Guia Noisey para curtir um Jawbreaker

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Guia Noisey para curtir um Jawbreaker

Fizemos um intensivão para você sacar uma das bandas mais subestimadas (e recém reformadas) do punk.

Matéria originalmente publicada no Noisey US.

A carreira do Jawbreaker foi construída com base em tensão pura. Por mais que o fim da banda em 1996 tenha entrado para os anais da história punk, motivado por um lançamento em uma grande gravadora que deu errado ( Dear You de 1995) e uma discussão que terminou em porrada entre o vocalista e guitarrista Blake Schwarzenbach e o baixista Chris Bauermeister, não era a primeira vez que a banda encerrava as atividades. Lá em 1990, pouco antes do lançamento de seu disco de estreia Unfun, o Jawbreaker saiu em turnê durante o verão inteiro com o Econochrist, turnê esta que ficou conhecida como "Fuck 90". Foi tão brutal que, de acordo com relatos de todos os lados, restando semanas de estrada pela frente ainda, Bauermeister parou de falar com Schwarzenbach e com o baterista Adam Pfahler. Quando voltaram para casa, decidiram acabar com a banda.

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Óbvio que o tal término não durou muito tempo, e passado um ano, o trio se mudaria para o Mission District de San Francisco com a ideia de botar o Jawbreaker pra frente de vez. Em meio à fértil cena punk fomentada por casas noturnas DIY como o 924 Gilman Street, lar de nomes como Operation Ivy, Crimpshrine e Green Day, o Jawbreaker dedicou os próximos cinco anos de sua existência a compor, gravar e cair na estrada da maneira mais intensa possível. Foi nesta época que a banda lançou mais três discos de estúdio — Bivouac em 1992, 24 Hour Revenge Therapy em 1994 e Dear You em 1995 — tudo isso enquanto participava de splits e coletâneas.

A natureza prolífica do Jawbreaker e sua intensa ética de trabalho fizeram com que a banda acabasse fazendo os shows de abertura da turnê In Utero do Nirvana, feito que parecia absurdo para os fãs e amigos do trio. Todos começaram a acreditar que o Jawbreaker seria a próxima grande banda a sair do cenário DIY e estourar em uma gravadora grande. Por mais que isso tudo soe bizarro agora, levando em conta a forma como Schwarzenbach falava da independência da banda, inclusive metendo o pau em selos e gravadoras punk "corporativas" como a Epitaph Records, a divisão entre grandes e pequenas gravadoras importava naquele momento, mas após o lançamento de 24 Hour Revenge Therapy, a banda já estava à beira do colapso e em um último esforço pra segurar as pontas, assinaram com a Geffen Records e lançaram Dear You em setembro de 1995.

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O resultado foi confusão irrestrita e sem limites. Durante os shows de lançamento do disco, o público dava as costas para a banda quando tocavam as faixas de Dear You. Ao mesmo tempo, Bauermeister se afastava de seus colegas. Poucos meses depois, ele e Schwarzenbach sairiam novamente na porrada, e ao fim da tour, dariam cabo de tudo. As duas décadas seguintes de silêncio serviram só para adicionar à mitologia da série. Agora em 2017, o Jawbreaker voltou — pelo menos por enquanto — dando a todos a chance de ver a banda que, sem meias palavras, disse que nunca faria esse negócio de se reunir. Eles foram uma das atrações principais do Riot Fest e farão vários shows em seguida, algo que parecia impossível até pouco tempo. E pra quem não entende a comoção geral, fizemos um guia pra você se ligar.

Os "hits"

Por mais que o Jawbreaker tenha tido uma chance de estourar com Dear You, a banda nunca teve um single de sucesso. Mas assim como tantas outras bandas punk, eles também contam com hits dentro daquela cena em especial, o tipo de canção que a galera grita nos shows, torcendo pra que a banda toque. Por mais que a galera das antigas cite "Equalized" como um dos primeiros sucessos da banda no underground, o melhor ponto de partida viria em "Want", primeira faixa de Unfun e o resumo perfeito do momento inicial da banda.

O que pega mesmo em "Want" é que, em poucos segundos, a banda cria um gancho perfeito sem que Schwarzenbach cante sequer uma nota ou mesmo toque algo na guitarra. A faixa é conduzida por bateria e baixo, com uma linha grave pop punk de Bauermeister e Pfahler emenda uma batida lenta por trás. Schwarzenbach joga algumas notas soltas no fundo antes da banda entrar no groove central, mas logo de cara, fica claro que o Jawbreaker tem uma das melhores cozinhas do punk em geral. Quando eles voltam para o groove no refrão, logo após a seção intermediária, tudo vale a pena, e o Schwarzenbach gritando "I want you" é demais. É uma canção que rompe com toda a regras de composição musical e seu romantismo enjoativo é quase que tabu dentro do punk.

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Por mais que o Jawbreaker dê uma de recatado com isso de fazer sons pop em Unfun, em 1993 eles teriam espaço para tanto. "Chesterfield King" viria a ser a faixa título de um EP de cinco faixas que acabaria aparecendo em Bivouac, a única faixa pop em um disco obscuro, deprimente. É aqui que Schwarzenbach se afasta de letras simples e torna-se um verdadeiro contador de histórias, compondo canções de amor — e de amor perdido — de uma maneira que poucos vocalistas punk que vieram antes dele ousaram. 24 Hour Revenge Therapy traria mais faixas como esta para a obra da banda, caso de "Do You Still Hate Me?", "Jinx Removing", e "Boxcar" cada vez mais aparando as arestas da banda. "Boxcar" em especial, deixa este objetivo mais claro. Em pouco menos de dois minutos, o Jawbreaker pega um riff de dois acordes e expande, com Schwarzenbach mirando nas políticas da cena punk e o ritmo da faixa, com suas pausas, faz de cada mudança no ritmo uma emoção diferente.

Enquanto Dear You suaviza ainda mais a abordagem da banda — se "Save Your Generation" tivesse sido lançada como single, talvez o Jawbreaker fosse o próximo Nirvana — uma das faixas mais ásperas e de maior efeito da banda. Gravada entre Bivouac e 24 Hour Revenge Therapy, "Kiss The Bottle" é uma faixa de popularidade improvável, tendo em vista que foi lançada na obscura coletânea 17 Reasons: The Mission District . Notavelmente, foi a última faixa gravada antes de Schwarzenbach passar por uma cirurgia para a remoção de um pólipo na garganta, o que fica bem claro ao longo da canção. Em termos musicais, trata-se de uma valsa inconsolável do tipo que constituiria boa parte da carreira de alguém como Ryan Adams, mas Schwarzenbach soa como uma buzina bêbada, e apesar de tudo, cai bem na narrativa da faixa sobre estupores inebriados e oportunidades perdidas que é nada menos que charmosa. Fora isso, foi gravada por todo mundo, de Brendan Kelly do The Lawrence Arms a Lucero até a desgraça dos Foo Fighters, está claro que há algo a ser dito sobre "Kiss The Bottle" — mesmo que nenhum dos covers chegue nem perto do clima da original.

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Playlist: "Want" / "Chesterfield King" / "Kiss The Bottle" / "Boxcar" / "Do You Still Hate Me?" / "Jinx Removing" / "Save Your Generation" / "Unlisted Track"

Punk contador de causos

Por mais que algumas das faixas citadas acima com certeza possam se encaixar aqui — e vice-versa — há uma diferença crucial entre ambas. Ao passo em que a lista anterior estabeleceu o arquétipo musical que muitas bandas copiariam na cara-dura após o término do Jawbreaker, esta parte da história da banda lançaria uma tendência vergonhosa até demais — o punk aspirante a poeta.

Mas veja bem, o próprio Schwarzenbach foi bastante brega — e que letrista não foi? — mas no que ele mandava bem mesmo era transformar canções punks em contos. Em um bootleg amplamente distribuído de 29 de maio de 1993, Schwarzenbach introduz "The Boat Dreams from the Hill" da seguinte forma: "Esta é uma canção que tem uma história, porque canções têm histórias e eu estou tentando melhorar nisso". E por mais que o vocalista tenha falado disso como se fosse algo novo, "Shield Your Eyes" prova que as coisas já eram assim desde 1988.

No que estas faixas diferem em sonoridade, compensam em sua capacidade de nos colocar em um momento específico. Ambas as canções são obscuras de maneiras certamente diferentes, com "Shield Your Eyes" contando a história de um homem que olha para o Sol até ficar cego, encerrando com Schwarzenbach urrando "Shield your eyes from all this misery" sobre uma de suas composições mais tortas. "The Boat Dreams From The Hill", por sua vez, é uma de suas canções mais ensolaradas. Trata-se de um pop punk efervescente, de forma que acaba por obscurecer uma das letras mais deprimentes já escritas por Schwarzenbach. Falando sobre um barco que nunca chegará à água, trata-se de uma alegoria para o potencial desperdiçado, com o barco ali ao sol, destituído de propósito e invalidado desde a gênese.

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Foram estas faixas que fizeram de Schwarzenbach um ícone cult. Seja ele contando a história de duas festas bem diferentes ("West Bay Invitational", "Bad Scene, Everyone's Fault"), politicagem na cena punk ("Indictment"), sua cirurgia ("Outpatient"), ou vinhetas de desespero descabido ("Fireman", "Chemistry"), são músicas que refletem momentos específico da vida de Schwarzenbach, que seguem únicas pois nada se compara à sua execução. Todos que tentaram dar um jeito em suas letras após ouvirem um disco do Jawbreaker acabavam por deixar de lado um componente essencial: o lance não é ser inteligente com suas metáforas, mas sim explorar o mundano até que este se torne atraente.

Playlist: "Shield Your Eyes" / "The Boat Dreams From The Hill" / "West Bay Invitational" / "Bad Scene, Everyone's Fault" / "Indictment" / "Outpatient" / "Fireman" / "Chemistry"

Punk um tanto quanto progressivo

Por mais que a fase pop do Jawbreaker seja a melhor para se conhecer a banda, ela teve uma época experimental que a levou à cena post-hardcore também. Mesmo nos primórdios, a sonoridade já tinha toques de esquisitice — "Shield Your Eyes" está longe de ser uma faixa direta — e Bivouac, disco mais desafiador e coeso, mostra um Jawbreaker que parece querer se juntar à Dischord.

Certamente o álbum mais colaborativo da banda, em que as letras de algumas faixas foram escritas por Bauermeister, Bivouac sucede em soar desordenado, mas nunca sem propósito. De diversas formas, é o seu In Utero, só que ainda mais ríspido. Faixas como "Sleep" e "Parabola" são construídas vagarosamente, adicionando ganchos sutis que impedem da esquisitice acabar afastando o ouvinte, mas é em "Bivouac" que a promessa do disco se concretiza. Dez minutos e poucas partes cantadas, uma seção intermediária que desaba sobre si mesma, um sample de um documentário sobre a natureza ancora o caos, seguido por uma conclusão explosiva, lotada de feedback, verdadeira personificação de tudo que sempre fez parte do Jawbreaker.

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Por mais que nunca mais tocassem nada tão longo assim, a influência se faz presente em 24 Hour Revenge Therapy e Dear You. "Condition Oakland" e "In Sadding Around" adaptam a sonoridade de "Bivouac" de forma mais digerível, e os épicos de Dear You, "Accident Prone" e "Jet Black" são duas das melhores faixas já gravadas pela banda. São músicas que doem, pegando os momentos mais introspectivos e miseráveis da vida de Schwarzenbach e transformando tudo em uma espécie de exorcismo catártico.

Playlist: "Sleep" / "Parabola" / "Condition Oakland" / "In Sadding Around" / "Accident Prone" / "Jet Black" / "Bivouac"

Raridades e lados-B

Se algum dia existiu uma banda punk capaz de inspirar devoção semelhante ao dos fã de Grateful Dead, com certeza essa banda foi o Jawbreaker. Conhecidos por comporem sons novos com uma velocidade incrível, estreando estas mesmas músicas em shows e muitas vezes lançando em qualquer split ou coletânea que desse a oportunidade. Ao passo que Etc. de 2002 contém algumas das principais raridades, incluindo "Kiss The Bottle", ainda tem muito mais por aí, muitas vezes em bootlegs ao vivo. Por mais que estas músicas possam ser consideradas essenciais só para os mais obsessivos, elas tem papel crucial na compreensão de como a banda operava.

Pra começar, apesar da lírica da banda muitas vezes se voltar para a sinceridade, o Jawbreaker tinha um senso de humor todo seu que nunca apareceu muito bem nos discos. Eles tocavam vários covers e até misturavam umas coisas — caso da caótica "With Or Without U2", um medley de U2 com Misfits e The Vapors. Mas ao mesmo tempo, eles tocavam"Chasing The Wild Goose", do disco mais detestado do Bad Religion, Into The Unknown, fazendo da canção algo que valia a pena ouvir. Da mesma forma, o trio tinha canções curtíssimas como "Free Bird," feita para fazer os chatos calarem a boca.

Mesmo após Dear You, quando a banda estava aos frangalhos, esta seguia compondo, o que rendeu algumas de suas melhores músicas. Em Live 4/30/96, lançado após o fim do Jawbreaker e registra momentos antes do fim, ouvimos "Gemini", que deixa claro que os caras tinham bastante lenha pra queimar ainda. "Elephant", outra faixa perdida daquela época, soa como o elo perdido entre Jawbreaker e Jets To Brazil, a banda seguinte de Schwarzenbach. Se vale de algo, canções como estas provam que os lados-B do Jawbreaker valiam tanto quanto as músicas que saíram nos discos e certamente valem o esforço.

Playlist: "Eye-5" / "Chasing The Wild Goose" / "Sea Foam Green" / "Friends Back East" / "Friendly Fire" / "Shirt" / "Gemini" / "Elephant"

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