Passei um dia tentando entender por que as pessoas amam tanto o ‘OK Computer’

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Música

Passei um dia tentando entender por que as pessoas amam tanto o ‘OK Computer’

Meu último texto sobre o disco do Radiohead deixou alguns fãs profundamente emputecidos.
Ryan Bassil
London, GB

Todas as fotos por Jake Lewis.

Tudo bem você ter opiniões neste mundo. Algumas são aceitáveis: doenças crônicas são ruins, tomar banho todo dia é bom, botar roupa pra secar é entediante, etc. Outras, porém, não são tão bem recebidas assim. Tomemos o OK Computer como exemplo, tido por muitos como um dos melhores discos de todos os tempos: um verdadeiro exemplo de rock expansivo cheio de melodia e um quê de angústia primal. Como qualquer outra verdade aceita universalmente, ir no caminho contrário é simplesmente inaceitável.

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Sei disso porque quando o disco completou 20 anos de lançamento este ano, escrevi um artigo contrário a todos os louros recebidos pelo mesmo. Cheguei a afirmar que o disco seria o " Trainspotting da 'geração de últimos grandes discos'". Ou, para ser mais sucinto: "um disco sobre nada". Em resposta, me disseram que "um integrante da sua família será sodomizado" para cada faixa do álbum; me perguntaram se havia sido pago para escrever um texto caça-cliques (o que é bizarro, levando em conta com que o Radiohead lida com temas mais intelectuais do que esse tipo de trabalho sugere). Também disseram que eu deveria largar este meu empreguinho inútil.

Bem, acho que é assim que é mesmo a galera fãzaça de Radiohead, né? Como qualquer outro público militante, boa parte está disposta a lacrar por conta de uma causa que não vale lá muita coisa — neste caso, eu e minha preguiçosa visão crítica. Então me peguei pensando: se tanta gente ficou incomodada, talvez o OK Computer seja mesmo uma obra-prima. Talvez vocês estejam todos certos, eu que não entendi a banda e é hora de dar uma nova chance.

Ao passo em que ouvia o álbum e via a quantidade de emails mal-educados na minha caixa de entrada aumentar exponencialmente, percebi que era hora de ir lá fora e fazer algo o qual Thom Yorke seria contra ou ao menos olharia meio feio, por conta de se tratar de um conceito pronto, vendido para as massas. Eu precisava conviver um pouco mais com este discão da porra™ de forma a confrontar alguns dos temas os quais ele parece abordar, para então poder escrever outro "artigo" sobre. Primeira parada: o IML da individualidade, também conhecido como o distrito financeiro de Londres, um dos alvos dos ataques poéticos de Thom Yorke.

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Faz sentido começar por aqui porque se tem algum tema do OK Computer que consigo defender é a objeção política diante das grandes corporações. Talvez eu seja paranoico, mas estou longe de ser um androide (hehe). Não como esses caras de calça de lã, pelo menos. Pro inferno, seus porquinhos calçando Gucci! Certeza que nunca ouviram "Polyethylene (Parts 1 & 2)".

Claro que tal sentimento me acompanha desde que abri minha primeira conta corrente, aos 15 anos de idade. Sempre detestei esse labirinto perfeitamente projetado composto de mármore, pilantragem e sistemas de ventilação. Mas se é preciso que o Radiohead venda 30 milhões de cópias pelo mundo para encorajar outras pessoas a se sentirem desse jeito, vamo lá! Além do que, "Electioneering" faz muito mais sentido pra mim estando aqui.

Observemos este símbolo desnecessariamente grande de uma ganância insaciável. Por que ele está aqui?

Ou este tantinho de grama cultivado de forma completamente antinatural. Os yuppies fazendo o tal networking, pânico, vômito, pânico, God loves his children, God loves his children, É! Acho que estou começando a entender, mas preciso ir mais fundo. Já ouvi falar que Radiohead soa melhor quando há espaço para imersão, então sigo para os metrôs de Londres, o melhor lugar para a tal imersão subterrânea.

Você já parou pra ouvir música aqui? É demais. Feche os olhos, aumente o volume a alturas que certamente você se arrependerá mais adiante na vida e viaje para outro mundo. Era isso que Thom gostaria que você fizesse. Quanto mais me aprofundo no experimento, mais me fascino por OK Computer. " Transport, motorways and tramlines / Starting and then stopping". Parece a Linha Central a qualquer momento! Ao passo em que minha jornada se aproxima do fim, estou pronto para retornar ao mundo com um novo pensamento, em que OK Computer faz sentido pra mim e é uma ambiciosa crítica social foda 10/10.

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Por exemplo:

Caixas eletrônicos: ruim.

Propaganda: revoltante flagelo à nossa sociedade. (Tô fazendo isso direito, gente?)

Estava prestes a admitir minha derrota e voltar ao escritório. Mas quando paro pra pensar no FMI e como uma banda esquisitinha conseguiu cair nas graças do mainstream sem ceder à pressão comercial rola um movimento familiar no meu estômago: é hora de comer algo. Ainda posso ser fã da banda e comer um McCâncer, né? Não é como se todos nós tivéssemos fazendas e plantássemos nossa própria comida. Daí entro num McDonald's. Nada de surpreendente aqui. Peço um prato qualquer de frango e uma coca diet do subserviente caixa.

Hmmmmmm. Por um momento acho que me perdi. Aquela primeira golada é sempre a melhor. Que delícia, meu irmãozinho. E o frango também! Não concordo com algumas das práticas do McDonald's, mas é bem difícil questionar a equação preço/caloria. De certa forma, é uma sacada de gênio disponível no mundo inteiro.

E isso aqui? Ganhei qualquer bebida do menu do McCafé ainda por cima! Dúvidas começam a zunir em minha cabeça feito uma geladeira. Será que o Radiohead pode me dar a alegria e o sustento que uma multinacional bilionária oferece? Ao comprar um disco deles teria eu a chance de participar do maior jogo de apostas do mundo? Nos shows do Radiohead rola um cardápio sazonal para os fãs?

Ao sair, percebo que um tantinho de catchup caiu na minha camiseta. E com isso digo adeus à minha postura anticorporativa com base no Radiohead. Preciso de um substituto. A real é que não importa o que seu dinheiro faz por você, mas o que você faz pelo seu dinheiro.

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Por exemplo: compre no TK Maxx, economize um pouco e fique chavoso. Ou pelo menos com cara de pai em excursão de férias pela Europa, poucas horas antes de suor cheirando a daiquiris de morango comece a escorrer pela camisa. Atendentes amigáveis, bons preços, boas imitações — quem poderia discutir com algo assim? Não o OK Computer, com certeza.

Na faixa "Fitter Happier", Thom Yorke usa exercícios como artifício para refletir sobre os valores frios e sem emoção da sociedade moderna. Ao voltar para o escritório, roupas novas na mochila, decido tentar a atividade recreativa conhecida como "pedalar". " Regular exercise at the gym / Three days a week"? Papo reto, Thom, topo isso aí de boaça. Me sinto mais em forma e mais feliz por isso.

Além do que — fora o exercício — o Radiohead e seus fãs não vivem cercados por aquilo tudo que falam sobre em OK Computer? Olha só, na volta encontro uma série de gravações deles num disquinho de vinil com preço não muito justo só esperando pra ser comprado numa loja de discos. Tinha em CD também! Soa estranho uma banda que até um tempo atrás soava tão anticonsumista ter tantos discos a venda em tantos formatos. Daí percebo que ninguém mais precisa pagar pra ouvir a música deles.

Está tudo bem aqui, no "último e desesperado flato de um corpo moribundo", de acordo com o próprio Thom! Ou se trata de um comentário pertinente sobre tudo que OK Computer trata — da tecnologia à vida moderna no Reino Unido à globalização — ou faz parte desse negócio de ser uma banda que a galera adora e que, de certa forma, virou uma empresa própria ao lançar seus discos sozinhos e entrar nessa de "pague quanto quiser". É estranho que agora que a XL Recordings é detentora dos direitos dos materiais antigos da banda, a maioria está disponível no Spotify, destruindo muito do que pareciam defender neste celebrado terceiro disco.

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Por mais que o OK Computer fale de Coisa Séria que Faz Sentido Quando Você Para Pra Pensar, ainda é uma experiência sonora bem mais miserável do que qualquer outra coisa por aí. Me dê McDonalds, TK Maxx e uma bike fixa no lugar de OK Computer que aceito de braços abertos. Me sentirei bem mais feliz. E repito: prefiro assistir Clube da Luta do que ouvir este disco porque ao menos a abordagem da miséria no filme tem Brad Pitt e Pixies.

Você pode xingar muito o Ryan no Twitter .

Tradução: Thiago "Índio" Silva

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