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Música

O debut do ÀTTØØXXÁ prova que pagodão baiano também é música eletrônica

Rafa Dias mistura synths a um dos mais populares ritmos da Bahia no seu primeiro álbum solo, ‘‘ÀTTØØXXÁ É F*DA P*RRA".

Era o final dos anos 2000, quando o produtor baiano Rafa Dias — que já tinha passado por bandas de gêneros tão díspares como samba, pagode e metal — começou a sentir falta de alguma coisa (musicalmente falando). Foi nesse momento que ele resolveu enveredar pelo universo da música eletrônica. Produtor que faz parte do movimento Bahia Bass, o jovem de 25 anos estudante do curso de Composição de Música Popular na UFBA está no comando de diversos projetos como o extinto duo A.MA.SSA, é membro da banda Os Nelsons, sem deixar de lado seu projeto solo como ÀTTØØXXÁ, com o qual lança nesta terça (12) o álbum ÀTTØØXXÁ É F*DA P*RRA.

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Natural da ilha de Paulo Afonso, Rafa começou a mexer com música aos 11 tocando cavaquinho e pandeiro, dentro do circuito de samba em Salvador. Depois, aos 14, montou uma banda de metal que durou até seus 20 anos. Quer dizer, eclético parece um bom termo para defini-lo. E é do gosto de Rafa por música popular e beats eletrônicos que parece surgir sua intenção de repaginar a música popular baiana. O álbum que sai pela Kafundó Records, focando principalmente no movimento do pagodão, conta com diversas participações, como: Lu, Oz, Rikô e Knalha. Nas 11 músicas o produtor consegue mostrar a versatilidade em explorar ritmos globais em ritmos locais, e vice versa.

Leia: Na mix do ÀTTØØXXÁ até a Rihanna dança no balanço do pagode baiano

A maior característica do álbum é como o produtor consegue reinventar o som da periferia, o pagodão baiano. O cantor OZ — popular no circuito das periferias — participa da faixa "Desce", e essa é uma das músicas que exploram a forma sensual das letras do pagode, que estão lado a lado de synths e uma linha de grave bem gorda. O ritmo marcante continua, mas com uma força a mais. Enquanto "Abana" conta com uma forte influência jamaicana.

ÀTTØØXXÁ É F*DA P*RRA, inclusive, é a tentativa do produtor de apresentar o pagode baiano para ouvidos pouco acostumados. Podemos dizer que o gênero está para a periferia soteropolitana, assim como o baile funk está para o morro carioca. Em uma conversa com o Rafa, ele disse que enquanto pesquisava os movimentos baianos, sentiu que o pagodão era o único aberto a novas abordagens e a inclusão de notas eletrônicas. "Eu acho que o pagodão é o único som lá da Bahia que muda", conta. "O samba-reggae é fechado, no sentido de que não entra guitarra, só tambor. E se você chegar pra sugerir os caras falam 'não, não pode'".

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Um ponto que o produtor destaca é que nomes como Psirico e Edcity, na busca incessante do sucesso, iam mudando a fórmula de produzir pagodão e não percebiam que estavam moldando o pagode como música eletrônica. "Cada um buscava uma coisa nova, enquanto o resto da música da Bahia parecia que não queria sair dali", conta Rafa. E foi nesse momento que o produtor percebeu a brecha: "Ai veio o pagofunk, depois a arrochadeira, que é a musica eletrônica lá da Bahia, que é o pagodão e o arrocha ao mesmo tempo". Rafa sacou isso e começou a testar.

Foi nesse momento que surgiu o projeto Braunation, no final dos anos 2009, uma iniciativa que teve junto do seu parceiro Mahal Pita. A dupla percebeu que sons das periferias do mundo começaram a pipocar pelo globo de forma repaginada. Buraka Som Sistema e Bomba Stereo foram duas influências que ajudaram a dupla a perceber o pagode baiano como um ritmo global. "Ouvi um disco de Maquinado, projeto do guitarrista do Lúcio Maia. Depois ouvi o disco de Guizado, Buraka S.S. e Bomba Stereo", conta Rafa que a partir disso chegou aos sons da Bahia junto do parceiro Mahal. "Pensei: vamos meter um som ai', tem muito espaço na Bahia, sons muito ricos em ritmo, muito rico em muitas coisas. E a galera e o mercado do axé aprisionou muito isso".

Braunation foi o primeiro projeto do produtor a mesclar synths eletrônicos com batidas percussivas. O que é o ÀTTØØXXÁ hoje começou dessa adaptação do pagodão, uma evolução que não veio do dia pra noite. Ele ainda me contou que às vezes encontra um rascunho de projeto feito em 2010, mas que soa atual pra 2016.

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O projeto com o parceiro foi que definiu a produção do álbum que o produtor lança seis anos depois do primeiro insight que teve. "Toda a síntese de estudar novas combinações de groove me fez chegar nesse momento no qual consigo expressar bem o que quero e ainda assim o ritmo não soar tão estranho aos ouvidos". É possível comparar o que o produtor está fazendo com o pagode, com o que o Buraka fez com o Kuduro. Alguns podem notar a diferença de notas do som cru periférico, deste repaginado mas o ritmo ainda é o mesmo.

ÀTTØØXXÁ É F*DA P*RRA aproveita bem essa abertura do pagode absorvendo gêneros globais. Kicka pode ser vista como uma interpretação do trap, no ritmo do pagode. Com drops pesados e clima tenso, o cantor Knalha convida a mulherada pra kickar sem perder a elegância. Tudo isso ao ritmo de tambores percussivos e melodias digitais.

O Bahia Bass, por sua vez, vem crescendo desde 2014 e Rafa é um dos multiplicadores do gênero-movimento já tendo espalhado seu trabalho pela Europa com a banda Os Nelsons, quando participaram do festival Bass Culture Clash (UK), em 2012. Em 2013 voltaram ao velho continente para apresentações nos festivais Best, Shambala e Number 6. Em 2014 teve algumas de suas músicas na BBC Radio 1 Stories e depois o apoio da DJ inglesa Annie Mac no programa dela. O cara, ao que parece, tem a mão boa pra acertar na globalização dos ritmos baianos.

Esse é um dos motivos que empenharam Rafa a concluir um álbum e fortalecer o movimento na sua cidade natal ao invés de esperar por alguém. "Abriu uma brecha e vamos fazer nós mesmo, por nós mesmo", diz. "Porque, né, man, não dá pra esperar nada de ninguém […] tudo nasce na nossa casa." E conclui: "Não pode nascer num voo, nascer na Europa. Tem que fazer acontecer lá em Salvador. Então a gente precisa fazer pra rua, pra depois fazer pro mundo." Tá falado.

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