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‘Breve em Nenhum Cinema’: Kiko Dinucci Fala Sobre seu Novo Filme

O músico Kiko Dinucci fala em primeira mão à VICE sobre sua nova empreitada audiovisual.

Cena do filme Breve em Nenhum Cinema, nova empreitada audiovisual de Kiko Dinucci. Crédito: divulgação

"Um jovem, hoje, não vai assistir meu filme. Ele vai ficar maluco. Vai se entediar", profere enquanto coça o olho esquerdo. Não é um cineasta de sucesso, mas o músico Kiko Dinucci, que abriu as portas de seu apartamento no centro de São Paulo para falar em primeira mão à VICE sobre sua nova empreitada: o filme Breve em Nenhum Cinema.

Cercado por plantas e meio descabelado, Kiko puxa uma cadeira, senta e liga o computador para mostrar alguns cortes do longa de ficção com estreia prevista para agosto deste ano. A história aborda as salas de cinema que "desapareceram" do centro da cidade – dando lugar a templos evangélicos e estacionamentos – do ponto de vista de Stallone Cobra, um sujeito enfiado numa jaqueta de couro, que, desesperado e nostálgico, bate à porta desses lugares para entender onde toda a opulência de antigamente foi parar.

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Em 2005, Kiko teve sua primeira experiência no cinema: dirigiu o documentário Dança das Cabaças – Exu no Brasil. "Tinha prometido que nunca mais faria cinema. É uma dor de cabeça", frisa. A promessa não vingou. Dessa vez, optou por uma pegada mais "amadora" e uma equipe enxuta: quatro pessoas. O tema escolhido remete às inquietações e paixões dos tempos de criança.

O músico Kiko Dinucci numa relax, numa tranquila, numa boa, em casa. Foto: Débora Lopes

Durante a infância em Guarulhos, o programa mais aguardado do mês era ser buscado pelo pai para comer no McDonalds' e ver um filme em algum cinema da região central de São Paulo. "Eu ficava fascinado", suspira. Brincava de recortar os cartazes que saíam no jornal e reproduzia maquetes dos cinemas que mais gostava. Parou quando virou obsessão e ele percebeu que as outras crianças não faziam o mesmo. Arrumou emprego como entregador de jornal, tendo de lidar com os anúncios ali, tão perto. A vontade de voltar com as maquetes gritava. "Eu ficava com a mão tremendo." Nos anos 90, ainda moleque, se enfiou no hardcore straight edge. Tempos depois, pulou pro samba. Estudou ritmos africanos. Fez mil parcerias, lançou vários discos, embasbacou a crítica musical brasileira. Kiko compõe, canta, toca, faz gravuras, fez um filho, um documentário e escreve sobre cinema quando dá na telha. Não para. Uma de suas aventuras mais notórias é o Metá Metá, ao lado da cantora Juçara Marçal e do saxofonista Thiago França.

Dessa vez, especificamente, o papo não é sobre música. Leia abaixo trechos da entrevista que fizemos com o Kiko.

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O personagem principal de Breve em Nenhum Cinema, Stallone Cobra. Crédito: divulgação

VICE: Como surgiu a ideia de fazer um filme?
Kiko Dinucci: Inventei uma ficção. Peguei um amigo meu que adora cinema, o Clima (Eduardo Climachauska). Ele é artista plástico e compositor. A gente vivia conversando sobre cinema no boteco. Temos um gosto muito parecido pra isso. Daí, um dia, eu falei que estava com ideia de fazer esse filme. Olhei pra cara dele e inventei na hora o personagem: "Você vai ser o Stallone Cobra. Vou botar uns óculos em você, um palitinho na boca, uma arma na mão, uma jaqueta de couro, e você vai ser o Stallone Cobra, batendo na porta dos cinemas e só encontrando ruína". Ele adorou a história e a compusemos juntos.

E quem está na equipe?
A equipe se resume a quatro pessoas: eu, a Aline Belfort na fotografia, o Clima e o Kazuo Ota, o segundo ator.

O que tento passar nesse filme é que o cinema não era só filme. Hoje em dia, você assiste a um filme na internet, no Netflix, e é o cinema por si só. Sinto muita falta dessa vivência do espaço, de ocupar a cidade. Então, me veio a ideia de fazer um filme sobre a destruição mesmo, sobre como as coisas desaparecem. É um filme triste, que vai falar de uma São Paulo arruinada. As salas de cinema tinham mil e quinhentos lugares, dois mil.

Quem é o Stallone Cobra?
O Stallone Cobra é a personificação da própria decadência do cinema encontrando a decadência da cidade, do espaço físico do cinema. Aquela coisa da Hollywood dos anos 80, entrando na decadência total, que já vinha desde os anos 70. Ele sai batendo na porta de vários cinemas aqui no centro e encontra ruína, cinema pornô, templo evangélico, estacionamento. É meio triste.

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O filme é bem triste, na verdade. Foi um trabalho meio doloroso, ainda mais sabendo que essas salas existiam, né? Cinema em São Paulo era um evento social. Ia todo mundo muito arrumado. Nos anos 40, 50, ninguém entrava sem terno. Era ali que você pegava na mão de alguém pela primeira vez. Daí você saía e sempre tinha um restaurante em frente, um bar onde as pessoas iam comer e comentar sobre o filme. O cinema foi deixando de ser um evento, foi virando uma coisa mais banal – a ponto de as pessoas nem lembrarem mais que eles existem. Tem os cinemas do shopping, aquela coisa mais comprimida, mais genérica.

"Cinema em São Paulo era um evento social. Ia todo mundo muito arrumado. Nos anos 40, 50, ninguém entrava sem terno."

É triste mesmo.
Se deparar com isso é muito traumatizante. Você vê que a cidade não está legal.

Tivemos essa experiência de entrar num estacionamento e ver que ali tinha um cinema de dois mil lugares, ver resquícios de cinema, a sala de projeção, ver onde ficava a tela, uma escultura, algum detalhe da decoração do lugar. É muito triste.

Quando eu fiz pauta no Cine Marrocos [que hoje é uma ocupação de moradia], foi bem angustiante.
A gente filmou lá…

Você vê aquele lugar gigante, vazio…
É triste, né? Tem um cheiro de morte, de fim, de coisa que passou do tempo. Fizemos umas cenas bonitas lá. Os filmes estão no chão, jogados. Tem pedaço de projetor. É apocalíptico.

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Onde mais vocês gravaram?
Passamos pelo Cine Comodoro, Cine Metro, Cine Ouro (ex-Cine Bandeirantes), Cine Joia… vários.

O personagem Stallone Cobra em ação. Crédito: divulgação

Como é a estrutura do filme?
Ele tem planos longos. Não tem uma história, uma ação. Tem o Clima procurando as salas e encontrando. Ele faz um tipo de cinema de ação, mas não acontece nada. Tem uma cena em que ele luta com um melão na praça, que é a cena mais violenta do filme.

Ele perambula muito. Tem muita coisa de personagem errante, andando, que é uma característica do cinema marginal, da Boca do Lixo. Os dois personagens andam muito. É um filme em que não acontece nada, com planos longos. Mas a montagem do filme está no som. Eu roubei muito som de trailer de filme, de músicas. Fui mixando isso.

E o outro personagem?
Tem um cara que a gente conheceu, que é o Kazuo Ota. Ele é japonês, de Tóquio, mas mora aqui em São Paulo desde 1986, uma coisa assim. Ele foi em 400 shows no ano passado. É um cara fanático por música brasileira. Ele compra, tipo, 50 ingressos do Sesc por mês. Uma coisa absurda. E o Kazuo acabou virando nosso amigo. E eu queria ele no filme de qualquer jeito. Falei: "Kazuo, vou inventar um personagem pra você". Inventei um personagem pro Kazuo que é um japonês andando na Liberdade procurando as salas de cinema que existiam lá, só de filme japonês.

Enquanto o Clima é um personagem fictício, escrachado, com muitos traços do cinema marginal, o Kazuo é o Kazuo, um personagem mais documental. Ao mesmo tempo, os dois são muito melancólicos. Os dois encontram essa São Paulo em ruínas.

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Como funciona um filme sem roteiro?
Fizemos tudo no improviso. É isso. Não tem roteiro. A gente chegava na locação, olhava, via a luz que tinha.

Em quanto tempo vocês gravaram o filme?
Seis dias.

Quem está montando?
Eu mesmo. Eu fui o técnico de som do filme. Tem um som péssimo. Não fui um bom técnico.

Tem previsão de lançamento?
Acho que agosto. Não queria esperar muito. Tô montando rápido…

Por que o nome Breve em Nenhum Cinema ?
É um filme que não foi feito pra passar no cinema. Vou botá-lo online. Queria só fazer o lançamento no cinema, numa sessão só. Possivelmente, no centro. Talvez no Marabá. Não sei ainda. O cinema morreu. Pra mim, se a sala de cinema morreu, o filme morreu também.

"A maioria dos filmes que são feitos no Brasil não passam no cinema."

O nome é uma homenagem aos trailers, que sempre dizem "Breve nesse cinema…". Tô anunciando um filme que não vai passar no cinema. Isso reflete a própria situação do cinema no Brasil. Você faz um filme pra não passar. A maioria dos filmes que são feitos no Brasil não passam no cinema. Passam em festival. Se conseguir ter uma boa repercussão, vai passar no circuito comercial restrito. E mesmo os filmes que já tem no seu edital uma grana pra bancar a distribuição vão ficar uma semana em cartaz e ter um público ridículo. Os diretores no Brasil não têm tela. Lembro do Rogério Sganzerla falando que ele era um diretor sem tela. O Movimento Sem Terra estava no auge e ele disse "Eu sou um sem tela".

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Um jovem, hoje, não vai assistir meu filme. Ele vai ficar maluco. Vai se entediar com o meu filme. Ele vai querer um filme que tenha pelo menos uma média de duzentas explosões por metro quadrado.

Você vai ao cinema?
Muito pouco. Não sou muito empolgado com filmes novos. Só quando muita gente me indica. Muito amigo fala "Você tem que ver tal filme".

Tenho uma coleção de, sei lá, 400 DVDs. Aí pego e fico assistindo aos clássicos. Detesto ver na TV. Eu durmo. Queria ir mais ao cinema. Tô indo pouco, acho que por causa da falta de tempo. Faz uns três anos que tô trabalhando freneticamente. Essa coisa de fazer muita coisa ao mesmo tempo também: tocar dez projetos diferentes ao mesmo tempo, livro de desenho, história em quadrinhos.

"Um jovem, hoje, não vai assistir meu filme. Ele vai ficar maluco. Vai se entediar. Ele vai querer um filme que tenha pelo menos uma média de duzentas explosões por metro quadrado."

Eu já tinha trabalhado com cinema em 2005 no documentário sobre Exu [ Dança das Cabaças – Exu no Brasil]. E tinha prometido que nunca mais faria cinema. É uma dor de cabeça.

Por quê?
Porque é dor de cabeça. Eu não sabia mexer com dinheiro. Ganhei um edital da Prefeitura de Guarulhos. Na época, bolei um projeto dizendo que faria um documentário com R$ 19 mil. Não dava pra nada. Quando peguei o dinheiro, não sabia lidar. Pra mim, R$ 19 mil era muito. Fiz um filme. Fiquei meio ano gravando o filme com uma Mini DV. Fiz tudo na guerrilha. Foi um período em que trabalhei pouco com música, porque me dediquei mais ao filme. Depois, quando a música ocupou espaço, vi que era impossível.

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Como foi essa primeira experiência?
Tem coisas no filme que eu não faria hoje nem fodendo. Coisas técnicas e até de narrativas. Hoje, ele é muito usado no meio acadêmico. Acadêmicos ligados à sociologia da religião e antropologia exibem muito o filme para os alunos.

Nesses seis dias em que filmei Breve em Nenhum Cinema, não marquei show de nada. Descobri um jeito de fazer diferente do primeiro. Dessa vez, foi mais amador, sem compromisso, sem roteiro, produção, equipe.

"Lembro do Rogério Sganzerla falando que ele era um diretor sem tela. O Movimento Sem Terra estava no auge e ele disse 'Eu sou um sem tela'".

O que mudou?
Falei pra Aline dançar junto com o ator, respirar, seguir o ator. É uma câmera errante. Fizemos uns trabalhos do Metá Metá com o Vincent Moon, e eu via o jeito que ele filmava. Ele dança, ele bate cabeça enquanto filma. Você tá tocando, e ele tá com a câmera dançando. E você pensa "Isso vai ficar uma bosta". Na hora que você vê o filme, tá ótimo. A fotografia dele me inspirou muito.

Tentei ir arrancando isso dos atores, o improviso, fazendo com que eles dessem o tom do filme. Todo mundo criou muito.

Cena de Breve em Nenhum Cinema. Crédito: divulgação

Então, o saldo foi positivo.
Vai ser um puta filme pra gente. Fizemos o filme nos divertindo. A gente fazia as coisas e caía na risada. Tem uma leveza. Se isso for transmitido, Breve em Nenhum Cinema já será vitorioso.

Ninguém ganhou nada. O Clima ganhou uns óculos de cachê. Eu tinha uns óculos superchiques que comprei no free shop. Aqui no Brasil, deve valer uns R$ 700. Falei: "Seu cachê é uns óculos da Donna Karan".

A Aline estuda cinema na Rússia. Ela tem vinte e poucos anos, é bem jovem, tem um superbom gosto pra fotografar: não usou nenhuma luz artificial, foi tudo feito com luz natural. Ela topou fazer de graça. Se a gente fizer um próximo filme, talvez eu vá atrás de edital. Ter dinheirinho pra todo mundo. Trabalho pago. Tem de valorizar a profissão. Não vou ficar pregando que os filmes têm de ser feitos de graça.

Qual é a expectativa, então?
Que o filme passe um pouco dessa leveza, de pessoas que estão ali brincando e fazendo um filme.

Boa sorte, Kiko.

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