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Música

Ouça ‘Ihnteractions’, Disco de Estreia do Produtor Carioca Manara

Sons para pistas de danças comandadas por divas melancólicas derretidas em slow-motion.

Um soundsystem instalado numa rua da Vila Mimosa no Rio, cerveja barata, fim de jogo do Flamengo, o DJ Rashad e o Travis (aka Machinedrum) comendo num carrinho de hot-dog e um house responsa: esse era o cenário do lançamento do álbum Ihnteractions do carioca Pedro Manara, no último domingo (13).

Seu álbum é o primeiro lançamento da Domina, uma mistura de gravadora e apresentações live que ele mantém com seu amigo Marcelo Mudou. Apesar de ser o primeiro trabalho dos caras, eles demonstram que sabem o que querem, e como querem. House e techno são vagas palavras que podem vir a sua cabeça enquanto se ouve o álbum que, com suas 12 faixas bem acompanhadas de samples vocais de Björk, Little Dragon e Mary J. Blige, criam um clima soturno e ainda assim caloroso, como uma pista de dança comandada por divas melancólicas em slow-motion sob o efeito de um ácido. A última faixa do álbum, "Man, Mytho" abriu a última compilação Hy Brazil, e arrancou da revista Spin uma comparação ao Joy Orbison. Tá pouco?

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A gente bateu um papo com ele durante a apresentação do álbum na última Wobble na Rua, que você pode ouvir integralmente no player abaixo, ou meter um pague-o-quanto-quiser lá no Bandcamp da Domina.

Como você e o Marcelo se conheceram e criaram a Domina?
Nos conhecemos através de amigo em comum que produzia de forma recreativa no Catete (bairro de criação do Marcelo) e existia um interesse mútuo em escutar Kyle Hall. O Marcelo é cabeça, eu e ele ficávamos no centro da cidade, onde era nosso estúdio e escritório, confabulando durante horas sobre o que era uma label e que approach o Rio precisava para criar uma comunicação mais fluida entre artista/público.

Sempre pensando em música?
O foco sempre foi música, era um tempo legal. O estúdio ficava a duas quadras do escritório de design dele, ficava uma mix boa de estética e som. Acho que continua assim, mas ali era um ambiente poético.

E que sons vocês exploravam?
Sons de música eletrônica com mais feeling e menos "técnica", eu diria. Bom, era o começo da Casa Nuvem, a Comuna estava em reforma, foi um momento em janeiro do ano passado que o Rio estava um pouco morto. A necessidade fez o homem, nesse caso.

Como assim?
Eu quis dizer que a gente não consumia o que tinha aqui porque basicamente não havia nada, então vamos consumir nossas referências e nossas próprias músicas. E assim passávamos dias na sala dele.

E nesses rolês, vocês faziam uma reunião com o pessoal, festas e tal?
Cara, eu não tenho muita recordação de festas que envolviam uma crew ou algo do tipo. Na minha visão era a época da calmaria pré-tempestade que o Rio estava passando e com certeza a Casa Nuvem era o rolê que a gente se identificava, mas lembrando que ali ainda também não escutávamos o que nos faltava na pista.

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O que tocava lá?
Muita coisa variada. O interessante da Nuvem era que lá havia pessoas de cabeça aberta querendo um bom som. Acho que era isso que a gente também procurava por lá.

E comparando agora onde a gente está com esse marasmo que você fala do ano passado, o que você acha que tem de diferente? Porque de repente está sendo possível trazer esse som?
Primeiro acho que a atitude dos DJs e produtores de música e eventos estão menos carregados de medo. Ano passado eu via um medo, "não vou tocar essa porque o público não entende", "não vou fazer label porque ninguém consome", e por aí ia… Hoje eu vejo atitude, mais gente mostrando quem é realmente e pra que veio, sem medo de fracasso ou de ser feliz, acho. A Wobble, Nuvem e Comuna fazem uma grande parcela dessa movimentação geral do Rio, ao meu ver.

E nessa época você já fazia DJ sets? Como você aprendeu e o que usava?
Sim, toco no Rio desde 2010, onde peguei o finalzinho do Dama de Ferro, minha casa madrinha. Hoje sou residente da 4F (4Finest Ears). O dono da festa, o Juliano, é um ídolo. Na época morta, ele fez essa festa porque queria escutar os sons que eu tinha escondido, já que eu não tinha onde tocar. Ele é um cara de atitude, e na festa eu só toco as profundezas da minha pesquisa.

Durante 2010 inteiro eu usei CDJ, e em 2011 minha pesquisa foi ficando séria, e eu achava músicas que não tinha em digital com qualidade decente, assim eu comecei minha pesquisa em vinil.

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E quando você começou a produzir?
Eu produzo há uns 6 anos, aprendi na base da porrada. Nunca tive com quem trocar técnica, só em 2012 quando conheci o Lucas Paiva, daí fazíamos muitos encontros para produzir e tal.

E a vontade de fazer música já vem de alguém da família?
Meu irmão. Ele fazia um festival de trance em Recife em 2005, 2006. Eu tinha sei lá, 12 ou 13 anos, e o festival durou dois dias. Eles me levaram e eu simplesmente me impressionei com as cenas de pista de dança e DJs. Desse momento em diante eu nunca mais pensei em outra coisa. Minha avó, depois de ver que eu estava fazendo música, tornou a contar e me passar histórias e sentimentos do meu tio bisavô, não por sangue infelizmente, Heitor Villa-Lobos. Querendo ou não me sinto influenciado..

Manara tocando durante a Wobble na Rua

Como você começa a pensar e produzir uma faixa?
É uma relação assim: eu tenho uma visão (que tipo de som eu quero fazer), e simplesmente começo normalmente com bateria. Depois de uns elementos feitos, o que me resta é dar o que a música pede. Ela é um monstro faminto. Sempre vai te pedir uma mexida aqui e ali se você souber escutá-la, mas parte do que eu estou fazendo de novo é controlar esse bixo.

Estou a mil com meu case de vinil, mas as faixas do começo lá de 2011 são minhas pérolas de hoje. O que eu compro agora é pra dar gordura no set, quero me preparar pra uma vida de longsets, tenho amor e vício por longsets.

Você já fez um? E quanto tempo durou?
Apesar de ter feito um só, eu posso dizer que foi incrível, foram seis horas de set.
Se de dois em dois meses eu conseguisse fazer um de seis ou sete horas, seria lindo. Isso são duas horas minhas num set no LaPaz, e tem muito mais de onde veio.

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Você ainda costuma ir para raves e festivais?
Cara, nunca mais fui. Eu acredito que a verdadeira energia de festival já morreu. Eu lembro de pessoas se conhecendo pela primeira vez, e batendo altos papos numa roda de desconhecidos com uma criança de 13 anos, um compartilhamento muito limpo e bonito. Eu não vejo mais isso hoje em dia, fica nessa história de adereços de couro e momentos fúteis relacionados à muita droga.

E você e o Marcelo ainda dividem o tempo entre o trampo e a Domina?
Ele tem um bico ou outro pra viver, mas os dois estao 100% focados na label. Eu só produzo e faço meus sets pra viver. Os próximos álbuns da label já estão agendados e em produção. O nosso trampo acabou de começar.

A ideia inicial sempre foi ser uma label?
Bom, sempre foi uma label, até que um dia virou live porque deu muito certo, então pensamos "esse é o live da Domina!" (no final do ano passado não tinha nada, nada pra lançar), até que do nada eu apareci com um álbum, e então foi, "opa, agora é a hora", e articulamos tudo.

Quem mais participa do selo, e com quem vocês estão trabalhando nos próximos projetos?
Na verdade eu estou fazendo o trampo de engenharia de produção e gravação do álbum do Kinkid, que deve sair em junho. Estamos gravando as vozes agora, vai ser um álbum bem musical. E em seguida faço o mesmo tipo de trampo com o Orson Meirelles. Tirando eles, estamos pensando no 40% Foda/Maneiríssimo e Gorilla Brutality.

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O Marcelo é o cabeça do visual e design da label, Isis Passos e Helo Duran do live. A apresentação do live não existe sem elas, são figuras muito importantes.

Desde quando vocês estão na produção do Kinkid?
Desde novembro. O meu eu fiz em três meses, começei em novembro também, só que foi tanto feeling que a coisa pipocou, foi tudo muito rápido. Hoje a gente está no último dia de mixagem e amanhã é a master com Matt Colton. Pra mim tem sido incrível esse trabalho, porque eu tenho que reproduzir o que o Kinkid têm em mente, o que as músicas dele pedem, bem diferente do meu.

E você acha que, mesmo já sendo amigos, você descobriu ou viu algo diferente na forma dele enxergar/construir o mundo a partir da criação desse álbum?
A parte bizarra da história é que a gente se conheceu num dia e uma semana depois a gente estava gravando a música "LOO". Ou seja, não tínhamos nenhum contato anterior. O que eu vi foi uma vontade de fazer, participar, estar incluído em algum contexto, e acho que é esse o caminho. Vivemos num mundo de dependência, onde um elemento se liga ao outro para existir, eu acredito e gosto disso. Além de músicas lindas, ele precisava de mim pra dar esse passo, e eu precisava dele pra dar o meu como profissional também, então foi perfeito.

E o que está por trás do nome do seu álbum, Ihnteractions?
Cara, eu não sou nada sem as pessoas que me ajudam. Isso é serio, tudo do que eu fiz até hoje tinha alguém, nem que seja pra dizer que é bom, mas que já foi de upgrade de estúdio até ontem quem me ajudou a pegar os equipamentos que eu não tinha pra fazer o live, o computador, tudo cara. Sempre tem alguem comigo, ajudando. Eu nem sei como agradecer a essas pessoas, porque eu não tenho estrutura para fazer muitas coisas, tenho meu bom estúdio no meu quarto e é tudo. Acho que foi por essas pessoas.

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