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Por que nacionalistas brancos são os extremistas que o Canadá deve temer

Já são cerca de 100 organizações white power em atividade no país.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Canadá .

Ainda sabemos muito pouco sobre Alexandre Bissonnette, o universitário acusado de matar seis pessoas numa mesquita da cidade de Quebec no final de janeiro, mas uma imagem dele já emergiu, uma imagem com a qual todo mundo na internet já está familiarizado.

Bissonnette, 27 anos, estava matriculado no curso de Ciências Sociais na Universidade Laval, era um simpatizante de Trump, segundo conhecidos e colegas de classe, que trolava um grupo de refugiados no Facebook e aparentemente tinha visões misóginas; ele supostamente empregava o termo "feminazi".

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Éric Debroise o descreveu para o Journal de Québec como "ultranacionalista supremacista branco", enquanto Jean-Michel Allard Prus, que estudava com Bissonnette, disse à VICE que o suspeito era um troll agressivo online.

"Ele queria dizer qualquer coisa que começasse um incêndio", disse Allard Prus. "Você pode dizer que ele não recebia imigrantes de braços abertos. Ele era contra qualquer controle de armas. Ele daria um republicano perfeito."

Bissonnette se inspirava na nacionalista francesa Marine Le Pen, que visitou Quebec ano passado. Le Pen, líder do partido francês de extrema-direita Frente Nacional, gerou polêmica com uma declaração em 2010 comparando muçulmanos rezando nas ruas com uma ocupação nazista — o que a fez parar no tribunal por incitação ao ódio racial. Segundo o Globe and Mail, a visita de Le Pen teria incentivado Bissonnette a expressar "ativismo extremo online".

Enquanto esperamos que os motivos de Bissonnette emerjam, especialistas em extremismo de direita dizem que era questão de tempo até que um evento assim acontecesse. "Não posso dizer que isso foi completamente inesperado", disse Barbara Perry, professora de criminologia do Instituto de Tecnologia da Universidade de Ontário, autora de um estudo sobre supremacistas brancos no Canadá publicado ano passado.

"Eu esperava assassinatos, no mínimo feridos graves e ataques, considerando o pico de discurso de ódio que estamos vendo na América do Norte e Europa."

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O relatório de Pery define extremistas de direita como pessoas com fixação por nacionalismo com base no white power; eles tendem a ser xenofóbicos e ameaçar pessoas não-brancas, imigrantes, judeus, homossexuais e feministas, e percebem o governo como marionete desses grupos.

Acusado do assassinato em massa numa mesquita Alexandre Bissonnette é escoltado até uma van depois de comparecer ao tribunal. THE CANADIAN PRESS/Jacques Boissinot.

Perry rastreou o movimento pelo Canadá, falando com ex-extremistas, membros das comunidades impactadas, oficiais da lei e pessoas combatendo esse tipo de ideologia. Ela identificou mais de 100 grupos do tipo no Canadá, incluindo o Soldiers of Odin, a KKK, Blood and Honour, Combat 18 e Hammerskins. Alguns dos grupos eram basicamente "um cara com um computador no porão de casa", disse Perry, enquanto grupos mais conhecidos de skinheads em Quebec têm de 20 a 40 membros.

Perry disse que a internet é o lugar onde "as pessoas que perpetuam a retórica ou buscam a retórica… vivem". Mas, mesmo parecendo que Bissonnette expressou algumas visões de extrema-direita, ela diz que é muito difícil prever quando a retórica online vira violência na vida real. "A ideia de que podemos prever casos assim é um mito que precisamos superar", disse.

Segundo o relatório de Perry, o 11 de Setembro fez o público temer o terrorismo como nunca antes. Mas o ataque desviou a atenção de terroristas domésticos brancos, mais comuns, como o terrorista de Oklahoma Timothy McVeigh, e a focou sobre muçulmanos de pele escura.

Ainda assim, depois de estudar 30 anos de incidentes violentos no Canadá, Perry descobriu cerca de 120 casos vieram de supremacistas brancos e grupos relacionados, versus sete atos de violência vindos do que o estudo se refere como extremismo islâmico.

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"Isso coloca as coisas em perspectiva", ela disse.

O estudante de PhD da Simon Fraser University Ryan Scrivens, coautor do relatório com Perry, disse à VICE que quando violência racial realmente aconteceu, as autoridades tendiam a considerar os casos incidentes isolados.

"Eles não comunicaram os incidentes, apenas pensaram: 'Temos alguns skinheads na nossa cidade'. Mas esse é um problema maior", ele disse.

Ele apontou que Justin Bourque, que matou três oficiais da Polícia Montada em Moncton em 2014, não foi rotulado como terrorista, mas como um lobo solitário com problemas mentais.

Tanto Scrivens quanto Perry disseram que a retórica populista de políticos e, no caso de Donald Trump, a proibição da entrada de muçulmanos nos EUA, estão abastecendo a tensão.

Leia também: "Eu estudo os déspotas autoritários e Trump emprega muitas das táticas deles"

"Nosso pior medo é perceber qual pode ser o impacto dessa retórica, e não é coincidência que isso tenha acontecido no mesmo final de semana que [Trump] assinou aquela ordem executiva. Era uma mensagem dizendo claramente que há pessoas que não pertencem a e este país."

No Canadá, a candidata conservadora Kellie Leitch foi criticada no Twitter depois de expressar condolências pelo tiroteio na mesquita. Leitch vem defendendo rastrear os imigrantes por "valores canadenses", o que muitos viram como uma política racista.

Perry disse que Leitch seria "tola" em não reconsiderar suas táticas. J.M. Berger, membro do Centro de Contra-terrorismo do Tribunal Internacional de Justiça de Haia disse que é difícil determinar como a retórica se traduz em violência. Mas ele explicou que os EUA estão vendo uma onda de crimes de ódio e assédio depois da eleição de Trump, e há uma boa razão para pensar que a tendência deve continuar, similar ao que aconteceu no Reino Unido depois do Brexit.

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"Não há dúvidas que a campanha do presidente Trump incentivou profundamente os nacionalistas brancos nos EUA e exterior em termos de organização, em termos de se organizar para promover sua mensagem", ele disse.

"Segundo os estudos de Berger, nacionalistas brancos estão ultrapassando o ISIS em atividade no Twitter e outras redes sociais."

Segundo os estudos de Berger, nacionalistas brancos estão ultrapassando o ISIS em atividade no Twitter e outras redes sociais. Ele disse que os dois grupos têm algumas coisas em comum – eles dividem seu mundo em duas categorias de identidade, em "do grupo" e "fora do grupo".

Ele disse que o ISIS tem "uma das prescrições mais violenta para lidar com pessoas de fora do grupo", enquanto os neonazistas, historicamente muito violentos, têm sido menos capazes de mobilizar seus seguidores para realizar atentados num ritmo consistente nos últimos tempos.

Além de trazer as pessoas que cometem crimes à justiça, Perry disse que é importante tentar intervir quando pessoas expressam visões extremistas de direita online.

Ela apontou uma iniciativa no Reino Unido onde assistentes sociais monitoram conversas sobre poder branco no Facebook e Twitter, e tentam se engajar num diálogo direto com a pessoa. Ela também falou sobre como propagandas no Google têm sido usadas para redirecionar quem procura por grupos de poder branco para sites com "narrativas alternativas".

"Acho que realmente precisamos prestar mais atenção nisso do que em respostas punitivas, o que pode ser contraprodutivo", ela disse.

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Tradução: Marina Schnoor 

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