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Prazer em conhecer-te, Rainbow Guy

Um local de refúgio onde as pessoas podem ficar o tempo que desejarem.

Fotografia por Oliver Purser Há trinta anos atrás, o Rainbow Guy (também conhecido por Guy Feldmann) teve um surto de inspiração divina que o levou a mudar os seus costumes ciganos e a completar duas missões deveras importantes: construir o Templo — um local de reunião não-confessional dedicado à procura da verdade — e escavar um túnel sem destino concreto. Não sendo pessoa para pôr em questão o fluxo sincrónico do Universo, Guy não tardou a comprar um pedaço de terra nas montanhas por trás de Byron Bay, na Austrália e, em 1981 — numa ocasião duplamente auspiciosa em que o Domingo de Páscoa calhava na lua cheia em Balança — começou a trabalhar nas tarefas consagradas que lhe foram incutidas. Desde o seu início, o Templo cresceu bastante em termos de tamanho e reputação. Segundo as contas de Guy, hoje em dia atrai 300 visitantes por ano, principalmente viajantes estrangeiros e entusiastas espirituais. É um local de refúgio onde as pessoas podem ficar o tempo que desejarem sem serem incomodadas. Seguindo o mantra “como é em cima, assim será em baixo” (não temos bem a certeza do que isto quererá dizer, mas soa bem), Guy não tenciona parar de cavar tão cedo — aliás, não tenciona parar nunca. O túnel, com 50 metros de profundidade, ainda se encontra em fase embrionária. O seu derradeiro objectivo é criar um labirinto em expansão contínua que se estenda por quilómetros e quilómetros. Desejosos de prestar homenagem ao Templo e, claro, ver o misterioso túnel com os nossos próprios olhos, encontrámos Guy a beber café com um grupo de viajantes israelitas. Tal como esperávamos, revelou-se uma pessoa extremamente acolhedora e simpática, mas ligeiramente preocupada com o facto de a nossa entrevista poder coincidir com o início do jogo de futebol que ia dar na televisão. Claro que continuámos a fazer-lhe perguntas para poder ficar a falar com ele o máximo de tempo possível. Como é que podíamos deixar de o fazer? Olhem só para ele, é o Rainbow Guy! VICE: Então, há quanto tempo andas a escavar este túnel?
Rainbow Guy: Primeiro tive de terminar o Templo, por isso só comecei a trabalhar no túnel há 15 anos atrás. Se somarmos o tempo todo que gastei realmente a escavar — ou seja, oito horas por dia, cinco dias por semana —, provavelmente, só investi ali cerca de seis meses de trabalho a sério. Pensas atingir algum comprimento concreto?
Isto é uma viagem sem fim. Gosto de pensar que um dia terá quilómetros de comprimento, mas é claro que isso não vai acontecer enquanto eu estiver vivo. Ainda assim, a minha morte não deverá ser um motivo para concluir a construção do túnel, deverá continuar depois disso. O túnel simboliza algum sentimento, tem algum significado, ou estás mesmo a cavar só por cavar?
O túnel complementa o Templo. A ideia é construir um labirinto cheio de ramificações que irão dar a quartos ovais, que poderão ser utilizados para cantar e meditar, para arrumação, para retiros espirituais, para reservas de água e para privação de luz e som. Mas o principal objectivo é a diversão. Isto é uma grande aventura, faz parte de uma campanha de saúde. Já estou com 65 anos de idade e sabem o que diz o ditado: se não usarmos as nossas capacidades, acabamos por perdê-las. Isso é bem verdade. Alguma vez pensaste em entrar para o ginásio, em vez de cavar um túnel?
Sim, mas isto é uma actividade bem mais alegre. Sempre que regresso ao exterior depois de uma intensa sessão no subsolo, sinto-me como se pudesse voltar lá para dentro outra vez. Tenho mais energia ao sair do que ao entrar. A terra recarrega-nos as baterias. Pois. Como é que isso se relaciona com a privação sensorial?
Ouvi dizer que, se passares muito tempo no escuro, longe do som e da luz, o cérebro começa-se a ajustar a essas circunstâncias. O lado esquerdo e o lado direito do cérebro acabam por convergir, deixando de haver barreiras entre eles — não há causa nem efeito. Ao que parece, é uma experiência bastante importante. Não és claustrofóbico, pois não?
Sou, sim. Isso impede-te de usufruir ao máximo do teu potencial como escavador de túneis?
Assegurei-me de que o túnel tinha uma profundidade e largura suficientes para isso não se tornar num problema. Não me sinto claustrofóbico naquele túnel. Noutros lugares sinto, mas ali, não. Já tiveste alguma chatice com as autoridades locais? Imagino que será difícil obter permissão para fazer algo deste género.
Provavelmente já estaria metido em sarilhos se eles tivessem conhecimento do túnel, mas não é esse o caso, por isso está tudo bem. Aqui, basta tirares um macaco do nariz que os gajos da câmara municipal caem todos em cima de ti. Não dá para fazer nada. Há bocado conheci o teu filho e ele disse-me que vê o Templo como sendo um pénis absoluto e o túnel a sua respectiva vagina. Concordas com esta teoria?
Tendo em conta que o Templo é uma estrutura monolítica que se eleva é, de certa forma, um pénis vertical. Está rodeado por um placo, uma área aberta, grande e muito bonita, mas, sim, podemos dizer que é fálico, alto e soberbo. Ainda não foi coroado, mas tenho a certeza que, quando isso acontecer e o Templo estiver terminado, será como uma espécie de orgasmo. E depois há o túnel em si, que, quando lá estou dentro, sinto-me como se estivesse no ventre da terra, tudo o que sinto é amor. Quando estou a cavar, sinto-me abraçado pela terra. Fico coberto de barro e saio todo transpirado. É como se tivesse acabado de passar por uma espécie de transformação ou por uma metamorfose consciente. Sabes porque é que foste tu a receber este chamamento em particular?
Os cientologistas têm uma pergunta: “Se nos encontrarmos rodeados pelo caos, como é que saímos desse caos?” Penso que a resposta é: basta escolher um ponto concreto e começar a partir daí. Este foi o ponto de partida que escolhi — ou que o Universo escolheu por mim — para conseguir sair do caos.