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Música

O Dia em Que o Móveis Coloniais de Acaju Foi Cercado por uma Quadrilha Armada

A caminho de Sorocaba, dois ônibus cheios de bandidos emboscaram a banda de Brasília e levaram tudo (menos os instrumentos).

Fotos: Ariel Martini

Esses figuras brasilienses do Móveis Coloniais de Acaju não só constituem uma banda de numerosa formação e plurais ingredientes rítmicos, como também colecionam uma equivalente gama de histórias vividas de tudo quanto é tipo. Afinal são mais de 15 anos de labuta, uma caminhada aventurosa preenchida de fatos divertidos, comoventes e, lógico, altas enrascadas. Na estreia da série Roubadas na Estrada, que criamos para descortinar os mais curiosos perrengues vividos pelos músicos em seus deslocamentos para tocar em outras cidades, tivemos contato com as brigas, quase-brigas e mal entendidos em shows pela turma do No Violence. Com o Móveis, as coisas que já aconteceram também guardam suas singularidades.

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Estava lá eu no festival Bananada, em Goiânia, quando encontrei com o Esdras, saxofonista do grupo. Às vezes é inevitável entrar numas de enxergar pautas e personagens até na mais descontraída situação. Alguém te conta um lance mó despretensiosamente e você pensa: "Hmm, isso rende uma matéria". É foda. Então na hora em que dei de frente com ele, veio a ideia de desvendar uma nebulosa fita sobre os caras terem sido sequestrados durante uma turnê e que isso poderia virar algo legal para dar continuidade à nossa querida coluninha. Saquei o meu sempre companheiro gravador, colaram também o vocal e o batera, e começamos a papear.

O bem louco é que, além de colher o depoimento que eu buscava, de quebra eles me contaram de outras presepadas pelas quais já passaram. De caganeira no rolê até alergia a camarão, passando por treta com motorista de van e estresse com uns noias que zeraram a mesa de som antes de um show deles. A conversa só parou porque chegou o Miranda, aquele produtor musical que vocês devem conhecer, atravessando a prosa sem se ligar que tava rolando uma entrevista e eu percebi que era o momento de lançar minha bomba ninja e vazar dali.

Noisey: Então, fiquei sabendo meio por cima aí de um caso que rolou em 2013, quando vocês foram sequestrados na estrada a caminho de Sorocaba. Como que foi isso?
Gabriel Coaracy (bateria): A grande vantagem desse lance é que os caras só queriam saber de iPhone, iPad, dinheiro e joias, ninguém levou instrumento. Estávamos indo pra Sorocaba, a gente foi catar o ônibus num lugar onde todo dia tem assalto, ou, pelo menos uma vez por semana. Eu tinha acabado de comprar uma batera nova, então fiquei muito preocupado em perder os instrumentos. E quando estamos na estrada, não costumamos parar, viajamos numa pegada só. Tanto que ninguém nem leva dinheiro pra comer na estrada, nada. Pô, foi engraçado, porque os caras foram fazer a rapa na banda e deu R$ 300 (risos). E não era uma ganguinha, não. Eram tipo 20 pessoas com pinta de assassinos. De escopeta, todo mundo armado, pararam cinco ônibus.

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Mas os caras levaram vocês pra um cativeiro, o que aconteceu exatamente?
André Gonzales (voz): Não, não dá pra dizer que foi um sequestro nesses moldes, mas eles seguraram a gente na estrada, ficou maior clima tenso, fizeram ameaças. Enquadraram a gente e ficamos ali, sem saber aonde aquilo ia dar. Torcendo pra sairmos vivos. Olha só o que os caras fizeram: botaram dois ônibus atravessados na estrada, aí o nosso motorista olhou e achou que era um acidente. E foi seguindo pra desviar, mas não parou. Quando vimos, tinha uns bandidos na frente, parados na via, e os caras começaram a meter bala no carro. O motorista ficou tenso e não conseguia frear por conta disso, ele travou! Aí os bandidos entraram falando assim: "Ôh motorista, cê tá doido?! Tá querendo matar alguém, é?" (risos). Havia diferentes figuras de ladrão ali que dava pra identificar: o ladrão do bem e o ladrão do mal. Tinha um, que o cara ficava averiguando se alguém trazia arma, então o bicho era mais violento. Tinha o outro, que era o que guentava as coisas. Ele perguntava: "E aí gente, esse é o primeiro assalto que vocês tomam? Vocês são banda? É rock essa porra?". Agora, contando, é engraçado, mas foi foda.

E o show rolou, no fim das contas?
Esdras Nogueira (sax barítono): Aí teve até que cancelar o show, porque a gente passou o dia inteiro na delegacia, véio. Porque o primeiro problema foi o assalto, só que depois, como o delegado viu que a gente era banda e começou a chegar a imprensa na delegacia, os bichos não liberavam a gente. Nós só fomos liberados às 10h da noite, sendo que chegamos às 6h da manhã na delegacia. Roubaram eletrônicos, computadores e dinheiro, era o que eles queriam. O esquema de roubo desses caras é assim: eles levam todo mundo pro mato, prendem todo mundo lá e abrem o baú. Demos sorte porque estourou a roda de um ônibus da frente, eles viram que o bote era fraco, e acho que aí que nos safamos, senão iam largar a gente amarrado lá no meio do mato. Acho que não levaram instrumentos porque eles não tinham como passar pra frente. iPod, iPad, essas coisas, eles já tinham esquema pra vender. O bom é que no final saiu todo mundo inteiro.

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No final final acaba dando tudo certo, né? Vocês têm umas histórias que começam na roubada e terminam com um saldo positivo?
André: Tem umas situações engraçadas que são tipo umas falsas roubadas. Ou, meia-roubadas. Você pensa que vai ser uma merda do começo ao fim e quando termina pensa que valeu a pena. Um exemplo é quando a gente foi pra Suíça. Chegamos no lugar onde íamos tocar, incrível, um barco. Só que antes os caras nos levaram no que seria o albergue e falaram: "É isso, vocês vão dormir aqui"… Lá na Suíça, como tem pouco espaço pra contracultura, não existe um submundo de verdade, daí o governo forja uma região pra galera produzir eventos underground e tal… E aí cara, a gente ficou num lugar que apelidamos de Hellbergue (risos). Porque na real era tipo uma casa de show, misturada com bar, enfim, um pico muito tosco. Nem era hostel, o chuveiro não funcionava, tudo o que tinha era um banheiro pra dez pessoas, uns beliches escrotos. Quando chegamos pra tocar o local do show era incrível, e o dinheiro suíço vale pra caralho, então nós tiramos a maior grana dos organizadores do evento. O palco era mó bom, rango bom. Só o lugar que botaram a gente pra dormir que era tosco.

Gabriel: Daí rolam também umas coisas que são tipo umas trapalhadas. A gente chegou em Recife uma vez, e o cara da van achou que era num hotel só que era no outro. Ainda assim ele tava pouco se fodendo, saiu largando tudo lá no endereço errado, começou a tirar as coisas do carro… Mesmo depois que ele viu que não era ali o endereço, continuou descarregando o equipamento da van, e a gente ficou preocupado de ter que carregar 200 quilos de equipo até o lugar certo. Ainda bem que o Esdras é grande e começou a empurrar o cara de volta pra dentro da van, falando: "Você não vai embora, não!" (risos)

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Já aconteceu de vocês ficarem putos com técnico de som, falta de retorno, acústica ou equipo zoado?
Esdras: Sobre problemas que rolam com som, uma vez a gente foi tocar com uma banda, que hoje os caras são amigos nossos e tal… Mas o técnico de som desses caras chegou e, logo depois da passagem de som, os bichos formataram a mesa total, apagaram todas as cenas. Nós íamos entrar pra tocar, e a mesa estava zerada. Só que aí, beleza, já que os caras zoaram conosco, resolvemos dar o troco e zoar os caras também, né. Acabou que veio a produção deles querer intimar, tiveram que apartar a briga e tudo mais…

Gabriel: Estrada é assim, tem dia que você fica num cinco estrelas e tem dia que você está numa roubada, isso é fato.

André:Já teve show que fomos só com passagem de ida, sem garantia de passagem de volta. Isso foi logo no começo, quando começamos a viajar, e nem nos ligamos de verificar isso na negociação. Os caras falaram "Vem aí que dá-se um jeito", mas… Chegamos lá, não deu-se jeito nenhum, foi a maior treta…

E quando dá vontade de cagar em situações impróprias? (risos)
Esdras: A maior treta é quando você passa mal na viagem. Eu já passei mal algumas vezes. Uma vez estava viajando, e eu tinha uma namorada, que ela vivia querendo viajar com a banda. Eu falava pra ela, "Olha que viagem com banda é a maior treta", mas a mina, "Tá bom, vamos nessa". Ok. Daí era uma turnê em que tocaríamos no Rio e depois iríamos para São Paulo, e esse trajeto era de ônibus. Bicho, comecei a passar mal no Rio, passei mal em São Paulo, me borrei nas calças todo… Aí, cara, foi aquela diarreia fodida! Depois dessa ela nunca mais quis viajar com a banda (risos).

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André: Conta a de Belém, que você tomou…

Esdras: Putz, teve a de Belém, que eu tomei um tacacá…

André: Esse bicho é doido, mano. Ele tem alergia a camarão, tomou um tacacá e entrou no avião sem o remédio.

Que porra é esse negócio de tacacá?
Esdras: Tacacá é aquele caldo temperado que vem servido com um camarãozão seco e jambu. Sei lá, eu esqueci que tenho alergia a isso, velho (risos). Aí eu comi a parada, passei mal, vomitei no avião, vomitei no aeroporto, chapei, quase morri. Aí depois tinha um show em Uberlândia, pegamos o carro, fomos pra lá, e eu zoadão…

E morreu…

Essa já é a segunda roubada que a gente conta aqui. Veja o post de estreia: Roubadas na Estrada: Ruy Fernando Contra os Metaleiros que Curtem Titãs e Outros Causos