/Sanctuary e Cronos, quem sabe, mas eu mesmo acho bacana pra quem perdeu esse material quando saiu, mas quantas vezes pode-se relançar coisas e tirar grana dos fãs? Não sei. Digo, é legal ter material meu saindo aí, não nego. Foi o mesmo que rolou com Judas Priest, KISS e Gary Moore na minha época, eu comprava tudo que saía. Quando estamos na estrada, autografo todos os Assaults oficiais, além de outros que foram claramente pirateados; o que me trouxerem sempre autografo, mas não fazia ideia de que a série estava sendo relançada”.

Compreendendo o período de 1985 a 1987, a Assault era, como descrita por Dunn, “lançadas originalmente como colecionáveis para os territórios pelos quais passávamos em turnê, a ideia era celebrar os países por qual passávamos”. Essencialmente, após encerrarem a tour em um país, a banda se aproveitava dos canais de distribuição escassos dos primórdios do metal underground dos anos 80 para reunir materiais de diversos EPs lançados na Inglaterra, disponibilizando-os em outros países a preços mais em conta.

“Era essa a ideia, de dizer que passamos por ali e deixávamos algo de exclusivo para o pessoal lá, talvez algo que nunca tivessem ouvido antes”, explicou. “No início, tínhamos faixas como ‘Bloodlust’, ‘Die Hard’, ‘Seven Gates of Hell’, ‘Manitou’ e ‘Warhead’, singles que nunca haviam saído em álbuns. Naquela época, sempre que uma banda gravava um disco, também lançavam singles e lados B, coisas que poderiam estar no disco de qualquer forma. Logo, você teria dez faixas em um disco e duas você já teria antes. Foi aí que pensamos em separar singles e lados-B, produzíamos muito na época, então gravávamos tudo o que podíamos. Há poucas ideias que não acabamos gravando e caso não entrassem em um disco ou EP, acabava saindo tudo em coletâneas ou algo do tipo. Era essa a intenção da série Assault, lançar material mais obscuro, o que torna tudo mais viável, agora relançar diferentes versões da mesma coisa, isso aí eu já não sei”.

Publicidade

Algumas edições da série Assault ficaram muito populares: ao reunir faixas de lançamentos obscuros e gravações ao vivo, era como um maná caindo dos céus para os headbangers de países em que apresentações do Venom eram raras ou não tão abrangentes (eles tocaram no Japão, mas qualquer cabeludo de lá te diria que existem outras cidades além de Tóquio e Osaka). Em certos casos, o distribuidor que licenciava o material fazia um trabalho excelente de divulgação, caso dos canadenses da Banzai, que muitas vezes facilitava para os fãs encontrarem seu Canadian Assault em vez dos dois primeiros discos do Venom, Welcome to Hell e Black Metal, de 1981 e 1982, respectivamente. O resultado disso era a banda aumentando suas vendas de forma que o mini-LP chegava a disco de ouro, eclipsando as 50.000 unidades dos outros discos vendidos no país.

“Ouvi essa conversa também, mas acaba que você nunca tem com comprovar”, lamenta Dunn. “Naquela época, nunca recebemos nenhuma declaração de royalties oficial ou aqueles discos dourados. Caso tivéssemos, seria como uma declaração das vendas, certo? Ouvi que rolaram, mas foi só isso mesmo".

“É frustrante quando se para pra pensar em quem está fazendo isso”, comenta, retomando o assunto de lançamentos não-autorizados. “Você acaba sendo vítima d esua própria popularidade. Lembro de ler uma entrevista com Gene Simmons anos atrás onde lhe questionavam quanto a bootlegs e ele dizia ‘se ninguém está te pirateando, então ninguém liga pra você’, o que acredito ser verdade”.

Publicidade

Lidar com bootlegs e tentar ficar ligado em tudo que está sendo lançado pode tanto ser frustrante quanto lisonjeiro, mas Dunn também compreende o que se passa na mente de grandes fãs que por acaso sào colecionadores de discos. Podem ter se passado quase 40 anos, mas ele lembra de estar do outro lado, até chegando a comentar que “todos vocês aí fãs de uma banda, não me digam que não tem um bootleg na sua coleção!”.

“Antigamente, o Venom costumava ensaiar em Newcastle Quayside. Todo domingo pela manhã nós pegávamos nossas coisas e íamos pra lá e tinha esse cara com uma coleção gigantesca, tudo bootleg”, comenta. “Lembro de comprar o Destroyer Anaheim, um bootleg do Kiss. Alguns dos melhores materiais que já vimos do Venom vieram do Vietnã, obviamente sem autorização alguma. Tem quem se esforce mesmo para lançar o melhor produto possível, o problema é que isso pode afetar a renda da banda, um sintoma da situação em que estamos envolvidos e temos que aceitar enquanto artistas, que acontece há tempos e é quase impossível de se impedir. Ainda assim, é lisonjeiro ser colecionável e requisitado desse jeito”.

“Pelo que vi, parece um excelente boxset, mas acho que nunca receberei um”, comenta sobre Assault I aos risos. “Você nunca ganha nada como artista, eu nem mesmo tenho os discos originais. Acho que tenho a capa do Canadian Assault e só. Eu estava mais focado em compôr naquela época do que tudo que rolava no entorno”.

Dunn aceitou o fato de que enquanto existirem Venom e/ou Venom Inc. – e até mesmo depois das bandas acabarem – vai ter gente por aí criando novas adições às suas discografias, ainda mais considerando a facilidade e rapidez possibilitada pela tecnologia na hora de criar estes lançamentos. O guitarrista comenta que há alguns dias, Dolan havia lhe enviado fotos das capas de bootlegs que encontrou e que aparentemente haviam sido gravados na última turnê do Venom Inc.

“Mesmo com o Venom Inc. acabamos nos deparando com bootlegs de shows e alguns são de muita qualidade!”, conta, rindo.

“Sabe, hoje em dia com a carreira de 35-40 anos do Venom, não há muito mais a se fazer ou lançar”, conclui Dunn. “Na verdade, a única coisa que não se ouviu foi uma fita velha que tenho de 1979 da gente ensaiando em um salão de igreja na zona oeste de Newcastle, com o vocalista original, Clive Archer e pelo que lembro tocamos ‘Angel Dust’, ‘Raise the Dead’, ‘Red Light Fever’ e ‘Buried Alive’. Gravei tudo com o toca-fitas do meu pai, daqueles que você só apertava um botão e pronto. A fita tem quase 40 anos, mas ainda dá pra entender o som e ninguém nunca ouviu esse material, além do que, creio que só eu tenho uma cópia disso. Não sei se agora dei oportunidade pra galera começar a pedir por esse material, porém!”.

Kevin Stewart-Panko não está no Twitter e todos nós deveríamos seguir seu exemplo.