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Música

Gerard Way e Geoff Rickly falam sobre as histórias interligadas do My Chemical Romance e do Thursday

Praticamente a história oral do emo. Quer dizer, do pós-hardcore?
Emma Garland
London, GB
Gerard Way e Geoff Rickly

Todas as fotos por Jake Lewis

Gerard Way e Geoff Rickly, os ex-rostos do My Chemical Romance e do Thursday, têm muita coisa em comum. Os dois cresceram em Nova Jersey. Os dois chegaram à fama liderando bandas que mudaram as regras do jogo e surgiram no início dos anos 2000. E os dois se separaram dessas bandas para explorar novas possibilidades. Way agora trabalha só com o próprio nome e está levando sua carreira como artista de quadrinhos para um novo patamar (ele teve sua estreia na Marvel Comics ano passado, com Edge of Spider-Verse nº 5), enquanto Rickly está dividindo o tempo entre suas atuais bandas, United Nations e No Devotion.

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A dupla fez uma turnê pelo Reino Unido com seus novos projetos, com o No Devotion tocando junto com Gerard Way e The Hormones. A história entre os dois é carregada de significado, mas só para dar uma ideia de como ela é significativa para outras pessoas: na noite do show que fizeram em Londres, uma fila de fãs começou a serpentear pelas laterais da Brixton Academy horas antes que as portas se abrissem. Alguns deles até chegaram no dia anterior, e passaram a noite acampados (no que é praticamente uma rodovia, em Brixton, em temperaturas de quase zero grau) só para garantir um lugar lá na frente. Portanto, não acho que seja exagero dizer que algumas pessoas dão tanto valor à música deles que chegam de fato a correr risco de vida só para ficarem mais próximas dela.

Para minha sorte, pude sentar com Way e Rickly (sem correr grande risco de vida) para discutir sobre amadurecer, chutar o balde e deixar para trás os projetos monumentais que lançaram suas carreiras na música.

Noisey: Oi, Gerard. Oi, Geoff. Vocês têm muita história, tanta que você, Geoff, produziu o primeiro disco do My Chemical Romance. Como e quando vocês se conheceram?

Way: Tenho uma memória muito vívida. Você lembra? Eu estava saindo da loja de discos em que o Alex [Saavedra, da Eyeball Records] trabalhava, na Avenida Kearny, e você estava encostado na parede, vestindo uma camiseta preta. Você era magro como um graveto, e parecia que estava morrendo, e tão pálido com esse cabelo preto feito piche.

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Rickly: Meu estilo de vida vegano não estava me caindo bem.

Way: Parecia que ele estava sendo assassinado pelo sol [pausa longa]. E eu achei ele supercool.

Rickly: É engraçado, porque eu lembro de ter encontrado várias vezes antes com o irmão do Gerard, o Mikey, e o Mikey era meio que arroz de festa naquela época.

É, tem uma frase do Geoff, você falando sobre sempre perguntar ao Mikey se o Gerard ainda estava "jogado no sofá de cuecas, comendo sucrilhos e desenhando quadrinhos".

Way: Isso! Era o que eu fazia. Eu na verdade não era nem um pouco sociável. Só ficava lá paradão no escuro fazendo quadrinhos. Cresci sem a luz do sol. A gente vivia num porão, e entrava um raiozinho de luz do sol que me acordava, tipo só uma réstia, e de vez em quando eu me esticava até ela. [Risos] Putz, cara.

Rickly: Lembro de saber que o Gerard fazia quadrinhos, e eu era total um nerd de revistas em quadrinhos, então sempre perguntava ao Mikey, "quando teu irmão vai aparecer?". E ele só falava tipo: "nem tenta, cara, não vai rolar." Mas quando ele finalmente apareceu e eu estava prestes a perguntar sobre quadrinhos, ele virou e disse: "ei, tenho uma banda."

Way: Na verdade não havia banda, só um nome. Mas toquei a “Vampires Will Never Hurt You", nossa primeira música, para o Geoff. Era uma bosta. Lembro de estar sentado lá na Eyeball House, e estávamos próximos das escadas, e todo mundo estava bebendo, e eu lá dedilhando a guitarra dum jeito muito bizarro, tentando fazer com que soasse como devia. Provavelmente era horrível.

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Rickly: É, foi horrível mesmo. E eu fiquei tipo –

"Eu quero produzir o seu disco"?

Rickly: [Risos] Não, aí eu não estava assim de jeito nenhum. Mas o Alex me chamou para comparecer ao ensaio, então eu fui, e fiquei tipo: "o seu baterista é horrível demais." Tenho obsessão por bateristas, é o meu lance. E o Alex diz “beleza, mas o que você achou das músicas?” E falei tipo: "não sei, não ouvi música nenhuma, eu ouvi o baterista errando tudo." Mas enquanto isso eu estava pegando o que sabia sobre o Gerard, pegando a música que tinha ouvido, e imaginando o potencial. Na hora em que cheguei em casa já estava tipo “é, tô dentro.”

O que você lembra de quando fez o primeiro disco do MRC, I Brought You My Bullets, You Brought Me Your Love?****

Rickly: Lembro que a gente chegou no estúdio e esse garoto [gesticula na direção de Gerard] estava muito zoado.

Way: Acho que estava com um abcesso no meu dente ou coisa do tipo, mas na época não sabíamos o que estava acontecendo. Só achava que tinha alguma parada louca acontecendo no meu crânio, tipo, não sabia se eu estava para morrer. Durante todo o processo de fazer aquele disco, senti uma dor constante.

Rickly: Alguém tinha dado para ele um frasco de hidrocodona, não sei se foi um médico ou não, mas quando ele não estava com dor, cantava de um jeito meio preguiçoso. Então tirei a hidrocodona dele e comecei a comer os comprimidos enquanto fazia o disco. Aí ele sentia dor e dizia: "ai, meu dente!", e eu: "vai ficar tudo bem… Você tá mandando… bem demais."

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Way: Naquela época, os comprimidos tinham uma presença muito grande. Quero dizer, hoje também têm, mas lembro que era o que estava sempre sendo passado de mão em mão. Parecia que todo mundo estava sempre tentando descobrir um jeito de arranjar hidrocodona.

Rickly: Parecia isso mesmo, principalmente porque era isso que eu ficava tentando fazer o tempo inteiro. A hidrocodona simplesmente parecia ser muito mais segura, porque vinha num frasco onde tinha escrito o nome da sua mãe, entende? Então devia ser de boa.

Apesar de toda essa hidrocodona, vocês sentiam que estavam aprendendo um com o outro?

Way: Aprendi muito com o Geoff. Ele no palco também tinha uma presença muito imponente. Havia uma dinâmica genuína quando o Thursday tocava, e o lance todo era a dinâmica. Eu nem chegava perto de ser tão cool. Digo, o Thursday até hoje é a minha banda ao vivo favorita de todos os tempos. Sem dúvida. E acho que aprendi em que sentido eu era diferente também, ao ver eles tocando.

Rickly: Com certeza. Desde o Bullets e no caminho para Three Cheers For Sweet Revenge, lembro de ver o Gerard passando por diferentes estágios. Tipo, teve o "Gerard bêbado insano", e aí começaram a rolar umas brigas, e então a gente não tocou juntos por um longo tempo. Então viemos para a Inglaterra para a turnê do The Black Parade, e com o tempo que passou, do nada eu vi que ele agora era um frontman no sentido pleno do termo. Fiquei realmente impressionado. Ele era tão imponente, uma figura tão carismática.

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Então o Thursday e o My Chemical Romance surgiram meio que ao mesmo tempo, e sempre havia a impressão de que vocês e o Taking Back Sunday eram parte de uma grande cena, e havia quase que uma irmandade. Foi assim mesmo?

Way: Com certeza foi, mas até chegar nesse ponto levou um tempo. Era como se todo mundo estivesse em diferentes grupos. A gente era amigo do pessoal do Thursday, mas era só isso.

Rickly: É, durante um tempinho foi tipo: Taking Back Sunday? Sério? Você tá tentando surfar na nossa onda? O que tá havendo aqui? Mas daí tudo mudou.

Way: Eu me lembro disso tudo. Até mesmo a parada de balançar o microfone – tipo, teve um dia que o Geoff simplesmente começou a balançar o microfone, e aí todo mundo começou a fazer isso também. Foi ridículo. Ouvi histórias de que o Geoff chegava para ver show e na primeira música o nego balançava o microfone, e Geoff pegava e ia embora na hora. Todos eram pioneiros tentando fazer um monte de coisas desse tipo, então se alguém roubasse a sua parada – até mesmo usar esmalte preto nas unhas – você ficava puto pra caralho.

Rickly: Foi tipo, daqui a dois anos, quando todo mundo souber que eu inventei esse negócio, vai em frente e copia, porque todo mundo vai saber que é um lance meu, mas não quando todos somos novidade, e qualquer um poderia pensar que foi você que inventou aquilo. [Risos]

Way: A vibe era exatamente essa, e foi disso que começou realmente a surgir uma irmandade. A gente topava com esses caras num show – tipo, no show de outra banda, que é como a gente sempre se encontrava – e pensava: na verdade eles são bem massa. Lembro daquele show beneficente em que tocaram Saves The Day, Taking Back Sunday e Thursday, e dava para sentir que se formava uma amizade geral. Foi incrível.

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Quais são suas obras favoritas um do outro?

Rickly: The Black Parade provavelmente é uma das melhores coisas que o My Chem já fez. Lembro de estar lá. Lembro de estar lá com vocês na turnê e ver na rua principal que todas as lojas estavam vendendo roupas do The Black Parade, e até aquele momento eu simplesmente não sabia que ele estava influenciando a cultura em todos os níveis.

Way: A minha história insuperável do Thursday é ver a banda tocar no Loop Lounge. Tucker tinha acabado de arranjar a sua bateria laranja, e eles faziam sucesso demais para estar tocando ali. Poderiam tocar em qualquer hall, e centenas de garotos não conseguiriam entrar, seria como uma cenade multidão na rua, de garotos que não conseguiram entrada. Então, poder ver eles tocando naquele bar, num ambiente muito intimista, foi nesse momento que eu pensei: é isso. Sabe quando as pessoas falam do momento em que uma banda mudou a sua vida? Esse foi o meu. Na época eu não tinha uma banda, estava só desenhando camisetas, mas fiquei tipo: "é isso. Eu tenho que fazer isso."

Do que você gostava tanto no Thursday, como o aspirante a músico que era na época?

Way: O Thursday começou como uma banda muito emotiva e se tornou uma banda muito interessante, e essa foi uma das minhas coisas favoritas na maneira que eles evoluíram. Mas, por motivos nostálgicos, sempre foi “Cross Out The Eyes". Se as pessoas quiserem falar de "emo", essa é a música. É um hardcore emotivo. Eles estavam passando aquele vídeo na MTV numa época em que não colocavam ninguém mais. Era aquela porra de nu-metal e "Cross Out The Eyes". Tem uma frase de uma conversa com Brian Eno falando sobre David Bowie, e ele disse que, depois do Ziggy, o que Bowie parecia estar tentando fazer era escapar da dinâmica de uma carreira de sucesso. E foi sempre essa a impressão que o Thursday me passava. Quando aquele momento na MTV aconteceu, era quase como se eles não quisessem aquilo.

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Rickly: A gente nunca sabia o que queria. A gente lutou pra caralho. Essa é a única coisa em que não posso acreditar agora que estou numa outra banda, é tipo, é estranho não lutar, né? Para War All The Time, que é um dos maiores discos que a gente fez, fomos para a Austrália pela primeira vez, e estávamos fazendo shows imensos, e tivemos um acidente de avião na hora do pouso. E foi uma experiência muito esquisita. Naquele ano eu tinha tido sete dias de folga, quase tinha morrido, e a primeira coisa que o representante da gravadora disse para mim foi: "pena que você não morreu, que aí a sua fama ia ser sem limites!" Algumas pessoas realmente pensavam assim, que eu não era nem um ser humano. Esse foi um gigantesco momento decisivo na nossa carreira, em que falamos tipo: não, desse jeito não mais.

VÍDEO 2

Foi difícil para algum de vocês dois tentar se separar das bandas gigantescas que segundo a maioria das pessoas definem vocês enquanto músicos?

Rickly:Acho que isso seria difícil para qualquer um. É meio o que torna a coisa divertida também, mas, como você disse, elas nos definem, sabe? As pessoas conhecem o Gerard Way por causa do My Chem e vão me chamar de "Geoff Thursday" para sempre.

Way:Penso muito que grande parte do My Chemical Romance era definido pela minha tentativa de aprender como aceitar as coisas. Simplesmente ficar tipo: "quê? sim, eu fiz isso, e The Black Parade foi foda". Desde que acabou, aprendi a sentir muito orgulho. Então hoje eu subo lá e tem uma vibe entre mim e o público de que eu sinto orgulho do My Chem, e que está tudo bem, e que todos que estamos aqui compreendemos que eu não faço mais aquilo.

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Rickly: Certo, então você não está no esquema de "já superei aquele negócio."

Way: Isso. Até mesmo a decisão de não tocar músicas do My Chem foi muito calculada. Não parecia certo. Um dia eu talvez possa tocar uma ou duas, quem sabe?

Acho que o que há de comum entre vocês é que os dois são polivalentes. Cada um tem os dedos enfiados em várias tortas diferentes – quadrinhos, arte, composição, espetáculo – e não se limitam a uma coisa só. Existe alguma coisa que algum de vocês gostaria de fazer, mas ainda não teve oportunidade?

Way: Já pensei em talvez escrever um livro. Acho que os quadrinhos e a escrita são um caminho para que eu, de certa forma, não fique só concentrado em mim mesmo. Com eles não sinto que o principal sou eu. Eles permitem que eu seja uma pessoa diferente.

Rickly: O The Umbrella Academy [uma série de quadrinhos criada e escrita por Way] me fez voltar para os quadrinhos. Eles me empolgaram muito, mas não era de modo algum como o My Chem. Tenho amigos muito mais velhos que são loucos pelos quadrinhos de Gerard. Eles acham que o My Chem é coisa de criança, mas tipo, caralho, que escritor foda. E acho que isso é uma mostra do valor da arte dele.

E Geoff, você fez com que o Ricky Eat Acid remixasse uma faixa do No Devotion e saiu uma coisa bem experimental e estranha, então isso é algo que você gostaria de fazer?

Rickly: Ah, meu Deus, eu adoro tanto aquilo. Sabe, é uma daquelas coisas que, agora que estou me dedicando integralmente a fazer uma gravadora quando estou em casa, uma das coisas que comecei a aprender é que tenho certos pontos fortes, e a eles posso me dedicar, e daí eu vou poder ajudar as pessoas que fazem coisas que eu amo, e posso ter orgulho dessas coisas como se elas fossem minhas. Tipo, todos os sucessos que Gerard teve? Eu me orgulhei deles como se fossem meus, porque no início eu ajudei e sempre estimulei esse amor. E com a coisa do Ricky Eat Acid é tipo, ainda posso me dedicar a coisas assim, mas não é necessário que eu seja o centro, e é nessa direção que eu tenho rumado atualmente. Conheço meus pontos fortes, sei qual é a minha voz, é um negócio que tem que vir do coração.

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