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Música

A Gloriosa Ressurreição do Carcass Depois de Anos na Cripta

"Que tipo de idiota formaria uma banda de death metal achando que tem xoxota no meio disso", WALKER, Jeff.

O ano de 2013 foi de sucesso para o Carcass, coisa que parecia extremamente improvável alguns anos atrás. Apesar de a banda ter voltado em 2007 pela primeira vez desde a separação, em 1996, ninguém estava na expectativa de um novo álbum, em grande parte porque os dois principais membros, o baixista e vocalista Jeff Walker e o guitarrista Bill Steer disseram que não ia rolar. O fato de os membros da banda terem mudado de ideia e gravado um álbum novo, o Surgical Steel, não é pouca coisa, uma genuína cause célèbre para fãs antigos de metal extremo.

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Qualquer pessoa que tenha tachado o Carcass de vendido ou hipócrita rapidamente mudou o tom ruidoso depois de escutar o disco novo, uma torrente incendiária de death metal na sua cara, arranjos habilidosos e fúria rouca. Com dois terços da formação original do Carcass presente e motivada, por que alguém esperaria menos? Na semana do lançamento, Surgical Steel estreou na 41ª posição das paradas da Billboard, vendendo 8.500 cópias e esgotando ingressos para shows em um monte de clubes de rock pequenos por todo os EUA.

Para quem não sabe qual é a importância do Carcass para o metal, a banda desbravou o grindcore nos anos 80 e estourou as portas do metal extremo com vendavais de barulho, berros de guitarra, explosões e pancadaria e vocais rosnados que influenciaram todo mundo, de Cannibal Corpse a Nasum. O título das músicas do Carcass vinha de frases tiradas de textos médicos, como por exemplo “Swarming Vulgar Mass of Infected Virulency” (“Enxame de Massa Vulgar de Virulência Infecciosa”) e “Lavaging Expectorate of Lysergide Composition” (“Expectoração e Lavagem de Composto Lisérgico”) e atacava o ouvinte com níveis até então inéditos de murmúrios distorcidos e velocidade indomável (antes, o Steer tocava no Napalm Death). Depois de dois álbuns de imundície vulcânica e baixa qualidade de produção, Reek of Putrefaction e Symphonies of Sickness, o Carcass foi aos poucos aprendendo a tocar com um novo nível de agilidade, exposta nas tempestades técnicas de guitarra de Necroticism – Descanting the Insalubrious, de 1991, e no mais lento e melódico Heartwork, de 1993.

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Parecia que ir com calma era diametralmente o oposto do caos e da agitação que o Carcass adotou da sua formação, em 1985, até o momento da primeira separação, em 1995, por causa de diferenças musicais e pessoais. Mas a única forma de uma reunião do Carcass acontecer com força total era se os membros se envolvessem nisso como um velhinho que vai entrando bem devagar numa piscina gelada. Eles precisavam se aclimatar e evoluir a passos lentos, se adaptando e seguindo até submergir completamente. Recentemente o Walker contou ao Noisey o que foi necessário para retomar as engrenagens da máquina de death metal do Carcass e como suas rodas ramificadas tomaram conta da vida deles quando começaram a girar.

Noisey: Vocês voltaram com o Carcass em 2007 depois de um hiato de 17 anos e fizeram uma grande turnê de reunião. Houve algum momento de relutância em fazer isso? Teve que rolar violência para convencer alguém?
Jeff Walker: É, com certeza eu tinha dito que nunca ia acontecer – principalmente à luz do fato de que o [baterista] Ken [Owen] não podia mais tocar na banda. Aquilo para mim tinha sido o ponto final.

O que fez você mudar de ideia?
Eu estava fazendo shows com o Brujeria desde 2006, viajando e vendo como a cena tinha crescido, e comecei a perceber que, por mais que fosse divertido tocar com o Brujeria, eu tinha uma história com uma banda muito popular. Mas achava que poderia sempre contar com a recusa do Bill Steer para um convite, então nunca tive que pensar muito nisso. Voltando a quem pode levar o crédito por isso, é o [ex-guitarrista do Carcass] Mike [Amott]. Ele queria muito fazer isso. Na verdade, ele abordou o Bill em Halstead, onde o Mike morava. O Bill estava lá tocando com o [baterista do Spiritual Beggars e Firebird] Ludwig [Witt]. O Mike chamou o Bill para ir ao apartamento dele e enfiou uma guitarra na mão dele, daí os dois resolveram improvisar com uns riffs antigos. As lembranças voltaram transbordando no Bill. Então o Mike disse que colaborou nesse sentido – foi tipo uma armadilha.

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O que transformou aqueles embriões de ideias em uma reunião completa?
Quando eu tocava com o Brujeria, vi o Emperor no Key Club [em West Hollywood] quando eles se reuniram. Mandei uma mensagem para o Bill na mesma noite e disse uma coisa muito, hm… Sem querer desrespeitar o Emperor, mas mandei a seguinte mensagem para o Bill: “Vai, vamos nos reunir. A gente é tipo o Thin Lizzy comparado com isso”. Não é para parecer arrogante, mas eu pensei: “Caramba, o Carcass é tão venerado e tão respeitado”. Eu via outras bandas se reunirem e como essa volta era bem-sucedida e pensei, bom, a coisa do Carcass poderia facilmente dar certo assim, ou até mais. A essa altura só faltava convencer o Bill.

Que tipo de substância ou controle mental vocês usaram para convencer o Bill?
Simplesmente esperei o tempo dele. Primeiro começamos a fazer alguns shows de reunião em 2008 e o Bill ficou surpreso pela adulação que a banda recebeu. Acho que ele não entendia muito bem o tamanho do impacto que o Carcass teve na cena do metal. Ele nunca pensou que o nosso público pudesse ser tão grande e acho que isso foi chocante para ele, mas ele gostou.

Foi bom estar juntos de novo?
É, quer dizer, era esse o motivo para tudo aquilo, independentemente de qualquer implicação financeira. As pessoas obviamente pensam que fizemos pelo dinheiro. É claro, isso foi muito sedutor, mas não fazemos nada que não gostamos. Paramos com a banda uma vez em 1986 porque não estava mais divertido. Precisamos manter a diversão agora. Depois de fazer nosso último show pela turnê de reunião em Atlanta em agosto de 2010, o Mike deixou bem claro que não tinha mais nenhum interesse em fazer show com o Carcass no futuro porque queria tirar o Arch Enemy do hiato. É justo, porque a gente nem tinha mais show agendado. Mas na lógica, o próximo passo, se era para o Carcass ter algum futuro, seria fazer um álbum novo.

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Foi unânime a decisão de compor o Surgical Steel?
Nosso último show da turnê de reunião foi em agosto. Dois meses depois, o Bill me ligou e disse: “Está a fim de ir para a sala de ensaio?” Eu nunca tentei coagir ou fazer queda de braço com o Bill porque sabia que não funcionava. Naquele momento, eu, particularmente, precisava mudar de ideia. Quer dizer, dava para alegar que seria impossível fazer um disco do Carcass de verdade sem o baterista Ken [Owen] porque ele sempre foi um elemento muito importante do nosso som, desde o começo. Na verdade, quando fizemos a reunião original, a justificativa moral para mim era que nunca fizemos nada pelo Ken quando ele ficou doente [e teve uma grave hemorragia cerebral em 1999]. Cacei a [gravadora] Earache até o último centavo que ela devia ao Ken e consegui tirar isso dela, mas nunca fizemos nenhum show beneficente. Eu justifiquei a turnê para mim pensando: “Bom, se dermos parte dos lucros dos shows para ele, ia ser legal, uma ação de caridade”. Então foi isso que fizemos, e foi isso que tornou a reunião palatável para nós no começo.

O Ken ainda precisa de cuidados médicos?
Ele tem um amigo próximo que é pago para cuidar dele. É tipo um enfermeiro em casa. O Ken comprou uma casa com [o dinheiro da turnê que demos para ele], então conseguimos dar a ele um pouco de segurança para o futuro.

Qual o grau de debilitação do Ken neste momento? Ele consegue andar? Consegue tocar bateria?
A lesão causou um dano na parte do cérebro da memória de curto prazo. Ele se lembra vividamente de coisas de dez anos atrás, mas parece bem esquecido, por causa do que aconteceu com o coma e as operações. E fisicamente, ele não está 100%. É como se ele tivesse tido um derrame. Não teria como ele tocar no Carcass hoje.

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Quando o Ken teve a hemorragia cerebral, o Carcass já tinha terminado, mas você estava tocando com ele no Blackstar. Como você descobriu a doença dele?
Nosso antigo empresário, o Martin, me ligou. Fiquei muito chocado, mas sou um filho da puta de coração gelado [risos]. Fomos visitá-lo, ele estava em coma no hospital e parecia que ia morrer. Provavelmente chorei todas as lágrimas do meu corpo naquele dia que o vi pela primeira vez, porque qualquer coisa depois daquilo foi… só tinha como melhorar porque ele não morreu. Ele fez duas neurocirurgias e ficou um tempo em coma, e conseguiu superar tudo isso. Ele ainda é o mesmo cara, só está com a força física e mental um pouco afetada. Mas ainda é a mesma pessoa.

Voltando para o presente, o Mike Amott decidiu continuar no Arch Enemy em vez de se envolver com o Carcass. Por quê?
O que ele disse foi: “Vou estar muito ocupado para comprometer tempo com qualquer coisa. Façam aí o que vocês quiserem”. Não foi como se o Mike, naquele momento, estivesse tomando uma decisão consciente de não fazer um álbum novo com o Carcass porque essa opção nunca tinha sido discutida. Quer dizer, se tivesse sido discutida na sala de ensaio, o consenso original seria: “O som está ótimo, mas não vamos estragar o legado fazendo outro álbum”. Eu teria assinado embaixo. Sou idealista. Nunca quis que o Clash voltasse, o que mostra que eu sou um puta hipócrita [risos]. O Mike basicamente conseguiu o que queria com a reunião, seja dinheiro ou credibilidade. Não olhamos para além daquela temporada em que fizemos os shows de reunião. Em algum momento, o Bill entrou em uma jornada musical que o levou desde os anos 20 e 30 e as origens do blues e do rock and roll até tudo que se seguiu. Agora a cabeça dele voltou para onde estava quando era adolescente. Ele renasceu na no New Wave of British Heavy Metal. Sua jornada musical fez o círculo completo, e foi no momento perfeito. Então quando ele disse que a gente devia fazer outro disco, eu também estava lá.

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O Carcass é pioneiro do goregrind e inspirou muitas bandas a escreverem sobre cenários vis e repugnantes. Você tem orgulho disso?
Até certo ponto, mas algumas pessoas não entenderam a questão, sexualizando a violência ou sendo nojento só por ser. Tudo que a gente fazia com o Carcass sempre tinha alguma reflexão por trás. É fácil ser chocante, né? É fácil dizer coisas horríveis. Eu gostaria de dizer que a gente fazia com um senso de humor.

Qual é a coisa mais chocante que você já viu uma banda fazer ou cantar?
Não me vem nada à mente. Nada mais choca. Nosso primeiro álbum, o Reek of Putrefaction, foi, por falta de termo melhor, chocante. Agora ele parece inofensivo para mim. A cultura chegou a um ponto tão extremo que as pessoas estão insensíveis a assuntos explícitos. E se querem ver coisas extremas, é só entrar na internet e ver uma pessoa sendo decapitada. Algumas coisas são de mau gosto, mas não são necessariamente chocantes. É muito fácil compor uma música sobre esfaquear a vagina de uma mulher. É idiota. A vida real é muito mais perturbadora.

Como é uma groupie do Carcass?
Normalmente homem ou gorda. Gente que você não quer levar para a cama.

Então, diferente do Lemmy e do Gene Simmons, vocês não entraram nessa pelas xoxotas?
Que nada. Que tipo de idiota formaria uma banda de death metal achando que tem “xoxota”, como você colocou, no meio disso. Você faz porque é uma porra de um desajustado social e adora a energia da música. A motivação das pessoas da nossa geração era a música. Olha que tristeza – sentado no quarto quando a gente devia estar tendo vida social?

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Muitas bandas dos anos 80 voltaram e fizeram álbuns medíocres. Isso não aconteceu com o Carcass. O Surgical Steel é um monstro que incorpora muito da brutalidade do death metal que vocês trouxeram para a cena no início, com o melodicismo técnico enfatizado nos últimos álbuns. O Surgical Steel surgiu naturalmente ou vocês sentaram e pensaram: “Porra, o que é que a gente vai fazer?”
Não, foi fácil. Se fosse difícil, seria um sinal de que a gente não deveria nem tentar. O processo criativo não deve ser uma batalha. Se for uma batalha, significa que você está sem ideia. De certa forma, a gente se sentiu como na época do nosso primeiro álbum. Estávamos sedentos, tínhamos que provar alguma coisa. A gente não queria cagar no nosso legado, mas logo no começo ficou claro que isso não ia acontecer. O Bill é o meu guitarrista preferido da nossa geração e quando o vejo tocando um riff bom, isso me inspira como fã. Tem riffs que ele escreveu neste álbum que deixam os pelos da minha nuca de pé.

O baterista Dan Wilding, que toca no The Order of Apollyon e no Trigger the Bloodshed tocou no Surgical Steel. Como você o encontrou? Foi fácil encaixá-lo no molde do Carcass?
Ele tinha 18 anos, tocava com o Aborted e tinha interesse em tocar com a gente quando voltamos com a banda. O Bill gostou do jeito que ele tocava, então quando ficou claro que íamos fazer um disco, parecia uma escolha natural. Ele se encaixava. Ele não cresceu tocando no estilo do Carcass, mas se adaptou para se encaixar com o que fazemos. Ele é incrível. Tem metade da nossa idade, mas não fica bajulando, tipo: “Sim, senhor, não, senhor, três reais, quatro, senhor”. Ele tem sido importante para o processo criativo.

Vocês não tinham uma gravadora quando começaram a fazer o Surgical Steel.
Não. Acho que isso tem mais impacto e credibilidade e prova que é mais uma declaração artística para nós fazer desse jeito em vez de deixar alguém balançar a cenoura na nossa cara. A gente poderia facilmente ter conseguido um acordo adiantado. Mas o meu lado cínico sabia muito bem que a gente teria uma posição mais forte quando estivesse com o material para as pessoas ouvirem. A gente não queria entregar um peru como certas bandas que foram atrás de conseguir dinheiro adiantado. Gosto de acreditar que poderíamos ter lançado esse álbum por conta própria e ganharíamos mais dinheiro. Mas o importante para mim são as pessoas escutarem o álbum e a distribuição da gravadora é melhor. Nem tudo gira em torno de dinheiro. Tenho um ego e no fim das contas, quero ver o disco nas paradas. Vejo outras bandas que são mais fracas no Top 50 da Billboard e penso: “Bom, a gente fez um álbum bom pra caralho.”

Vocês começaram essas músicas com novas ideias ou disseram: “Foda-se, vamos ser o Carcass mesmo”?
É uma continuação do que estávamos fazendo antes. Acho que pegamos – sem sentar e analisar todo o catálogo – o melhor dos últimos cinco álbuns, juntamos tudo e fizemos uma massa nova. Só porque não tem a produção horrível do Reek of Putrefaction, não significa que não tenha riffs no Surgical Steel que não ficariam deslocados no Reek of Putrefaction. E isso vale para toda a nossa discografia. Tem riffs nesse álbum que poderiam ter aparecido em qualquer um dos nossos álbuns. Não é revolucionário, mas é bem difícil depois de 17 anos… Quer dizer, o que é que a gente devia fazer, aparecer com uma porra de uma sequência programada e teclado e drum machines e coisas que não nos interessam? A gente não queria reinventar a roda, só queria escrever um grande álbum.

Jon Wiederhorn não começou a escrever sobre bandas de death metal por xoxotas. Siga-o no Twitter – @louderthanhell