Dia das mães na cadeia: 74% das mulheres presas no Brasil têm filhos

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Feminisme

Dia das mães na cadeia: 74% das mulheres presas no Brasil têm filhos

Quase metade das encarceradas no país ainda aguardam julgamento.

Sem alarde, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública anunciou a 2ª edição do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) sobre a situação das mulheres encarceradas no Brasil. Com base em dados de 2016, o documento de 79 páginas foi publicado na página do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) sem data especificada.

Em junho de 2016, a população prisional feminina era de 42.355, 13% a mais do que o levantamento anterior, e apresenta um déficit de 15.326 vagas. Além disso, quase metade, 19.223, estão encarceradas sem sequer terem sido condenadas.

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Às vésperas do Dia das Mães, que será comemorado no dia 13 de maio, outro dado que chama atenção é sobre a quantidade de mulheres com pelo menos um filho que estão presas no país: 74%. Ou seja, a cada quatro presas, três estão longe de suas crias ou convivem com elas no cárcere.

A população prisional feminina é de 42.355, e apresenta um déficit de 15.326 vagas

Uma situação antagônica à prisão domiciliar de Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, que teve um habeas corpus concedido por Gilmar Mendes. A esposa do ex-político foi condenada por associação criminosa e lavagem de dinheiro, mas segundo o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), utiliza um benefício previsto no Código de Processo Penal que prevê este tipo de regime para mulheres com filhos menores de 12 anos.

Dos dados colhidos, 55% das mulheres têm de um a três filhos. Além disso, há 1.111 crianças estão encarceradas com as mães.

O relatório encontra, porém, severa dificuldade em dar números precisos sobre o encarceramento de mães no Brasil. Em um trecho do documento, está definido que “a disponibilidade de informação sobre o número de filhos, no entanto, permanece baixa em todo o país e foi possível analisar dados referentes a apenas 7% da população prisional feminina em Junho de 2016, o que corresponde a uma amostra de 2.689 mulheres sobre as quais se tem informações. Nos estados do Rio de Janeiro, Sergipe e no Distrito Federal não existiam quaisquer informações acerca da quantidade de filhos entre as pessoas privadas de liberdade, homens ou mulheres.”

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Para o advogado e membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe-SP) e do Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária de São Paulo Ariel de Castro Alves “nós temos há muitos anos um judiciário seletivo, onde pessoas que têm poder aquisitivo conseguem contratar bons advogados e acabam tendo mais acesso à Justiça e à ampla defesa que são direitos constitucionais previstos a toda pessoa que respondem a processo.”

Ele faz uma análise do perfil das mulheres presas no país e das circunstâncias em que são detidas. “Já existe o pré-julgamento quando temos pessoas pobres que respondem processos, muitas vezes jovens, pobres, negras e moradoras de periferia que acabam já sendo pré-condenadas. O princípio da presunção de inocência ele é desconsiderado no Brasil se o réu se enquadra nestas características. Sempre a palavra dos policiais e das testemunhas de acusação, que geralmente são os próprios policiais acabam sendo priorizadas pelo Ministério Público e pelo Judiciário.”

Um panorama do caos

Com base nos dados publicados em 2016, o Brasil ocupava a quinta posição, atrás de EUA, China, Rússia e Tailândia, que reduziu seu índice de encarceramento e foi ultrapassada pelas presas brasileiras.

O estado com mais mulheres presas continua a ser São Paulo com 15.104, seguido por Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro que acumulam juntos quase 9.000 presas.

No Brasil, segundo os dados do Infopen, 62% das mulheres são presas por crimes ligados ao tráfico de drogas. Roubos representam 11% e furtos 9%. A taxa de prisioneiras por homicídio é de 6%.

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O grau de escolaridade das mulheres presas no Brasil também foi analisado no levantamento. 45% das presas não completaram o ensino fundamental, 17% não completaram o ensino médio.

A massa carcerária feminina é composta por uma predominância de mulheres solteiras: 62%. Em 23% dos casos, elas alegaram união estável e o número de casadas é de 9%.

No Brasil há, segundo o Infopen, 529 cidadãs estrangeiras encarceradas. 61% delas são de países do continente americano.

Penitenciária Feminina do Distrito Federal (Colmeia) Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

Habeas Corpus coletivo

Em fevereiro deste ano o STF concedeu um habeas corpus coletivo para que mulheres com filhos de até 12 anos — ou com dependentes que tenham alguma deficiência — e que não tenham sido condenadas aguardassem em prisão domiciliar. “É uma forma de assegurar o direito dessas pessoas de aguardarem os processos perto de suas famílias e não privar elas dessa convivência”, afirma a antropóloga e pesquisadora do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) Mariana Boujikian.

Segundo uma estimativa feita pelo ITTC, em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e com a Pastoral Carcerária aproximadamente 4.550 mulheres poderiam ser atendidas por este recurso. A pesquisadora conclui. “Não sabemos se essas mulheres efetivamente saíram, porque não temos este controle.”

Abandono

O escritor e dos mais respeitados jornalistas investigativos do Brasil, Josmar Jozino, autor do livro Casadas com o Crime, que se presta a contar histórias reais de mulheres que passam a vida atrás das grades ou nas filas de visitas, faz uma análise da situação da mulher encarcerada no Brasil. “Se o marido é preso, ela vai visitar. Não perde um dia. Elas são chamadas de ‘guerreiras’, vão longe, pegam ônibus, viajam centenas de quilômetros diante da chuva, do sol e vão visitar o marido, o namorado. A mãe vai visitar o filho. Agora a mulher presa é abandonada, o cara arruma outra mulher, esquece dela. Ela fica abandonada. Além disso, muitas que têm filhos perde a criança, porque ela é encaminhada para um abrigo ou para a Vara da Infância.”

Ariel de Castro Alves corrobora o discurso do escritor. “Quando a gente vai a penitenciárias femininas nos dias de visita encontramos filas pequenas ou não encontramos filas. Nos presídios masculinos vemos filas enormes de mulheres indo visitar seus companheiros.”

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O advogado acrescenta ainda outras negligências. “Isso mostra que as mulheres acabam sendo mais negligenciadas, seja pelo Estado, pelos seus familiares e até em relação a ter estabelecimentos adequados. Muitas vezes elas não têm os meios adequados de higiene, as celas não são adequadas para mulheres e atividades que não são adequadas.”

Josmar Jozino também dá seu parecer sobre esta situação. “A estrutura física para elas cumprirem pena também é complicada. Não tem creche, deveria ter lugar para a mãe amamentar os filhos, não tem médico, não tem ginecologista. Não tem nada.”

Segundo o Infopen, apenas 16% das unidades prisionais brasileiras têm cela para gestantes. Apenas 14% têm berçário ou centro de referência materno-infantil. E somente 3% das cadeias do Brasil têm creche.

“É necessário repensar completamente o encarceramento feminino no Brasil”, conclui o advogado Ariel de Castro Alves.

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