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Sexo

Fotos da vida nos clubes de striptease de Atlanta

Falámos com o fotógrafo escocês Ivar Wigan sobre a sua série fotográfica "The Gods", centrada na cultura e na comunidade hip-hop do Sul dos Estados Unidos da América.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE USA.

São poucos os fotógrafos a quem é permitido fotografar dentro de clubes de strippers, ou captar imagens dos membros do gang Bloods em festas. No entanto, parece que Ivar Wigan, quem sabe por via do seu encanto escocês, tem sempre as portas abertas.

A sua série fotográfica The Gods, é uma celebração da cultura hip-hop e do sentimento comunitário que gira em torno deste género no Sul dos Estados Unidos da América. Captadas principalmente em Atlanta, Nova Orleães e Miami, as fotos de Wigan são provocadoras e envolvidas numa certa atmosfera cinematográfica, mostrando a cultura urbana através de um olhar íntimo e de uma certa admiração.

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Todas as fotos por Ivar Wigan

Wigan nasceu na Escócia e cresceu em Londres. A sua aproximação voraz ao género documental traz-me à memória uma passagem do livro On Photography, de Susan Sontag: "O fotógrafo é uma versão armada do caminhante solitário que atravessa o inferno urbano reconhecendo o terreno, o voyeur de olhar indiscreto que reinterpreta a cidade como uma paisagem de extremos voluptuosos. Adepto do prazer de observar, conhecedor profundo da empatia, este mirone encontra o pitoresco no mundo que o rodeia".

The Gods tem pontos de contacto com o corpo de trabalho anterior de Wigan, como a investigação da África tribal, a cena dancehall jamaicana e as imagens das suas longas viagens pela América do Sul. Até 19 de Junho, a exposição pode ser vista na Little Big Man Gallery (Los Angeles)


Vê: "'Gurls Talk': dançarinas de varão contra o preconceito"


VICE: Porque é que grande parte desta série decorre no interior de clubes de striptease?
Ivar Wigan: Todos os personagens retratados pertencem ao mundo do gangsta rap, uma cultura em que os clubes são local habitual de reunião, quase como se fossem uma igreja. Portanto, muita da actividade, ocorre no interior destes espaços. É ali que todos se reúnem, que os rappers mostram os seus novos discos e os melhores DJs de hip-hop têm as suas residências regulares. Para além disso, muitas das mulheres dessa comunidade têm o sonho de dançar nestes clubes.

Em Atlanta, por exemplo, ser dançarina do Magic City é um símbolo de admiração e respeito de todos, porque as raparigas que o fazem ganham muito mais dinheiro que as pessoas que estão à sua volta. Na maior parte das vezes têm apenas 21 ou 22 anos, mas podem ganhar facilmente cinco mil dólares por noite. Têm carros incríveis e essas coisas. Há muitas miúdas que não vêem a hora de fazerem 19 anos para conseguirem a licença de bailarinas. E, claro, os rapazes querem sair com dançarinas e serem vistos com elas.

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Fico contente de ouvir isso, porque em geral, até em cidades mais tolerantes como Nova Iorque, as mulheres que ganham a vida a tirar a roupa em público continuam a ser bastante estigmatizadas, mesmo quando garantem que o fazem porque gostam.

Sim, em Atlanta ser dançarina não é nada mal visto, mas é certo que é uma atitude que contrasta com a maioria das cidades do Mundo. Eu cresci em Inglaterra, onde os clubes de striptease são considerados antros de perdição, onde vão os velhos para viverem uma espécie de experiência erótica asséptica. Atlanta não tem nada a ver: toda a gente vai a clues de strippers, incluindo casais… uma vez até lá vi um padre. Vês grupos de raparigas, pessoas que vão ver os jogos de futebol, ou basquete, ou até, simplesmente, jantar, porque todos servem comida. E mais pela noite dentro, o ambiente tem tendência a aquecer e toda a gente dança.

Como podes perceber, não tem nada a ver com o conceito de clube de strip em que só estão gajos de aspecto sinistro, sentados a olhar com cara de parvos para as raparigas. É um ambiente bastante animado e misto, as dançarinas são muito jovens e bonitas e têm aspirações saudáveis. É algo muito característico do Sul dos EUA, sendo que Atlanta é o epicentro, mas também acaba por ocorrer em Nova Orleães, Jacksonville, Memphis e um pouco em Miami. Só na a´rea metroplitana de Atlanta há mais de 65 clubes.

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Os personagens das tuas fotografias aparecem como seres heróicos, quase divinos. É intencional?

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Sim. Quero elevar as pessoas da rua ao estatuto de ícones. Outro fotógrafo poderia retrata-los de uma maneira bastante distinta, sob uma perspectiva mais negativa ou condescendente, ou muito politizada, mas eu procuro fazer com que estas pessoas sejam transcendentes, quero fazer retratos bonitos, com os quais eles próprios se identifiquem e de que gostem.

Foi por isso que chamaste à série The Gods?

God é um termo do calão local que se utiliza para denominar os veteranos das ruas, os que sobreviveram à passagem pela prisão. Os mais jovens costumam referir-se a eles como os deuses.

Porque é que te sentiste mais atraído por esta comunidade do que, por exemplo, por algum outro grupo da tua Escócia natal?

Bem, há muitos artistas que se rodeiam de estilos de vida, ou de situações, pouco convencionais, ou exóticos, para conseguirem desintoxicar-se dos convencionalismos a que vivem restringidos toda a sua vida e, assim, conseguirem ver o Mundo sob outra perspectiva.

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Não é muito frequente deixarem tirar fotografias dentro dos clubes de striptease e muito menos aos gangs de rua que os frequentam. Como é que conseguiste captar esses momentos mais privados?

Vivendo uma boa temporada em Atlanta. Quando cheguei não conhecia ninguém. Fui a um dos clubes, porque já tinha ouvido falar do sítio e, além disso, logo quando aterrei disse ao taxista: "Leva-me ao motel mais barato". A partir daí comecei a conhecer a cidade, fiz amigos e integrei-me Passei mais de um ano em Atlanta e durante as primeiras nove semanas não tirei uma única foto; nem sequer tirava a máquina da mochila. limitei-me a percorrer a cidade e a tratar de a entender desde um ponto de vista físico, às suas comunidades e aos seus bairros.

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Quando finalmente encontrei os clubes onde queria trabalhar, ia lá todas as noites, até que me tornei amigo das dançarinas, dos seguranças e dos gerentes. Tudo se resume a fazeres amigos. Dessa forma consegui tornar-me parte desse mundo. Costumava levar o iPad para lhes mostrar as fotos e assim rompia as barreiras e fazia com que percebessem o que estava a fazer.

Definirias a tua obra como retrato, documentário, ou ambos?

Nunca pensei nisso nesses termos. Sem dúvida que há retratos, mas quando conheci os Bloods… bem, um gajo nem sempre tem a oportunidade de sair com os Bloods, pelo que tens que deixar de tentar controlar a situação e centrares-te em fotografar tudo o que possas. Nessa perspectiva, poderia considerar-se um trabalho documental. Mas também não tentei docuemntar tudo, até à última verruga. Mostro, simplesmente, a minha visão do Mundo, deste pequeno bocado de vida que decidi apresentar.

Sobretudo, procurava momentos de luz no meio da tormenta, porque é um mundo muito dramático. A sério, às vezes parece-se muito com a fotografia de casamentos: tento entrar naquele universo e integrar-me na festa, vivê-la, conhecer todos os convidados e fazer algo de que as pessoas gostem e queiram conservar. Sempre que posso, ofereço reproduções das minhas fotos aos protagonistas. Nesta série há um par de imagens em que está muita gente e que não consegui partilhar com todos, mas, no geral, ficaram todos bastante satisfeitos e cada um recebeu a sua cópia.

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Achas que o público branco está mais receptivo a um fotógrafo branco a retratar a comunidade negra?

Diria que não. No Reino Unido não categorizamos os artistas de acordo com a sua etnia, ou raça, por isso essa pergunta parece-me um pouco estranha, pois implica, à partida, uma divisão. Para mim, o tema racial ´e delicado, porque acredito que o Reino Unido seja mais inclusivo. Em muitas festas estive a trabalhar lado a lado com Wayne Lawrence, fotógrafo de origem caribenha, que vive em Nova Iorque. Somos amigos e costumamos trocar impressões sobre o trabalho um do outro. É, provavelmente, o fotógrafo com raízes africanas mais prestigiado dos EUA. Já recebeu inúmeros prémios e tem um reconhecimento generalizado. Eu continuo à sombra de muitos artistas que começaram o seu percurso muito antes de mim. Na sua conta do Instagram, Lawrence define-se como "um ser humano". E é assim que também me vejo. Não acho que o tema da aceitação do nosso trabalho por parte do público tenha alguma relação com a cor da nossa pele.

Até que ponto te preocupa passares a fronteira entre a admiração e o fetichismo, o documentário e a exploração da imagem?

Para mim, o fetichismo tem uma série de implicações eróticas que não vejo neste projecto. Tão pouco creio que a fotografia seja uma forma de exploração, se a intenção final é positiva e serve para gerar beleza duradoura. Que melhor prenda pode haver que retratar alguém e mostrá-la na flor da vida, fazendo sobressair o melhor dela?

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A tua obra é muitas vezes comparada à de Nan Goldin, ainda que as suas imagens sejam mais soturnas que as tuas.

Gosto muito do trabalho dela. Conheci-a em Paris no ano em que comecei a trabalhar nesta área. Comprei-lhe uma reprodução que ainda tenho pendurada por cima da cama. Foi sempre uma fonte de inspiração, mas é óbvio que a sua obra vem de um sítio muito mais obscuro e focada em temas muito mais turbulentos. As minhas fotos podem ter um lado marginal, mas não vejo nelas essa obscuridade. Para mim são mais uma celebração e aí está a diferença. Uma das fotografias mais conhecidas de Nan, por exemplo, é a da mão de uma vítima da SIDA em fase terminal a segurar a do seu namorado. É uma imagem muito potente e tem todo o meu respeito, mas eu nunca a faria, porque não é esse o meu objectivo como artista. Eu procuro coisas para celebrar.

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