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Tentei deixar Milo Yiannopoulos me convencer a ser uma simpatizante gay de Donald Trump

Na entrevista com o jornalista inglês assumidamente gay e conservador, algumas pistas sobre por que o discurso da base política do Trump defende a homofobia e o combate às minorias.

Foto por Jason Bergman.

Até os homofóbicos em Cleveland, nos EUA, são simpáticos. Numa noite, durante a Convenção Nacional Republicana, eu estava sentada ao lado de um senhor de meia idade num bar sem frescuras chamado Nick's Sports Corner da cidade. Perguntei o que ele achava do governador de Indiana Mike Pence, que estava prestes a discursar no evento. Eu disse que ele não tinha como me ofender, e ele acreditou, fazendo um discurso inflamado e laudatório que prefiro não reproduzir aqui. Seu caneco de America (antigamente conhecida como Budweiser) balançava quando ele socava o balcão do bar.

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"Pode ter certeza que sou homofóbico", ele disse, batendo o caneco no balcão e me oferecendo uma bebida. O gesto parece incongruente, assim como toda a convenção Republicana deste ano, considerando que o televangelista Jerry Falwell discursou na abertura, seguido pelo empresário publicamente gay Peter Thiel. Eu queria perguntar ao senhor de Cleveland o que ele achava dessa aliança profana que Trump está tentando forjar entre os gays e os conservadores, na esteira do atentadoem Orlando, mas tive que recusar o drinque, já que estava lá apenas me preparando para encontrar MiloYiannopoulos, que vi discursar pela primeira vez no surreal comício "America First", no qual ele falou sobre seu o seu partido LGBTrump, e que finalmente concordou em me dar uma entrevista. Na verdade, o senhor homofóbico do bar provavelmente ia gostar do provocador platinado de 32 anos, considerando que todo o papo dele vai contra a ideia de que palavras e identidade política importam. Apesar de ser a voz da direita alternativa há anos, recentemente ele recebeu muita atenção do mainstream depois de supostamente orquestrar uma campanha de abuso no Twitter contra a atriz Leslie Jones, uma das protagonistas do reboot de Os Caça-Fantasmas, tendo acabado expulso da rede social.

LEIA: "A expulsão de Milo Yiannopoulos do Twitter mostra o quão contraditório é o Gamergate"

Mesmo gostando da ideia de Yiannopoulos irritando liberais raivosos, também acho que seu argumento abriu as portas para gente que só queria dizer coisas racistas, homofóbicas e escrotas. Acho alguns dos argumentos dele interessantes, como, por exemplo, a ideia de que estamos num momento único após a legalização do casamento gay, um momento no qual os liberais precisam correr atrás dos votos dos gays, não só esperar que eles votem no partido deles naturalmente. Passei cerca de uma hora discutindo com esse infame troll da internet e o desafiando a me converter numa conservadora.

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VICE: Sou lésbica e odeio a direita e a esquerda. Tenho acompanhado sua história e quero aproveitar essa oportunidade para deixar você me convencer. Por que eu deveria me expressar publicamente sobre isso, mesmo arriscando ser banida socialmente?
Milo Yiannopoulos: Esta é uma entrevista muito estranha.

Acho que você pode fazer duas escolhas na vida quando tem um período difícil pela frente: a fácil com os sentimentos, e a difícil com os fatos. A ciência nos diz que as pessoas tendem a tomar decisões baseadas nos sentimentos em vez da razão, depois usar a razão para se justificar. É preciso um grau significativo de esforço consciente para evitar essa armadilha. Agora parece, para mim, bem óbvio que, sendo homossexual, você pode escolher entre o proxenetismo e as máximas de autoajuda da esquerda, assim depois da tragédia de Orlando você pode colocar um avatar de arco-íris no Twitter, usar as hastags e se sentir bem consigo mesmo dizendo: "O amor sempre vence". Isso não tem muito efeito prático. E às vezes o caminho conservador é mais contraintuitivo — porém [mais] eficiente. Na verdade, às vezes a compaixão pode ser difícil de identificar porque envolve escolhas difíceis. Não é simplesmente sair dizendo que os gays são lindos, maravilhosos e perfeitos.

Concordo que mudar o avatar do Twitter não dá muito resultado. Qual é a abordagem contraintuitiva?
Do meu ponto de vista, é a resposta conservadora a Orlando, por exemplo, a resposta conservadora à islamização da Europa, que representa a melhor esperança que os gays têm de se sentir felizes, seguros e confortáveis. Agora, isso envolve dizer algumas coisas desagradáveis para pessoas que você conhece — sobre os muçulmanos, por exemplo. Nem todo muçulmano quer explodir um clube noturno ou apontar uma arma para sua cabeça. Mas um número significativo deles quer, e não exatamente uma minoria. Uma porção significativa dos muçulmanos simplesmente acha nosso modo de vida inaceitável. Ser gay nos EUA se tornou perigoso por uma única razão: o Islã. [Nota do editor: Uma pesquisa do Pew ano passado mostrou que países de maioria muçulmana têm uma visão predominantemente negativa do ISIS. O Pew também descobriu que a maioria dos muçulmanos rejeita a ideia de conduzir violência em nome do Islã.]

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O que você acha da maneira como Trump e Hillary responderam ao atentado em Orlando? Gays simpatizantes de Trump que entrevistei disseram que ficaram apaixonados pelo discurso dele.
Analisei as respostas de Hillary Clinton e Donald Trump e uma coisa me impressionou: as duas respostas da esquerda — primeiro negação, depois sentimentos — levaram quase ao niilismo. A negação de que há um link entre o Islã ou uma conexão entre o antagonismo islâmico contra os gays. E o tipo de niilismo do "amor sempre vence". Bom, nem sempre o amor vence. Às vezes uma AK-47 vence.

Mas não imaginei que Trump tinha esse discurso dentro dele. Foi o discurso mais incrível que ele já deu. Foi marcante e encorajo todo mundo a ler. A resposta de Trump me provou, como um inglês que espera o melhor para os EUA, que ele realmente tem algumas respostas. Há uma oportunidade aqui de eleger um presidente que vai fazer alguma coisa. Não vejo isso na esquerda.

Qual é a solução de longo prazo, se você acredita que gays e muçulmanos não podem coexistir? Segregação? Não vejo um fim nesse argumento.
Não sei se eu poderia apoiar inteiramente uma deportação completa, mas não vejo problema em interromper a imigração em países onde isso ameaça, não só as minorias, mas a cultura ocidental — que é a melhor cultura. Capitalismo democrático ocidental. Capitalismo livre como costumávamos ter na Europa, que você ainda tem nos EUA, que deu às mulheres o direito de votar, que deu a possibilidade de uma boa vida para os gays. Nos lugares do mundo onde não há isso, a vida só é boa se você for da classe mais alta. Neste país [os EUA], você pode fazer praticamente o que quiser, dizer o que quiser e ir onde quiser. Esse não é o caso na maior parte do mundo. O que me surpreende na esquerda é que ela parece não perceber de onde as coisas boas vieram.

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A legalização do casamento gay é um momento particularmente libertador para muita gente.
Você não acha isso deprimente?

Você acha?
Claro!

Você acha que com o assunto do casamento gay encerrado, a comunidade resolveu se preocupar demais com coisas que não são necessariamente um problema?
Acho que a luta pelos direitos gays acabou, então é hora de calar a boca e ir para casa, em vez de ficar chorando por coisas como linguagem policia e pronomes transgênero, e realmente começar a fazer pressão. Não quero ver o Establishment Gay e as organizações LGBT virando Al Sharptons, insistindo em suposta homofobia, inventando ofensas onde não existe, sendo vitimista, fingindo ver insultos onde não há. Não quero ver os gays sendo assim. Isso me parece profundamente contraditório ao melhor espírito de dissonância gay de alguém como William S. Boroughs. Isso é o contrário das melhores coisas em ser gays. É horrível.

Você defende a retirada do "T" do LGBT. Isso me parece um movimento egoísta para descartar um grupo de pessoas que basicamente começou o movimento pelos direitos gays, assim que se tornou conveniente fazê-lo. É meio como ganhar na loteria e nunca mais falar com seus amigos, não?
Mesmo o L e o G não deveria estar juntos. Gays e lésbicas não se dão muito bem. Não nos misturamos muito; não podemos entrar nos bares lésbicos. Lésbicas e gays são horríveis uns com os outros. Por que o L e o G estão juntos, quanto mais o resto? Havia um tempo, claro, nos anos 50 e 60, quando valia a pena se unir. Mas isso é passado. Esses grupos têm prioridades diferentes. A terceira onda muito lésbica do feminismo tinha prioridades bem diferentes das dos homens gays, me parece. Esses grupos têm prioridades diferentes do lobby trans.

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Acho que Jerry Falwell tem menos em comum com Peter Thiel do que um gay e uma lésbica. Analisando as pessoas que vão discursar amanhã defendendo Trump, não consigo dizer se ele está tentando atrair os gays para seu partido ou se simplesmente não tem a menor ideia do que está fazendo.
Eu diria — sabe, não terminei meu curso — mas frequentei uma universidade muito boa em Cambridge, e lá me ensinaram que há dezenas de maneiras de abordar um texto. Você pode fazer uma leitura feminista, uma leitura lacaniana, todo tipo de coisa. Me parece que os jornalistas são tão ignorantes agora que literalmente têm apenas um prisma para ver o mundo, o prisma da opressão, intolerância, sexismo, racismo, homofobia — isso é tudo que eles veem no mundo. Tenho pena deles porque seria um horror ver o mundo de modo tão monocromático.

Mas se você sai dessa bolha e percebe que o público está de saco cheio das preocupações monótonas dos jornalistas, que as alegações de sexismo e racismo não têm mais o poder que tinham, e isso é bom, e que as pessoas estão realmente procurando um candidato do caos, acho que a coalizão disfuncional que Donald Trump está montando faz mais sentido.

Por que este momento é diferente do movimento pelo politicamente correto dos anos 90?
O politicamente correto surgiu nos anos 90, mas foi derrubado na época. E agora ele está de volta, com a força total de todas as instituições civis do país. Políticos, a mídia, a indústria do entretenimento, a academia, o lote todo. Mas isso é bom, porque significa que se derrubarmos o politicamente correto agora, derrubamos sua forma final, sua encarnação mais forte possível, e ele nunca mais vai voltar. Acho que isso está acontecendo naturalmente, mas fico feliz em insistir nisso e documentar essa história. É legal ser alguém que pode chutar algumas bundas, correr até a esquina e depois escrever sobre isso.

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Como você se sente, sendo conservador, em saber que muita gente da sua base de eleitores odeia você?
Bom, muitos liberais também te odeiam. Conheço mais a política na Inglaterra, mas o que posso te dizer é que —

Mas os liberais não ficam nas ruas segurando cartazes de "Deus Odeia Gays".
Ah, mas espera aí, quão forte realmente é a direita religiosa neste país, sério?

Forte o suficiente para que Jerry Falwell discurse na noite final da Convenção Republicana.
Mas que impacto eles têm na mídia? O que Trump disse que foi influenciado pelos evangélicos radicais ou algo assim? Realisticamente, a era da direita religiosa foi os anos 90, quando diziam que a música e os videogames inspiravam tiroteios nas escolas sem nenhuma evidência concreta. Agora são as feministas dizendo, sem nenhuma evidência, que os videogames tornam você sexista. É o mesmo instinto feio, vindo de uma direção política diferente. Gosto tanto da direta religiosa quanto da esquerda da justiça social. Mas sugerir que a direita religiosa ou que os conservadores sociais têm o mesmo poder que a justiça social tem na esquerda dos EUA é simplesmente ridículo.

Mike Pence odeia você por razões que não são religiosamente motivadas ou facilmente descartadas como baseadas num livro velho. Isso não é pior?
Mike Pence não odeia os gays. Ele é um cara de valores familiares e direitos do estado, e eu não vejo problema nisso.

Eu queria te perguntar: se você pudesse escolher não ser gay, você faria isso?
Sim. Não. Talvez antes da minha carreira deslanchar. Honestamente, se você colocasse as pílulas na minha frente, se dissesse: "Se tomar essa pílula você vai ser heterossexual", acho que eu tomaria.

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Por quê?
Bom, não por causa desses sentimentos que as pessoas normalmente esperam. Todo mundo se surpreende com essa resposta, e não consigo acreditar que isso nunca tenha ocorrido para outros gays, mas quando estou transando com a pessoa que amo, não posso ter um filho com ele, e isso é estranho, triste, confuso e uma experiência nem um pouco legal. Quando você está fazendo amor com alguém que é a pessoa mais importante do mundo para você, você não pode fazer o que os casais heterossexuais podem: gerar uma criança. Talvez só eu pense assim. Mas isso me incomoda.

Eu esperava que a resposta fosse sim, mas não por essa razão.
Não sei como mais gays não chegam a essa conclusão, ou se apenas mentem para si mesmos, não chegaram a esse estágio da vida ou sei lá.

São várias coisas. Gosto muito de poder acessar o abandono e a liberdade, particularmente a liberdade cultural, que ser gay oferece. Obviamente tirei vantagem disso na minha carreira. Mas quando penso onde quero estar aos 40 anos, penso: "Eu não gostaria de estar casado, feliz e criando meus próprios filhos que fiz com a pessoa que amo?" É muito tentador.

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Tradução: Marina Schnoor

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