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Entretenimento

Bem-Vindo à Oogleville

De todos os subgêneros do punk, o mais universalmente vilipendiado, justamente porque é o mais incompreendido, é o crust.

De todos os subgêneros do punk, o mais universalmente vilipendiado, justamente porque é o mais incompreendido, é o crust. Esse desenvolvimento relativamente moderno se relaciona mais esteticamente com o movimento Peace Punk do final dos 70, começo dos 80, mas pode-se rastrear sua genealogia filosófica até os mendigos do meio do século XVII. Você já topou com esses caras porque eles estão em toda cidade e, aparentemente, principalmente nas cidades universitárias. Claro, nem todo crust — e eu estou usando esse termo com muita elasticidade aqui — viaja, e mesmo os que viajam sempre param por um tempo. Como qualquer sociedade eles estão unidos por um senso muito amplo de identidade e valores, mas também por viver entre o desespero e o privilégio, educação e ignorância, gente extremamente qualificada e totalmente inútil, babacas completos e pessoas muito legais. E agora eles têm uma casa digital só pra eles.

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Conheci DJ Pommerville cerca de um ano atrás, quando ele arrumava suas coisas pra deixar Athens na Geórgia. Ele estava na cidade há três anos naquela época e cantava na banda de hardcore Gripe. Esse foi o período mais longo que ele ficou em um lugar só desde que pegou a estrada na zona rural da costa californiana anos atrás. Enquanto esteve temporariamente instalado lá, ele começou o Look At This Fucking Oogle — uma brincadeira óbvia com um Tumblr de nome similar — como uma piada mesmo. Umas 150 páginas de fotos depois, a brincadeira não perdeu a graça, mas a abordagem desse estilo de vida louco também se tornou igualmente uma página social, de classificados e de obituários. O site está cheio de piadas internas e alertas de pessoas desaparecidas, tributos e tretas, avisos e boas-vindas. É a Tulsa de Larry Clark renascida via autodocumentação e participação do público. E é enorme. Adesivos do LATFO começam a aparecer por toda parte nos Estados Unidos (veja as inúmeras fotos no site) e ninguém parece mais impressionado com isso que o próprio Pommerville. Falei com ele por telefone, lá da Filadélfia, Pensilvânia, onde ele está atualmente, cozinhando pra viver e morando numa ocupação local. O Pommerville foi muito simpático e acolhedor enquanto eu mergulhava na sua cabeça pra entender essa coisa toda. A conversa foi hilária e muito triste ao mesmo tempo. Sejam bem-vindos à Oogleville!

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VICE: Como surgiu o termo “oogle”? Pelo que eu entendi é um insulto que também pode ser usado como termo carinhoso.
DJ Pommerville: Isso, exatamente. Quando eu era criança você só podia usar isso como xingamento. Você nunca chamaria um amigo disso. Você não devia chamar ninguém disso. Se alguém dissesse “Essa pessoa é um puta oogle”, com certeza acabaria em briga. E agora todo mundo fala isso. É quase como “bicha”. Continua sendo um xingamento, mas para muitas pessoas perdeu o significado e virou só mais uma palavra. Acho que simplesmente perdeu o poder. E também porque todo mundo conhece o LATFO agora. Quer dizer, no começo era tipo “Olha Essa Pessoa Que Obviamente É Babaca”, mas agora são os meus amigos, família… Todo mundo está lá. É uma piada hoje em dia.

Cara, o LATFO realmente pegou. É uma coisa inacreditável.
Fico muito surpreso. Começou como uma piada com meus amigos e simplesmente explodiu.

Mas conforme progrediu, o site começou a ter algumas coisas bem sérias. Como memoriais para pessoas falecidas, gente procurando por velhos amigos… Tem um toque pessoal aí. O “Look At This Fucking Hipster” são só fotos anônimas de pessoas sendo idiotas e ninguém sabe quem elas são, mas no LATFO é como se tivesse uma história por trás de cada foto…
Definitivamente é muito mais pessoal. As pessoas perdem o cachorro e pedem: “Posso postar isso aqui?” ou “Minha amiga está desaparecida. Você pode colocar uma foto caso alguém tenha visto ela por aí?”. É meio um serviço pra comunidade, sabe?

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O site realmente se destacou. Quem não é da cena vê esses crusts, esses moleques que viajam clandestinos nos trens de carga, como uns ludistas. É difícil pras pessoas imaginar que eles têm internet ou um iPhone pra tirar fotos, porque parece que eles estão sempre sem grana e que não têm conexões com ninguém. Tenho reparado nisso ultimamente: ainda há garotos em todas as cenas que são privilegiados o suficiente pra ter acesso a uma determinada tecnologia, mas também o alcance dessa tecnologia é tão abrangente que ela está disponível pra todo mundo.
É um pouco das duas coisas. Quer dizer, sim, é muito acessível hoje em dia… Tipo, se você acha um iPhone na rua, você sabe como hackear e pronto, você tem um celular.

O LATFO foi além da piada. As pessoas parecem que dependem disso agora. Elas sabem que se precisarem de ajuda com alguma coisa elas podem ter mandar uma aviso e milhares de pessoas vão ver. Dá pra ter consciência disso logo de cara, mas mesmo assim tem umas oito páginas só de fotos.
Quando começamos, fomos no Google, pegamos cinco fotos de “punks dormindo” ou “punks bêbados” e postamos, mas depois disso são todas fotos mandadas por usuários. Isso me deixa louco. Coloquei as fotos dos meus amigos lá porque gosto de fotografar, mas tem muita gente mandando coisas. Não faço quase nada. Tudo que faço é pegar uma cerveja e “publicar”, “deletar”, “publicar”.

Mesmo assim é importante o seu desejo de continua fazendo a coisa funcionar. Sabe quantos projetos as pessoas começam e deixam pra lá? Mesmo as pessoas que têm uma vida estável! Você está sempre na estrada viajando e consegue levar isso em frente quando não tem nada de estável na sua situação.
Atualizo do meu celular às vezes e não tem internet na ocupação. Arranjei alguns amigos que têm internet. Mas isso é o futuro. Os computadores estão por toda parte. Posso logar de qualquer lugar e atualizar o site. E isso é divertido pra mim também. Estou por trás da cena e vejo todas as fotos e tudo mais [antes delas serem postadas].

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Tem coisas que você não coloca no ar?
Sim. Às vezes me mandam fotos de gente pelada e alguém entra em contato e diz: “Ah, foi o meu namorado [quem tirou a foto]. Você pode retirar do site, por favor?”. E a minha política é a seguinte: se tem alguma coisa ali que você não quer na internet, é só falar que eu tiro. Não sou nenhum filho da puta. Se alguém ver alguma coisa que não quer ali é só me mandar um e-mail que tiro do ar. Mas sim, geralmente é só merda. Às vezes as pessoas me mandam fotos com comentários tipo: “Esse cara é um filho da puta. Ele me roubou…” e eu costumava publicar algumas, mas não faço mais isso porque só sei um lado da história. Pode ter outra dinâmica que ninguém conhece, então não vou falar merda sobre essa pessoa num lugar onde todo mundo pode ver. Geralmente deleto o comentário e só posto a foto, se for engraçada. O LATFO não é pra falar mal das pessoas. É mais pra tirar sarro dos seus amigos.

Onde você cresceu?
Goleta, Califórnia. Fica na costa central da Califórnia.

E a Ebullition Records é de lá, né?
Sim, foi a única coisa legal que Goleta já teve. Goleta é muito pequena, não sei por que, mas tinham muito punks lá quando eu era criança.

Quanto tempo faz que você tá na “cena”? Não necessariamente na cena crust, mas quando você começou a curtir punk?
Quando tinha 15 anos ouvi Dead Kennedys e pensei: “Meu Deus. Que música do céu é essa?”, e isso mudou a minha vida. Gostava de country e hip hop, mas quando ouvi Dead Kennedys tudo isso já era. Minha vida mudou aos 15 anos. Tenho 31 agora.

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Como foi a sua educação? Colégio? Faculdade?
Larguei a escola na 9º série. Fui pra várias escolas diferentes, mas larguei na 9º série [antiga 8º série do ensino fundamental].

Quando você começou a viver como nômade?
Quando tinha 16 anos meus pais me chutaram de casa porque descobriram que eu estava fumando maconha. E eles nunca tinham usado nenhum tipo de droga, então ficaram: “Meu Deus, meu filho é um viciado”. Mas era só maconha. Então eles me mandaram embora. Morei com os meus avós por algum tempo, depois com um tio, depois me mudei pra casa dessa garota e da mãe dela. Aí descobri sobre as viagens. Meu amigo Ian foi até São Francisco e voltou contanto várias histórias sobre viajar no teto dos trens, injetar heroína, zoar com os policiais e tudo mais. Foi tipo: “Nossa, você pode fazer tudo isso?”. Porque eu me achava tipo um mendigo até mudar pra casa do meu tio. Não sabia que havia toda uma comunidade e uma cena de pessoas que só viajavam. Então ele me falou sobre tudo isso e pensei: “Que merda. É isso que eu quero fazer então”. Eu não precisava morar numa casa e trabalhar. Podia viajar e trabalhar só quando quisesse.

Então você está na estrada desde essa época?
Na estrada e fora dela, sim. Passei alguns anos seguidos nas ruas, mas também passei anos seguidos morando em casas.

Quanta experiência você diria que tem em viajar clandestinamente em trens de carga?
Quanta experiência? Bom, comecei com uns 18 anos. Alguém me ensinou como fazer, sabe? Então acho que uns 12, 13 anos. Nunca fui muito bom nisso, mas já fiz muito.

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Acho que as pessoas não têm noção de como isso é perigoso. Não é só o risco físico do trem, mas o risco de lidar com a polícia da ferrovia. Eles não brincam em serviço.
A única coisa que me aconteceu foi eles dizerem: “Dá o fora do meu pátio!”. Quer dizer, se você é um idiota bêbado eles vão te tratar como um merda, mas se você chegar e dizer “Desculpe, senhor. É assim que me locomovo por aí. Pego carona em trens. Com todo respeito”, aí eles só vão por seu nome num mandato e dizem: “Dá o fora do meu pátio”. As histórias ruins que você escuta provavelmente são de pessoas que foram idiotas. Como tudo na vida.

É o que a gente sempre ouve. A polícia ferroviária vai te arrancar do trem, te bater e te mandar pra cadeia.
É, é como tudo na vida. Tem gente babaca em todas as ocupações, de todas as raças, em tudo. Geralmente sou educado com todo mundo, e pela minha experiência eles têm sido legais, então digo “Me desculpe, senhor” e eles dizem “Ok, só não suba nos meus trens”.

OK, posso te falar que tenho um pouco de cagaço de andar nesses trens. Estar num vagão aberto sem chão, isso me assusta pacas.
Isso se chama “viagem suicida” — andar em vagões sem chão — e isso não é recomendado. As pessoas da minha idade, quando pegam carona em um trem, fazem do jeito mais seguro possível, sabe? Se eles vêm que o trem só tem vagões assim eles esperam alguns dias pelo próximo. Isso não importa. Os moleques mais juvenis ficam se gabando: “É, fiz a viagem num vagão sem chão, sentado nas vigas”. Isso é muito idiota. Você não está impressionando ninguém. Isso é só babaquice.

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… E se você cair vai foder com a vida de um monte de gente.
Ah, sim, você arruína o dia de todo mundo que trabalha no trem, e vai parar nos jornais expondo toda a cena…

É como trazer toda essa sociedade à luz sem querer.
É, e esse trem vai ficar quente pra caralho porque alguém morreu nele.

Me fale sobre o documentário que vocês está fazendo.
Bom, desde que me mudei pra cá não tenho filmado muita coisa. Estou planejando viajar nesse verão e filmar mais. Tenho muitas filmagens até agora. O que estou tentando fazer é algo basicamente no estilo documentário, sobre essa coisa das viagens e o que acontece entre elas. Sabe, tipo as piadas sobre a nossa cultura, piadas sobre a cena.

Uma coisa sobre a cena crust, e estou usando esse termo de um jeito bem abrangente, que pra quem é de fora quer dizer “esses moleques que não tomam banho. Eles são sujos, tentam glamurizar o estilo de vida dos vagabundos, comem das latas de lixo… por que eles simplesmente não vão pra casa?”. Quer dizer, tem um pouco disso também, mas o que as pessoas não percebem é que muitos garotos sofrem abusos e fogem de casa para sair de uma situação ruim. Eles pegam a estrada não porque é uma coisa romântica, mas porque precisam dar o fora.
Ah, sim. Exatamente. Tem muita gente privilegiada que viaja, tem muita gente que veio de famílias fodidas e casas horríveis e que viaja porque quer escapar disso. Todos nós fizemos essa escolha de um jeito ou de outro. Não foi uma coisa forçada pra muitas pessoas. Pra outras? Sim, foi uma coisa forçada. Mas na maioria das vezes foi uma decisão nossa. É que… Somos vagabundos. Como os vagabundos do passado. Isso continua. Estamos no futuro e somos vagabundos do futuro. Queremos viajar. Não conseguimos ficar parados. Quer dizer, vou trabalhar. Posso conseguir uma casa por seis meses de cada vez, um ano que seja. O máximo de tempo que fiquei em algum lugar foi em Athens, três anos, porque gostava muito de lá. Mas você viaja, e trabalha. Você se muda. Você vive a vida de um jeito diferente da maior parte da sociedade.

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Mas, às vezes, você está viajando e acaba sozinho, sem um grupo, e só tem a si mesmo.
Sim, às vezes prefiro assim. Você tem tempo pra pensar nas coisas e no que você está fazendo da vida. E quando você está sozinho, consegue guarda um pouco de comida e dinheiro e fica com os quartos de hotéis [ocasionais] só pra você. E por muito tempo tive uma cadela. Por 13 anos nunca fiquei com medo ou me senti sozinho porque tinha minha cachorra. Ela sempre estava lá pra me proteger.

É, muita gente se pergunta “Por que essas pessoas têm sempre um cachorro?”
É, e até aquele cara, o Encantador de Cães, disse que os cachorros mais comportados são aqueles que pertencem aos mendigos, porque eles — o cão e o dono — ficam juntos 24h por dia por anos. Então eles te escutam. E eles viajam juntos. Onde quer que a gente vá, os Estados Unidos são o quintal deles. Eles não sentam em casa e ficam esperando você chegar do trabalho. Eles têm esse laço porque estão sempre junto com o dono. Quer dizer, tem donos ruins nessa cena, como existem donos ruins na vida normal. Já vi viajantes chutando seus cachorros como vi pessoas que moram em casas chutando seus cachorros. É como tudo na vida. Tem gente boa e gente ruim.

Quando você se vê fora de um grupo, viajando sozinho, você sente que o perigo aumenta? Você se sente mais vulnerável?
Nunca senti [antes] por causa do cachorro. Com certeza mais pessoas se aproximam de você quando não se está num bando, crackeiros e gente assim. Talvez gente que queira te foder. Mas minha opinião está comprometida, porque sempre tive minha cachorra. Nunca viajei sem ela até o ano passado, quando ela ficou muito velha pra pegar a estrada. A última vez que viajei foi estranho, porque ela não estava lá. Dormir foi esquisito, porque [antes] podia confiar nela pra latir se alguma coisa se aproximasse. Então sim, me senti vulnerável porque não tinha ninguém pra tomar conta de mim.

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Deve ser uma coisa extenuante depois de um tempo. Sempre ter que dormir com um olho aberto…
Lembro quando era mais novo e dormia nos becos de Los Angeles, tipo West Hollywood, e não dava a mínima porque tinha minha cachorra, mas sem ela, definitivamente preciso encontrar lugares mais isolados pra dormir.

Quando você está viajando e decide parar por alguns dias, você prefere ficar no mato ou na cidade?
Ah, definitivamente prefiro ficar no mato. Curto muito pescar, então muitas vezes vou pra alguma floresta ou bosque onde posso pescar e acampar. Não tenho carro nem barraca. Só uma mochila. Então só me enrolo no chão mesmo e levanto antes que algum policial florestal apareça, assim não preciso pagar pra acampar nem nada assim. Amo a natureza, então com certeza prefiro assim.

Achei mesmo que você ia dizer isso. As cidades vêm com sua própria coleção de encrencas.
Ah, sim, novas leis. Em alguns lugares você não pode [nem] levantar um pedaço de papelão [nas ruas]. Então você tem que lidar com toda essa merda.

Acho que não se pode nem sentar na calçada em São Francisco, certo? (Nota: É proibido das 7h às 23h).
Meu Deus, acho que não é mais permitido. A gente costumava ter umas sete pessoas sentadas em volta de um pedação de papelão, escondendo o goró atrás dele [em São Francisco]. A gente podia — fui viciado por muito tempo, estou limpo há seis anos agora — simplesmente dar a volta no quarteirão e tomar um pico em São Francisco. Fomos pegos num banheiro de um parque uma vez, nos picando. Um policial chegou e perguntou: “O que vocês estão fazendo, porra? Tá cheio de becos escuros por aí, vão achar um desses”. Ouvi dizer que eles fizeram uma limpeza em São Francisco e se livraram de vários mendigos e sem-teto. Houve uma epidemia de metanfetamina, eles ficaram putos e se livraram de um monte de gente. Sei que em Seattle você não pode sentar na calçada. É assim lá já há muito tempo. Mais de uma década pelo que eu sei. (Nota: a lei proíbe se sentar ou se deitar nas calçadas públicas no centro de Seattle das 7h às 21h e foi aprovada em 1993.)

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Isso é verdade sobre Seattle. Quando estive lá, dois garotos viajantes me abordaram pra pedir comida e me disseram que os policiais já tinham perturbado eles por se sentar na calçada, então eles tiveram que continuar andando.
É, isso é uma merda. Tinha um shopping center em Seattle e todo mundo que frequentava tinha tipo uns 40 anos e [uma vez] e eles foram até lá e se sentaram na calçada como um tipo de protesto. Tipo: “Ah, eles nos deixam sentar na calçada, mas as outras pessoas não podem porque são mendigos? Por que eles deixam a gente fazer isso e eles não?”.

Bom, porque eles não são feios e sujos, por isso!
[risos] É! Eles não estavam fedendo merda nem pedindo dinheiro.

Passei por uma coisa assim algumas semanas atrás com um grupo de moleques que chegaram em Athens e vieram ao clube onde trabalho. Acho que eles só ficaram na cidade por um dia. Era um grupo de umas sete pessoas e quatro dos caras eram legais, um outro cara era meio cuzão, mas tinha uma mina que era completamente doida. Sei lá qual era o problema dela. E ela ficava me dizendo essas merdas porque não deixei eles entrarem no clube [agindo daquele jeito] e precisei gritar com ela. Me senti mal depois mas… É como um microcosmo da sociedade! Alguns eram legais, outro tentou se aproveitar e a mina ficou gritando comigo. Era como se uma minicidade tivesse vindo me visitar. Não tínhamos uma cena assim em Athens até 1995 e agora a cidade é “famosa” como esse lugar para viajar se você é um fodido.
Lembro de quando me mudei pra lá e as pessoas ficavam: “Oh, você pega carona em trens? Não gostamos de gente assim aqui”. E fiquei: “Oh, sério? Bom, ok…”. Mas aí conheci as pessoas que tinham ido pra Athens… Essa cidade tem os piores viajantes do mundo! Tem uma galera legal, mas onde eu estava ficando… Não daria dinheiro pra eles. Athens acabou ficando com as pessoas mais fodidas, sei lá por quê. Me sinto mal por causa disso porque isso cria uma reputação ruim pra nossa cultura, sabe? O que todo mundo vê [lá] são esses merdinhas que ficam bêbados e gritam com você e no dia seguinte nem se lembram e ainda te pedem dinheiro.

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Acho que o que você fez com o LATFO é muito especial. Essa coisa galvanizada que toda a cena conhece e usa. Eles sabem que podem entrar em contato com você e te mandar não só fotos engraçadas, mas coisas sobre pessoas desaparecidas ou fotos de pessoas que morreram subitamente. Eles têm um lugar pra por essas coisas e sabem que elas vão ser vistas. É como um ponto de encontro.
É estranho pra caralho. Não consigo acreditar. É muito louco. Estava morando em Athens quando comecei, então não fazia a menor ideia [de como isso era grande], mas agora toda cidade pra onde vou as pessoas conhecem o site. Aí pergunto: “Você tá falando sério? Você já ouviu falar nisso?” e eles dizem “Como assim, cara? Todo mundo já ouviu falar nisso”. É muito louco. Lembro de ir para Ithaca, Nova York, recentemente e um moleque tinha um cartaz engraçado e perguntei se podia tirar uma foto e ele responde: “Tudo bem, só não me coloque no LATFO!”. E perguntei “Você já ouviu falar nisso?”, e ele disse “Você é o cara do LATFO?!”, e respondi “Sou”, e ele ficou tipo “Oh meu Deus!”. O amigo que estava bebendo com ele pegou o celular e começou a sussurrar: “Adivinha quem está aqui? O cara do LATFO!”. Aí eu disse: “Cara, eu tô te ouvindo”. Um cara me pediu pra transar com a namorada dele uma vez. Ele disse “Você comeria minha namorada?”, e eu disse “OK”.

Você virou mesmo o Senhor do Crusts.
[RISOS] Eu me chamo de Rei dos Oogles.

Fico feliz de você ter dito isso porque já tinha pensando em chamar você disso na matéria. Isso pode ser uma coisa arrogante ou muito hilária. É perfeitamente ambíguo. Mas o título tem que ser “Bem-vindo à Oogleville”.
Maravilhoso. População: Você. “Welcome To Oogleville”, é engraçado você falar isso porque é uma coisa que as pessoas realmente escrevem em pátios ferroviários e debaixo de pontes. “Bem-vindo à Oogleville. População: Você.”

Sério?
Sim, verdade. Está nos pátios ferroviários, debaixo das pontes em San Luis Obispo, na Califórnia. Lembro de ter visto isso lá. Depois escrevi isso debaixo de uma ponte em Richmond, Virgínia.

Você tem planos de quanto tempo vai ficar na Filadélfia?
Tenho pensado em ficar até agosto porque quero ir pra Montreal. Você pode pular num trem aqui e ir direto até Montreal que é uma cidade linda. Acho que fico até agosto então. Mas não é certeza, porque estou num lugar muito bom aqui na Filadélfia, com um emprego e aluguel de graça. É perfeito pra mim. Odeio ter que pagar aluguel e contas. Acho que essa merda é um roubo. Aqui vivo numa ocupação, ganho dinheiro cozinhando e adoro isso. Mas tenho que viajar também. Então estou pensando em ir pra Montreal em agosto e voltar pra Filadélfia se meu emprego permitir.

Achei que você dava um tempo nas viagens no inverno ou pelo menos que tentasse ir pro o sul nessa época do ano.
Sempre fui muito ruim nessas coisas. Estou sempre no lugar mais frio durante o inverno, porque tenho algum amigo lá, e vou pra Califórnia no verão. Tenho viajado ao contrário desde sempre. Essa é a minha vida… As pessoas sempre me dizem que queriam ter coragem de fazer isso. Mas não tem nada a ver com coragem. É uma coisa natural pra mim. Pra muitos de nós, é o que fazemos. É tudo o que queremos fazer da nossa vida. A gente não fica contente parado num mesmo lugar pra sempre.

Muitas pessoas entram nesse estilo de vida e viram nômades. Bebem vinho de caixa e se divertem. Fazem tatuagens e amigos. Mas com o LATFO você criou algo que mostra esse desejo óbvio de deixar um registro do que está acontecendo. Um jeito de documentar a cena e ter um lugar pras pessoas registrarem suas próprias vidas.
Sim, certamente. E o negócio é o seguinte, comecei o site — comprei o domínio — mas a ideia foi da minha melhor amiga Stephanie, que morreu ano passado. E isso meio que fodeu com a minha cabeça. Ela veio me visitar em Athens e nós ficamos vendo o “Look At This Fucking Hipster”, e ela disse “Você devia fazer o “Look At This Fucking Oogle!” e achei que ia ser engraçado. Ter um lugar pra ver nossos amigos. Então comecei no dia seguinte. Algumas semanas depois o site já tinha 200 fãs e pensei “Puta merda!”. Agora está na casa dos milhares. É uma coisa ridícula. Tem umas três mil fotos lá. Se não fosse pela Stephanie eu nunca teria feito isso. Se ela não tivesse dito: “Você devia fazer isso, como uma piada”.

Quando ela estava viva eu até pensava “Ah, comecei tudo. A Stephanie não fez porra nenhuma”. Mas agora ela morreu eu digo que a ideia foi dela mesmo. Não haveria nada se não fosse por ela… A gente se conhecia desde os 17 anos. A gente sempre se via de ano em ano. A gente se conheceu nas ruas de Berkeley pedindo dinheiro. Ela era uma pessoa incrível.

Então primeiro foi ideia dela, agora é um tributo a ela?
Exatamente. Ela morreu ano passado. Não faz nem um ano. É uma coisa da Stephanie.

A foto do perfil do Facebook, a garota segurando o cartaz “Look At This Fucking Oogle”, é a Stephanie e isso nunca vai mudar… Fico esquecendo de renovar o domínio. Preciso renovar a cada cinco anos. Algumas vezes o “LATFO.com” [o site] pode até não funcionar, mas… Mas escrevi a senha e coloquei num envelope selado para os meus amigos, no caso de eu morrer, então o site pode continuar. Enquanto houver internet ele vai estar ali. Ou até as pessoas enjoarem.

Isso é uma coisa muito bonita. Obviamente, eu não conhecia a história por trás disso. Isso mostra o desejo de deixar um legado até mesmo na cultura nômade.
Ah, sim. Nesse estilo de vida você perde todos os seus amigos. Não sei nem quantos amigos mortos eu tenho. As pessoas usam heroína. Usam drogas. Dá merda. Você abusa do seu corpo, destrói ele e morre. Sempre temos essa sombra de morte e tristeza nas nossas vidas. Quer dizer, somos felizes e amamos o que fazemos, mas vem muita tristeza junto com isso. É rock 'n' roll, porra. Vivemos um estilo de vida rock 'n' roll e é isso o que acontece.

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