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Música

Um Olhar Aprofundado Sobre o Legado de Portrait, dos Walker Brothers

Portrait é um marco histórico na carreira dos Walker Brothers. Sua angústia intrínseca definivamente influenciou nomes como Bowie, Siouxie, Cohen, Yorke e Portishead.

Angústia, angústia, angústia, angústia, e angústia. E finalmente uma gota de esperança com uma torrente de melancolia profunda. Esta é apenas uma faceta de Portrait, segundo álbum dos Walker Brothers, em que a majestade sombria de Scott Walker realmente se tornou aparente.

Trata-se de uma obra absolutamente incrível de se analisar, ainda mais considerando que Portrait era como um abismo, escuro e escancarado, em meio a toda aquela agitação Technicolour dos anos 60. Imagine se você presenciasse Austin Powers sendo repentinamente possuído por Nick Cave: não seria apenas uma invasão boho feita por forasteiros como Bob Dylan ou Leonard Cohen. Seria a própria cultura de massas tornando-se sombria, fria e peculiar, como uma assombração em plena festa do pijama.

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Os Walker Brothers eram puro showbiz, uma boyband de crooners. Não muito diferente de uma versão adulta de The Monkees, pouco tinha a ver com rock’n’roll. De fato, musicalmente, seus arranjos lascivos e seu senso melodramático os colocam mais perto de Tom Jones, Englebert Humperdinck, e até mesmo de Elvis em sua fase Las Vegas, do que dos Beatles, Stones e Kinks. O trio americano contrariou a Invasão Britânica ao estourar no Reino Unido enquanto ainda era mera curiosidade em sua terra natal. Tudo deles era mesmo peculiar, anacrônico: apesar de elegantes e sonoramente elaborados, faziam uma música alienada, em cuja essência estavam o barítono ligeiramente louco e a persona desolada de Scott Walker (nascido Engel).

Essa comparação com Nick Cave não é gratuita. Desde o começo do álbum, com a faixa “In My Room”, Scott antecipa a entrega vocal e a autoridade sombria de Cave. Mas ele não é o único dos artistas modernos que têm uma grande dívida com Scott. Esse é o primeiro álbum que contém uma canção escrita inteiramente por Scott, a estonteante “Saturday’s Child”, faixa número dois do álbum, onde você pode ouvir as sementes de praticamente toda a carreira de Jarvis Cocker. Na verdade, seus contos sobre o vazio por trás da agitação social e alegrias amarguradas já existiam trinta anos antes de “Sorted for E’s & Whizz”.

Mesmo sem a poética carregada de Scott, o tom é inexoravelmente sombrio, cheio de temas universais sobre perda. Então, passando pelo lado A do LP, há temas como obsessão (“In my Room”), desilusão (“Saturday’s Child”), amargura (“Just for a Thrill”), disfunção (“Hurting Each Other”) e o medo do envelhecimento e do fracasso (“Old Folks”). Mas então chega a alma do álbum, a estranha e leve “Summertime”, padrão Gershwin, toda sua esperança e medo envolvidos por um casulo de magnificência.

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Ao virar o disco, há um estranho cover de “People Get Ready”, de Curtis Mayfield. Intensamente desconcertante, a gravação é um gospel lento e imponente, aparentemente desprovido de crenças, mas apaixonado, com um senso de esperança vã sinceramente expresso. Com harmonia, metais e ritmo psicodélico, é uma espécie de Spiritualized ainda mais grandiosa. Trata-se de uma versão definitivamente incrível, espelho sombrio de uma canção que nunca te dá as mesmas sensações duas vezes.

Então voltamos a uma descida pela perda e voyeurismo (“I Can See it Now”, coautoria de Scott), perda e fetichismo (“Where is the Girl?”), perda e desconfiança (“Living Above your Head”), perda e o fracasso do estoicismo (“Take it Like a Man”) e perda, perda e mais perda (“No Sad Songs for Me”, terminando com um refrão dolorosamente lento: “Acabou… tudo acabou…”).

E aí está ele. Sem redenção, sem reviravoltas, apenas angústia, angústia e angústia, com aquele sonho estranho de alguma outra coisa flutuando no meio disso tudo. Não havia nada igual a Portrait na época, e, definitivamente, foi um marco. Álbum mais vendido dos Walker Brothers, Portrait ecoa não apenas através de Cave, Cocker e Pierce, mas de Cohen, Bowie, Marc Almond, Siouxie Sioux, Damon Albarn, Róisín Murphy, Thom Yorke, Portishead e outros. Nos anos que se passaram, o próprio Scott deu continuidade à produção de uma poética ainda mais peculiar, mas há alguma coisa nesse álbum, de onde emerge sua visão única, mas ainda assim coesa. É um produto da cultura de massas falando sobre a escuridão que há por trás do brilho – e que todos sabemos instintivamente que existe. E nessa grandiosidade da indústria esconde-se a beleza. Beleza angustiada, mas, ainda assim, beleza.

Tradução: Pedro Taam