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Masoquismo Musical

O Lobão transforma qualquer dia

Em uma quarta-feira agradável, coloquei uma playlist com nove horas de discos dele.
VDD. 

Quando você está desempregado, segundo as regras mundanas e da legislação trabalhista, o que deveria fazer? Procurar um emprego? Enviar currículos para vagas das quais você não está nada afim só para ter um status social? Deixar a barba e o cabelo crescerem de qualquer jeito? Bom, eu não faço nada disso e ainda acabei tomando no cu. Espera aí que explico melhor. Vocês conhecem o Lobão, né? Blá blá blá, o rock nacional, blá blá blá. Então, em uma quarta-feira agradável eu coloquei uma playlist com nove horas de discos dele.

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Para me autoflagelar, fui a um site de torrent, digitei o nome do genial (risos) e polêmico cantor e baixei ali, tudo em uma qualidade legal. Vai entender o porquê de alguém resolveu fazer um rip decente disso, mas enfim. Se você é jovem como eu, vai gostar de saber algumas das coisas que descobri. O Lobão canta samba em um disco, vocês sabiam? O Lobão começa a carreira num lance totalmente Blitz, vocês sabiam? Depois do segundo disco, você acha que tudo é chato pra caralho e, com o passar do tempo, tudo fica ainda pior, sabiam? Não? Então saquem como foi um dos piores dias da minha vida.

Manhã
O que há de bom em uma quarta-feira de manhã quando você não tem um emprego? Tudo! Você pode levantar, ir até a padaria, cumprimentar seu vizinho, ver a molecada que só vai para a escola depois do Carnaval empinando pipa e absorver todo o espírito do bairro onde mora. Mas eu não podia fazer isso, o Lobão estava cantando em meus ouvidos e tudo no que eu pensava era que a música dele acabava sendo uma parada totalmente lounge naquele instante. Mas em 30 minutos, meu mundo tinha caído e a vida estava ali, dando um tapa na minha cara e mostrando o quanto minha teoria estava errada. Aquele primeiro disco dele, numa onda Blitz, é chato pra caramba. Se eu tivesse que pensar em uma “Cena de Cinema”, seria um filme experimental de três horas filmando uma cadeira, e nada mais. Depois desse tempo, minha barriga começou a dar um nó, eu fiquei meio triste e quando me dei conta, a sensação que tinha tomado conta de mim era a mesma de quando eu tinha nove anos, em um domingo na hora do almoço, com fome, sem absolutamente nada para fazer e torcendo para que começasse logo a Turma do Didi, com o Tatá e o Sargento Pincel. Eu olhava para o relógio, tentava fazer algo, mas não conseguia. Era como se eu estivesse congelado. Enquanto isso, Lobão cantava que o Ronaldo tinha ido para a guerra, numa onda meio post-punk estranho, que não ficou bom não. Sinto muito, mas estou aqui para ser sincero. Por sinal, esse disco começa com “Corações Psicodélicos”, em que o Lobão usa aquela tática Humberto Gessinger: “Qualquer nota bossa nova, bossa nova qualquer nota”. Não sei, mas sempre entendi isso como uma forma de ganhar uns segundos na música, crescer a letra e incluir uma poesia um tanto vazia no verso. Se foi isso que ele quis, OK, conseguiu, se foi colocar um sentido totalmente diferente com esse método, me desculpe, mas você falhou.

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A essa hora, eu ficava pensando se a melhor coisa a se fazer era ir até o videogame e jogá-lo um pouco, mas eu não conseguia. Aquela sensação parecia me matar. Eu tinha um domingo chato e totalmente escroto dentro de mim, mas eu não conseguia colocá-lo para fora. Tentei até me concentrar, conversar com pessoas, inventar algo para fazer, mas nada dava certo. O Lobão estava me vencendo e, de repente, eu comecei a sentir uma dor de cabeça chata e escrota. Enquanto isso, minhas orelhas pareciam pulsar sangue. Que porra está acontecendo comigo, meu Deus?

Hora do almoço
Perto do horário de almoçar, eu consegui me levantar da cadeira do computador, ir até a minha televisão e ligar os três cabos no videogame, de forma lenta, sem vontade. Apertei o botão do meu PS2 Slim e ali estava o PES 2013 que eu tanto gosto. Tive que tirar o volume da televisão para não escutar as músicas que tocavam no jogo e, naquele momento, eu estava bem triste, já explico os motivos. Primeiro: o jogo tem a narração do mito Silvio Luiz, então, é muito legal você ouvir quando cruza, “vai jogar pro meio da cozinha”, ou, quando você está correndo em direção à área, algo como “manda um charuto daí, meu filho”. Eu não poderia escutar uma das melhores narrações do mundo esportivo. Outra coisa era que, naquele momento, a coisa estava chata. O Lobão tava num puta blá blá blá, falando que o rock errou — como se ninguém soubesse disso. O pior era aquela tremidinha de voz, o cochicho, o grito. Vamos parar para pensar que, se “O Rock Errou”, o Lobão também, em toda sua carreira.

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A dor de cabeça continuava e o som, que antes estava nos fones de ouvido, agora era amplificado por duas caixas e um aparelho ligado a uma entrada auxiliar. Quando o jogo passou da tela de loading, apareceu lá em cima, “Michel Teló – Assim Você me Mata”. Eu não ouvia a música, mas, naquele momento, eu pensei que escutar a faixa do Teló não deveria ser tão ruim, não. “A Voz da Razão” tocava enquanto isso. Sabe, tem uma mina que canta bem, bem mesmo nesse som, mas é o Lobão, e eu fico pensando que se eu tivesse escutado a voz da razão, eu pararia de fazer esse tipo de coisa comigo. Sério mesmo.

Depois que comecei a jogar, foi ficando cada vez mais chato. O videogame não conseguia me entreter. Ficava ali, vendo o computador me atacar, olhando para a TV, estático. Paralisado. Triste mesmo. Resolvi investir um pouco mais na jogatina, crendo que a situação poderia melhorar. Ledo engano. Depois de três partidas, meu dia tinha se tornado, definitivamente, uma noite de domingo. Lenta, arrastada, com toda aquela tristeza. Uma bola de feno passava no deserto chamado minha vida (eu pensei nessa poesia juvenil no calor daquele momento).

Fui comer e engoli a comida rapidamente. Era como se eu nunca tivesse visto um prato na vida. Acho que acabei a refeição em três minutos, enquanto isso, no único momento de respiro, minha cabeça doía e eu sabia que tinha que encarar o primeiro ao vivo do Lobão.

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Tarde

O pior momento. Como eu continuava a insistir no meu time do Borussia, voltei ao game. Assim que o Lobão falou “Boa noite, São Paulo”, eu tomei um gol. E aí, ateu, onde está sua descrença agora? O Vivo, de 1990, é ruim. Musicalmente falando, é chato; a voz de João Luiz Woerdenbag Filho fica maçante; aqueles solos meio manjados, as malditas tremidas de voz, e eu, tremia junto. Tremia por dentro de tanta tristeza, de tanta chatice, era uma espécie de epilepsia interna em que meu organismo inteiro se batia por não saber mais o que fazer.

Em coisa de dez ou quinze minutos, a dor de cabeça aumentou e a tristeza virou uma raiva estranha. Eu queria gritar, mas, inconscientemente, eu me segurava. “Rádio Blá”, quando chegou, e todo mundo cantou, me deu mais vontade ainda de gritar. Não como o público presente nesse show, mas de um jeito meio retardadão. De colocar a cabeça para fora da janela e ficar berrando. Entretanto, achei melhor guardar isso. Resumindo: eu era um bunda mole, com raiva guardada e nada para fazer. Isso me soa familiar. Pera, talvez agora eu falasse um monte de merda. Opa, isso também não me parece muito estranho.

Quando a raiva aumentou, em um momento que não entendi até agora, quase quebrei o controle do meu videogame porque fiz um baita de um lance, diga-se de passagem, e perdi um gol incrível. Naquele momento, tocava “Matou A Família E Foi Ao Cinema”, que é do disco seguinte e, ah, eu conheço o filme. A canção me fez pensar um pouco no caso da Suzane Richthofen, será que ela ouviu esse som? Será que ela brincou de masoquismo musical também? Mensagens subliminares? Nada, o som é ruim mesmo e isso dá vontade de cometer algumas atrocidades. Quando ele começou a tremer a voz de novo, foi horrível. O som tem uns solos de guitarra que me lembraram da introdução do Power Rangers, aquele original, com o Tommy sendo o verde e talvez esse foi o único momento em que consegui que o ódio que pulsava dentro de mim continuasse estável.

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Com o passar do tempo, os discos foram tocando e chegou um com uma pá de samba. Poderia fazer uma crítica aqui, mas deixarei apenas o comentário que eu prefiro mil vezes o Com Todo Respeito ao Samba, do Mr. Catra. Esse sabe das coisas, ele manja, nego velho, pede licença pra entrar na roda. Já diria o Brown, é o estilo favela e o respeito por ela.

Quando você acha que está tudo uma bosta, que parar de jogar videogame, que uma tarde inteira desperdiçada da sua vida era o cúmulo da tristeza, chega o disco em que o Lobão está “totalmente influenciado por Portishead”. Aquele que foi vendido nas bancas, A Vida é Doce. Mas ele foi independente, né? Cara corajoso, desmascarou todo o mercado das gravadoras, lançou um disco sem ajuda, um grande homem para a cena brasileira. Eis o momento em que levanto da cadeira, fico de pé e aplaudo o Sol, como uma forma generosa de agradecer à natureza por ter gerado um ser humano tão importante dentro de nosso país.

Prestes ao final, eu estava decidido a acabar com isso às seis da tarde e uma felicidade tomou conta de mim. Não foi a música a responsável por isso, afinal, o álbum Canções Dentro Da Noite Escura tem um som meio Mamonas Assassinas e isso não é legal, não depois de ter passado tanto tempo ouvindo isso. Mas é engraçado o mix de sentimentos: tristeza, felicidade e um pouco de falta de apetite no horário, o que não é normal. Ansiedade. Euforia.

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Antes de tudo acabar, comecei a me sentir meio revolucionário bobo. Sabe quando você tem 16 anos e fica fantasiando mandar seu chefe tomar no cu? Então, passei a confabular umas coisas desse tipo. Rebelde de prédio, sabe, aquela molecada que solta pipa em ventilador? Acho que foi esse disco de 2005 que é completamente sem sentido.

Conclusão

Tudo isso que eu fiz foi o quê? Chato pra caralho. Eu esperava poder dar mais risadas, ter algum sentimento mais forte ou qualquer outra coisa; eu realmente esperava mais (positivamente ou negativamente) da carreira do Lobão. Parece que em todas as fases tem uma receita pronta que dura alguns discos e hits, como se fosse o bolo de chocolate da sua avó, só que ruim. A mesma quantidade de leite, farinha, ovo, fermento, etc.

No final das contas, eu só fiquei chato, tratei todos os meus parentes de um jeito escroto pra caralho e tive que falar para todos, de noite, que era só uma dor de cabeça, acúmulo de coisas, etc. O resultado foi um revival do segundo pior sentimento do mundo, atrás, é claro, da vergonha alheia. Minha quarta-feira se tornou um domingo: arrastado, chato, lento e com uma dor de cabeça que eu não sabia de onde vinha. Resumindo: acho que o Lobão tem o poder de transformar qualquer dia da semana no pior domingo de toda sua vida.

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