O estranho fenômeno de tatuar si mesmo no futebol

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VICE Sports

O estranho fenômeno de tatuar si mesmo no futebol

Uma breve investigação sobre o ato de fazer autoreferência no próprio corpo.

D'Alessandro e D'Alessandro. Foto: Reprodução/Facebook

As tatuagens dos boleiros representam um universo muito particular. (Eu até tinha uma frase mais legal para iniciar esse texto, mas achei que, sei lá, esse clichê jornalístico ornaria melhor com os Carpe Diem, os sinais religiosos, os nomes em letra cursiva e os lobos uivantes pelos corpos dos atletas. Não?)

Dá para sacar que a maioria dos caras não preza pela originalidade na hora de escolher os desenhos. É de se esperar. Eles não têm tanto tempo livre assim e, convenhamos, nenhum deles gostaria de ser acusado de se preocupar mais com os desenhos do corpo do que com o rebaixamento do seu clube ou, vá lá, com as baladas.

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O mais impressionante, porém, é que, por mais que os jogadores venham de países e culturas diferentes, eles influenciam uns aos outros com suas estéticas peculiares. Há claros padrões que se renovam a cada temporada. Hoje todos parecem curtir imagens batidas como o rosto plácido de Jesus, coroas, asas na parte de trás do pescoço (acho que essa é invenção do Beckham) e muitas, muitíssimas frases de efeito inspiradas, acredito eu, nos cartazes das traseiras de caminhões da BR-116. A gente entende essas tattoos de nicho (pertencimento, status, aquela coisa) e, com exceção das de autoajuda do Neymar e do Thiago Silva, até curtimos. Mas a real é que, de uns tempos para cá, temos investigado um modismo mais fascinante e sincero no quesito tatuagem de boleiro: a autorreferência. Caso nunca tenha visto, a gente explica: é o ato de tatuar o próprio rosto ou o próprio nome no próprio corpo. Leia também: Tatuagens das torcidas organizadas do Brasil

Não é só muito amor próprio. É, ao que parece, uma forma de se projetar como ídolo e nunca se esquecer de que a sua identidade, na verdade, deve estar associada àquela persona que os torcedores enxergam como ser especial, um semideus. Afinal, ao estarem inseridos num microcosmos que os incentiva a dirigir carros luxuosos e a sair com as mulheres mais desejadas do mundo, os jogadores precisam se lembrar a todo instante que, bem, não são meros mortais. Devem ser eternos.

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Claro que nem sempre a tattoo fica legal, mas nunca é um ato vazio por si só. Pelo menos é o que achamos. Com a missão de tentar explicar esse fenômeno, reunimos, abaixo, algumas das tendências mais interessantes das tatuagens autorreferentes dos craques.

Nomes de si mesmo como autoafirmação social
Lá fora virou moda esse papo de escrever o nome no próprio corpo. Há uma explicação filosófica (eles precisam lembrar quem são e para onde vão a todo instante) e outra médica (muito têm memória ruim e às vezes esquecem do nomes de batismo). Nenhuma delas nos convence. Talvez a verdadeira razão seja a vontade deles de possuir algo escrito na pele e não saber o que dizer na hora da sessão da tattoo. Manja aquele branco que dá na hora de uma prova dissertativa? Meio que isso, mas com agulhas. O meia-atacante alemão Marco Reus, um grande exemplo, mandou ver na pele o primeiro nome e, em vez de colocar números mais relevantes como 7 e 1, colocou ao lado sua data de nascimento, 31 de maio de 1989.

Já seu colega, o ganês naturalizado alemão Jerome Boateng, além de ter tatuado a taça da última Copa, rabiscou também seu segundo nome AGYENIM no antebraço direito. Dá para entender. Ele associou seu desconhecido nome de origem africana ao símbolo da conquista mundial. Tem algo de bonito e familiar nesse ato de transferência. Se estivéssemos no elenco alemão que esteve no Brasil durante e depois do Mineiraço, faríamos o mesmo.

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Nomes de si mesmo como arma de sedução
Outro que meteu nomão bonito no corpo foi Antonio Nocerino, o volante italiano. Ele escreveu ANTONIO e, de quebra, botou o número 23 de sua camisa nas costas, bem acima do cóccix. O espanhol Cristian Tello, aquele que passou pelo Barça e hoje está no Porto, escreveu bem grandão seu nome na barriga, abaixo do umbigo. É algo que, a julgar pela região, serve de aviso para as pessoas com as quais ele se relaciona carnalmente. Algo como: é o Cristian, aqui, beleza? O Cristian, babe.

Retratos de si mesmo para lidar com o fracasso pessoal
Mauricio Pinilla, o homem que quase fez um gol contra o Brasil na Copa do Mundo do ano passado, tatuou um desenho de si mesmo nesse momento bem mais ou menos da história do futebol. O resultado ficou quase bom. O chileno, além de escrever o já batido "Blessed" de um lado da testa e "For Life" do outro, gravou uma espécie de foto do seu chute no travessão acima da frase One centimeter from glory (Um centímetro para a glória) nas costas.

Se Pinilla tivesse acertado aquela bola no último minuto da prorrogação, teria virado herói nacional, levaria o Chile às quartas-de-final e nunca mais pagaria um PF em nenhum restaurante do país. Como ele carimbou a bola no travessão, o máximo que conseguiu foi essa autorreferente tatuagem. Tem algo de autopunição. É como se ele usasse a imagem para se lembrar que precisa treinar mais e mais. Lembre-se do erro sempre para, um dia, acertar. Tipo isso.

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Foto: Reprodução/Instagram

O rosto como projeção do ídolo de si mesmo
A mais recente conquista para as metatattoos foi riscada no final do ano passado na lateral esquerda da barriga do camisa 10 do Internacional, o D'Alessandro. Além da estrelona no cotovelo, o sagrado coração de Jesus no braço, o rosto de uma criança no peito e mais uma pá de desenhos, o jogador desenhou seu apelido DALE em que a letra D faz parecer um número 10. No lugar da apóstrofe de seu nome tem outra estrela e, para completar, há seu rosto sorridente e vitorioso. Esse é o caso clássico do ídolo de si mesmo, muito comum no jornalismo e em outras áreas de ciências humanas, inclusive.

Foto: Vertigem Tatoo/Divulgação

A autorreferência como transgressão
O Jobson é um dos caras mais zikas do futebol brasileiro. Ele nunca escondeu que seu lance não é fazer pose como a maioria dos seus colegas. Chegou cheio de marra ao Botafogo em 2009, fez uns gols, provocou e, vocês devem saber, o doping deu uma atrasada no seu lado. Ele passou também por Atlético-MG, Bahia, Barueri e voltou ao Fogão no ano passado. Farreou. Curtiu demais. Foi transgressor por onde passou. Hoje, depois de repetidos casos de indisciplina, o atacante tá sem nenhum clube. É o retrato da tattoo autoreferente que mandou fazer em 2012 — uma das mais honestas da história do esporte, diga-se. Na parte de dentro do braço direito, ele mandou um "JOBSON VIDA LOKA 11" em que só lemos verdades.

O autotítulo como forma de aumentar a confiança
Madson não tem tamanho nem pra ir à montanha-russa do Playcenter (Sdds Noites do Terror), mas foi chavoso o suficiente para meter uma das tattoos mais sensacionais do futebol mundial. Em seu antebraço direito, ele escreveu MADSON O FODA, numa clara demonstração de confiança e amor próprio. Em entrevista para a Placar em janeiro de 2009, ele confessa a origem de tal homenagem a si mesmo: "Era para ser 'o fera', mas na hora me empolguei".

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Foto de si mesmo para aumentar conquistas
Lucas Lima comeu a bola em 2015. Principal jogador do Santos na temporada, o meia foi convocado pela primeira vez para a seleção brasileira e, depois do vacilo na Copa do Brasil, ficou mesmo só com o título do Paulistão desse ano. A conquista estadual, porém, foi parar na pele do camisa 20 santista. Responsável por bater o último pênalti da final do Paulistão, imortalizou o momento numa parte do corpo que ainda não deu pra sacar direito (parece a perna). Em preto e branco, numa técnica realista, está ele beijando a redonda antes da penalidade. Jogou pra torcida.

Nome de si mesmo por ser um mito de verdade
O mito. A lenda. O último dos imperadores da boleiragem moleque, da baladinha de domingo, do treino de ressaca na segunda: Adriano, o menino monstro da Vila Cruzeiro. Seu antebraço direito, aquele mesmo que usava pra se proteger dos zagueiros, tem escrito seu nome ADRIANO. O jogador mais ex-jogador do Brasil possui um filho chamado Adriano, o Adrianinho, e a tattoo pode ser uma homenagem ao rebento. Afinal, ali juntinho está escrito Sophia, o nome de sua outra filha. De qualquer jeito, é uma maravilha. E a real é que, se a gente fosse o Adriano, tatuaria Adriano em letra cursiva e com o rosto no próprio peito. Aliás, por que não?