FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Notas de Encarte: Sébastien Tellier Fez uma Compilação de Músicos Brasileiros Obcecados Pelo Sol

O Sébastien Tellier acha que os brasileiros vivem brincando e isso é uma virtude. Aí ele mostrou pra gente uma compilação de ótimos nomes da música brazuca pra se sentir mais vivo.

A Notas de Encarte é uma nova série onde nós escolhemos um artista e pedimos para ele fazer uma compilação temática. Essa semana: Sébastien Tellier, cujo sexto álbum L'Aventura sai em julho, discute seu amor pelo Brasil e seus artistas despreocupados.

Noisey: Você descreveu o L'Aventura como um álbum conceitual em que você queria “reescrever” a sua infância. Por que você quer reescrevê-la?

Sébastien Tellier: Eu tentei imaginar a infância perfeita no Brasil com muita música, dança e sol. Eu tive muitos problemas na minha infância – foi bem mediana, comum, mas minha visão dela era muito sombria. Eu odiava a escola, odiava autoridades, odiava esportes como o judô. Eu queria dirigir o carro, não ser apenas passageiro. Quero esquecer toda a escuridão do passado e é só assim que eu consigo pensar no futuro.

Publicidade

Não há nada da sua infância que você queira manter? Quer apagar tudo?

Sim. O passado é muito barra-pesada na verdade. Eu realmente quero esquecê-lo. Tento esquecer meus erros; esquecendo o passado você dá uma chance pro futuro, e pra mim é muito importante viver sem o passado porque minha mente é muito instável. A única forma boa de a minha mente trabalhar é pensando no futuro.

Mas o passado não fez você ser o que é hoje?

Sim, mas eu não penso “oh Sébastien Tellier você é um grande cara”, acho que tenho muito caminho pra percorrer antes de atingir a perfeição. O que nunca acontecerá é claro, mas há uma forma de tentar buscar a perfeição. Eu tive uma adolescência muito feroz; eu era completamente esquisito. Levou muito tempo pra eu me tornar adulto. Talvez meu passado tenha me construído, mas não estou muito orgulhoso dessa construção.

De que forma você era esquisito?

Por exemplo, nos fins de semana o objetivo era beber tantas garrafas de vodka quanto fosse possível, e criar um espaço no meio da floresta e tomar LSD. Havia muitas drogas. Eu quero esquecer isso. Tem uma música doL'Aventura chamada “Ricky L'Adolescent” (Ricky, O Adolescente), que é uma história sobre eu agora encontrando eu mesmo quando tinha quinze anos. Eu odeio a pessoa que encontrei e não quero vê-la nunca mais.

Por que você quis basear no Brasil a infância reescrita?

Os brasileiros adoram brincar feito crianças – eles tocam violão, cantam, dançam, jogam futebol. Até a morte, eles adoram brincar. Pra mim é muito importante viver assim porque na Europa o objetivo é fingir que se é sério. Mas no Brasil se você quer se dar bem, a melhor coisa a fazer é se divertir. Eu gosto dessa forma de pensar, e é por isso que escolhi o Brasil, todos os brasileiros permanecem sendo crianças até a morte.

Publicidade

E é algo que você quer?

É só um sonho. É um álbum de um músico francês sonhando com o Brasil. Eu não tento compreender a realidade social do Brasil nem entender nada desse tipo – tento fazer arte ingênua (naive). Trato meu tema como se fosse uma criança. Ok, eu tenho atração por este país, gosto dele, as pessoas são super legais e a natureza é linda, mas é só isso. Eu não gosto de ser realista. Até ao aprender música brasileira, minha influência foi a música francesa tentando ser música brasileira, como a canção “Paroles Paroles” da Dalida. Eu adoro ver artistas sonhando com algo tão distante.

Você já esteve no Brasil?

A primeira vez foi na turnê do Sexuality, e na época eu conheci ótimas músicas, as melhores músicas que já ouvi. Eu estava no táxi entre o aeroporto e o hotel – o taxista colocou algo no rádio e era fantástico. Pra mim aquilo era uma imagem refletida de mim mesmo. A música brasileira é bem complicada, os acordes e a harmonia, mas o objetivo da música complicada é atingir uma emoção simples – do tipo 'estou chorando' ou 'estou dançando' ou 'estou feliz'. E é exatamente como eu sou em minha mente e corpo. Eu sinto algo complicado porque sou um artista complicado, mas uso toda essa energia pro entretenimento. Só quero dar prazer às pessoas. Foi demais reconhecer minha própria personalidade na música brasileira.

Houve algum disco em especial que te colocou em contato com a música brasileira?

Publicidade

Teve esse disco fantástico de funk, mas eu não lembro o nome – não lembro nem os nomes das minhas músicas! Eu não falo português então os nomes são muito complicados – lembro dos acordes e das melodias mas só isso.

É interessante que você ainda canta em francês sobre instrumentação e melodias de bossa nova. Você vê alguma similaridade entre os estilos?

Normalmente eu escolho a língua depois da melodia. Experimento inglês, italiano ou francês e escolho a língua que mais faça a melodia brilhar. Mas dessa vez era quase uma obrigação cantar em francês porque eu queria fazer música ingênua com letras ingênuas, e pra ser ingênuo é preciso usar muita nuance. É muito importante ser preciso com as cores das cordas e do violão, e sendo o francês a minha língua nativa, era bem mais fácil criar as nuances com ela. Eu quero ser super natural, digo, não ir até lá de avião porque isso custa muito caro, mas quero ser puro em minha arte e representar o artista puro que há em mim.

Seu novo álbum foi parcialmente gravado no estúdio do Jean Michel Jarre – como foi trabalhar com alguém tão famoso como ele?

Ele é meu amigo, é um cara maravilhoso, e pra mim ele é como uma estrela do céu. Gosto muito dele, então foi muito legal pra ele me emprestar seu estúdio. Foi um ponto muito bom no processo criativo também – eu queria captar a emoção das músicas de desenho animado da minha juventude, e com todo o equipamento do Jean Michel foi possível ser muito preciso. Eu pensei: “Agora eu tenho a chave pra compor música brasileira!” Mas esqueça a beleza disso, o importante é o charme - a intenção não é destruir o mundo ou fazer a melhor música de todos os tempos. Nós tínhamos todos o mesmo objetivo: criar algo encantador que mudasse tudo. Não havia pressão. Hoje em dia a beleza me entristece – a beleza não é o objetivo principal, o charme é. Por quê? Porque há menos chance de errar, e é melhor assim.

Publicidade

Você pode dar alguns detalhes de algumas das faixas que você colocou na compilação?

Existem muitas formas de se ouvir e de se tocar música. Há esse tipo de músico no Brasil – o objetivo principal deles é explicar o que acontece quando o sol vai dormir. Alguns segundos antes da noite chegar, já é um sonho, e eles tentam expor as sensações deste sonho. É por isso que é maravilhoso trabalhar com esses músicos. Na seleção musical que fiz pra você eu escolhi músicos que são obcecados pelo sol. Para eles, o sol é um deus,

Com qual dos músicos da sua compilação você gostaria de ter trabalhado no L'Aventura?

Antes de gravar o disco eu não ouvi música brasileira nenhuma, pra me manter puro e com uma visão infantil sobre meu tema. Mas agora que meu trabalho está feito, eu tenho ouvido muita música brasileira. Isso não quer dizer que antes eu era como um cientista, tentando encontrar a forma certa de fazer algo; minha única lembrança é aquela viagem de táxi do aeroporto pro hotel. Eu tentei ficar longe da música, ela não foi parte do processo criativo, mas agora eu posso ouvi-las o tempo todo.

Lista de músicas:

- Arthur Verocai - "Pelas Sombras"

- Tim Maia - "O Caminho Do Bem"

- Gilberto Gil - "Procissão"

- Os Mutantes - "A Minha Menina"

- Airto Moreira - "Celebration Suite"

- Joao Gilberto - ‘"S Wonderful"

O L'Aventura sai dia 14 de julho pela Because Music.

O Lev está no Twitter. Siga ele - @LevHarris1

Tradução: Stan Molina