O novo rock de Natal está em plena ascensão
Far From Alaska por Rafael Passos/DoSol (Divulgação)

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Radiografia Urbana

O novo rock de Natal está em plena ascensão

A cena potiguar exporta talentos para o Brasil e o mundo com o seu ecletismo e a ajuda dos festivais DoSol e MADA.

Este conteúdo é um oferecimento Natura Musical.

A cena rock de Natal tem chamado a atenção nos últimos anos por revelar bandas tão promissoras como diferentes entre si. Na capital do Rio Grande do Norte, um instigante movimento musical, capitaneado por nomes como Far from Alaska, Talma&Gadelha e Camarones Orquestra Guitarrística, atinge repercussão mundial. A galera faz rock pesado, melodioso, dançante, psicodélico, barulhento, pop, estranho, alternativo… Todas as vertentes dão frutos na mesma terra. Basta justapor exemplos como o FFA, que chegou com uma mistura de rock alternativo com stoner, ao som do Talma&Gadelha, que acrescenta uma pegada indie ao rock tradicional, ou, ainda, ao Camarones, com seu instrumental divertido, a passear pelo rock, o ska e a surf music.

Avançando com as descobertas, surgem coisas como o Arthur Ricardo, aka Arthuri, que recentemente lançou um álbum chamado Coelho Branco. Ele faz um som um lo-fi bonito com toques de Daniel Johnston, garage e outras inventividades. "Sempre gostei da ideia de registrar meus ensaios e fazer esboços de coisas que só se faz quando se está sozinho em casa. Talvez seja uma maneira de querer melhorar musicalmente e também tentar alcançar um tipo específico de como se quer soar", declara Arthuri a respeito de suas motivações criativas. "Gravar cancões é uma espécie de diário, uma maneira de se ouvir e reproduzir um sentimento, um hábito de guardar momentos e situações da vida." Tá pouco? Então que tal pirar com a Mahmed, uma banda de instrumental tropical melancólico com um pé no John Frusciante?

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Anderson Foca, produtor do festival DoSol e integrante de cinco bandas locais (Fetuttines, Camarones, Orquestra Greiosa, Five Minutes To Go e Sinks), atribui essa característica plural ao aspecto cosmopolita da cidade turística. "Acho que só crescemos artisticamente desde que o DoSol surgiu e esse processo foi lento, sólido, e por isso mesmo, bem robusto", diz ele. "Nós soubemos nos aproveitar bem do intercâmbio que os festivais da cidade proporcionavam e a cena foi se desenvolvendo em cima disso, da diversidade que era oferecida aqui."

Além de ter se tornado um representativo festival, que em sua próxima edição contará com a parceria do Natura Musical, ao longo dos últimos 15 anos, o DoSol é hoje uma associação cultural que atua como produtora, estúdio de áudio e vídeo, centro cultural, e que desenvolve várias outras atividades na cidade, como Circuito Cultural Ribeira, Virada Cultural da Cidade, Incubadora DoSol e Natal Instrumental. Sob esse guarda-chuva de iniciativas, já se consolidaram projetos de notável qualidade.

O Centro Cultural DoSol, por exemplo, está na ativa há 13 anos e é uma das poucas casas atualmente em funcionamento com programação 100% voltada à música autoral da cidade. Instalado na rua Chile, no bairro da Ribeira, ao lado de outros picos como o Ateliê Bar, o lugar resiste nesse período em que vários outros empreendimentos parecidos abriram e fecharam suas portas. Não só o tino de curadoria para marcar os artistas da região que conseguem reunir público sem recorrer a covers, mas também o suporte dado a cada nome descoberto, contribuem para a manutenção de um esquema autossuficiente.

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O Far From Alaska é um dos expoentes midiáticos do momento vindos de Natal. Mas a ascensão do grupo vem desde 2013, quando venceu um concurso para abrir um grande festival e ganhou elogios até da Shirley Manson, vocalista do Garbage. De lá pra cá eles ganharam o prêmio de artista revelação em Cannes, no International Midem Awards, tocaram recentemente no Download Festival, em Paris, e o álbum novo, gravado no Foundation Studio, em Oregon, Estados Unidos, contou com a produção da Sylvia Massy, mesma que já deu um talento em obras de Johnny Cash, System of a Down e Red Hot Chilli Peppers.

A banda Talma&Gadelha com Anderson Foca, à frente. Foto: Mylena Souza/VICE

De fato, o sucesso do grupo tem ajudado a colocar a cidade no mapa, mas isso não se iniciou com a exportação deles pro Brasil e pro mundo. "Já tínhamos iniciado esse processo bem antes", observa Foca. "Acho que os festivais de música locais, como o MADA, DoSol, e outros, foram a mola propulsora dessa geração que está aí. E enquanto os festivais existirem, vai continuar sendo assim." O Camarones Orquestra Guitarrística, com seu poderoso som garage dançante, também tem atraído holofotes. Com dez anos de carreira, o conjunto já fez cerca 600 shows pelo Brasil e exterior, e acaba de voltar de uma turnê europeia.

O Camarones começou como uma espécie de grupo de estudo. Todos os integrantes tinham banda, mas nunca haviam tocado juntos. No começo, a ideia era tirar sons de filmes lado b e desenhos animados. Logo após algumas apresentações, no entanto, os convites foram se multiplicando e a banda acabou indo parar no palco dos festivais DoSol e Recbeat, no final de 2008. Depois disso, não teve mais volta. O que era um projeto paralelo virou protagonista. Em março deste ano saiu o álbum Feeexta, o primeiro com o Alexandre Capilé, guitarrista do Water Rats e Sugar Kane, na formação. Diferente do anterior, Rytmus Alucynantis, o repertório soa mais orgânico e próximo de um take ao vivo.

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A banda Talma&Gadelha tem uma história parecida. Surgiu quando a Simona Talma (voz) e o Luiz Gadelha (voz, teclado) receberam um convite para participar de um projeto idealizado para lançar álbuns inéditos de músicos de Natal. "A ideia era um disco de canções compostas por mim e Simona, lançado virtualmente em seguida", conta Gadelha. "Convidamos a Cris Botarelli (guitarra) e a Emmily Barreto (bateria), ambas integrantes do Far From Alaska, e o Henrique Geladeira (guitarra), da Calistoga, Koogu e Zurdo, que na época tocavam com a gente na Trem Fantasma."

O lançamento do álbum Matando o Amor (2011) deu mais de mil downloads em cinco dias, e o show de estreia lotou. "O público cantava todas as músicas", relembra Luiz Gadelha. Antes disso tudo rolar, a Simona e o Luiz fizeram parte do Projeto Retrovisor, entre 2006-07, cujo objetivo era impulsionar as carreiras autorais de compositores potiguares. "Havia uma tímida cena autoral aqui em Natal. As pessoas não costumavam apostar muito nos compositores locais", conta ele. "Além do Retrovisor, a Simona e eu sempre fazíamos shows juntos, sempre incluindo performances artísticas, poesia e músicas autorais, além de compormos trilhas originais para peças teatrais, autos natalinos e projetos particulares de empresas locais." A dupla também chegou a ter uma banda de versões rock para temas infantis, chamada Trem Fantasma.

Mas não é só de apresentações de artistas locais que se faz o calendário da cidade. Gente como a galera da Brasinha Produções tem se empenhado em levar atrações de outros estados e do interior, onde também se encontra vida musical criativa, embora sem a mesma infraestrutura. A três horas da Natal, para se ter ideia, fica Mossoró, cidade cujas bandas às vezes são confundidas como sendo da capital, pois é naturalmente onde acabam cultivando seu público.

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O trio American Freaks. (Divulgação)

"Desde os tempos de Red Boots que rola uma espécie de 'Aberdeen-Seattle'", compara Luan Rodrigues, ex-Red Boots e atual guitarrista, baixista e vocalista do American Freaks, que faz um som grunge torto. "No caso do Boots, a gente acabou criando muito mais laços em Natal e outros cantos do país do que em Mossoró pela falta de recursos e de público. Nas cidades menores, muitos artistas legais desistem ou acabam migrando pra capital."

Em outras palavras, o circuito de Natal acabou virando rito de passagem para quase todas as novas caras surgidas nesse período. Algumas das mais ativas: Fukai e Thee Automatics; Uma Sra. Limonada, AlaMoana e Plutão Já Foi Planeta, que atualmente faz muitos shows fora da cidade; Luisa & Os Alquimistas e DuSouto, pessoal que representa a forte cena dançante; Born to Freedom, Joseph Little Drop e Jubarte Ataca, abraçando o lado mais punk/underground; e Seu Ninguém e a Orquestra Greiosa, que anunciam trabalhos muito promissores para este ano. A vontade de tocar é incontida e a criatividade floresce rápido no Rio Grande do Norte. Fiquem atentos ao que vem de lá.

Veja alguns retratos da cena rock potiguar:

Rua Chile. Foto: Rafael Passos/DoSol (Divulgação)

Kung Fu Johnny por Karina Monteiro/DoSol (Divulgação)

Rua Chile. Foto: Karina monteiro/DoSol (Divulgação)

Camarones Orquestra Guitarristica por Rafael Passos/Dosol (Divulgação)

Banquinha da Associação Cultural DoSol, na Ribeira. Foto: Rafael Passos/DoSol (Divulgação)

Fukai por Rafal Passos/DoSol (Divulgação)

The Sinks Por Rafael Passos/DoSol (Divulgação)

Festival DoSol por Rafael Passos (Divulgação)

Mundo Alto no CC DoSol por Rafael Passos (Divulgação)