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Música

Entrevistamos Richard Ribeiro sobre 'Odradek', o novo disco do Porto

O baterista que toca em praticamente TODAS as bandas do Brasil lança o primeiro álbum completo com o duo

Foto: Paulo Borgia/Divulgação

Você pode não ter consciência disso, mas se você ouviu música brasileira nos últimos cinco anos é grande a chance de você ter ouvido o Richard Ribeiro tocar. O baterista paulistano tem 33 anos e há uns dez deles percorre freneticamente o circuito underground paulistano. Nos últimos tempos, a parada na real foi além do underground e de São Paulo.

Ele começou de verdade a carreira lá começo dos anos 2000, com a seminal banda de post-hardcore quebradão Diagonal, ao lado de Cláudio Duarte e Sérgio Ugeda. O grupo acabou em 2004 e, na sequência, Richard e Ugeda formaram o Debate, que também foi pilar central na cena underground paulistana, fez turnê no exterior e até chegou a gravar com Steve Albini.

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Depois de 2007, Richard engatou uma prolífica carreira como músico de palco e estúdio. A lista é longa: Marcelo Camelo, Naná Vasconcelos, Rob Mazurek, Tulipa Ruiz, Karina Buhr, Maurício Takara e outros tantos. Hoje ele toca com Marcelo Jeneci, Pélico, Gui Amabis, Dudu Tsuda, Guizado, Chankas, Mdm e Bodes & Elefantes. Haja energia.

Não contente em tocar com praticamente TODOS os músicos da nova safra brasileira, Richard também tem o seu projeto solo, o Porto, que lançou o seu primeiro disco cheio na semana passada, o Odradek. O projeto consiste em um duo, Richard acompanhado de um guitarrista. Em sua primeira encarnação, Richard convidou o guitarrista Renato Ribeiro e eles gravaram o EP Fora de Hora em 2009.

Agora, ao lado do cearense Regis Damasceno (outro guitarrista compartilhado entre vários artistas como Guizado, Gui Amabis, Cidadão Instigado), Richard propõe em Odradek uma viagem rítmica entre texturas ácidas, flertando ao mesmo tempo com o experimentalismo progressivo e o ambient. Tudo fortemente inspirado pelo universo literário da ficção científica, explica Richard.

Conversamos por e-mail com o baterista sobre isso e muito mais, como você pode ler a seguir. Lá pelo fim do papo, no momento “saudades do que vivi ou evitei viver”, Richard faz um diagnóstico bastante sagaz da cena underground. “Olhando para 10 anos atrás e tentando comparar, acho que apesar de hoje termos mais canais de divulgação para o trabalho independente, na essência, pro artista, muita coisa permanece igual. Continuam sendo muitas bandas pra pouquíssimos espaços”, analisa.

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Um presente: nesta sexta, 23, o Porto faz o show de lançamento do Odradek em São Paulo, no Serralheria. Exclusivamente para os leitores do Noisey, o Richard ofereceu entradas grátis para a apresentação. As instruções para conseguir colocar as mãos nesses ingressos estão no fim da matéria.

Noisey: O Porto é o seu projeto pessoal. Como você administra ele em meio à tantas bandas, participações e outros projetos?
Richard Ribeiro: Precisa ter uma boa organização e acho que com o tempo fui desenvolvendo isso. Outra coisa que ajuda nesse gerenciamento é que a natureza do trabalho é bem diferente nos dois casos. Com os artistas que acompanho o que eu faço consiste em achar a melhor maneira de contribuir para o que eles estão tentando comunicar ali. Eu me dôo pra isso. No Porto, o trabalho que tenho que fazer é diferente, não só porque a comunicação é minha, mas porque a natureza do trabalho é muito mais ampla. Componho as músicas, produzo, marco os shows, pago o disco e uma série de outras coisas. São muitas decisões a serem tomadas e isso demanda uma energia diferente e muito mais tempo mesmo. Mas vou fazendo no meu ritmo, sem ansiedade.

O que mudou na sua concepção e no som do Porto desde o Fora de Hora (2009)?
A concepção é a mesma desde o inicio da trabalho. Vejo como uma continuidade do que sempre fiz. Sonoramente falando, no primeiro disco, gravei as músicas com um metalofone e o Renato Ribeiro estava na guitarra. No segundo disco usei um vibrafone e as guitarras são do Regis Damasceno.

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Como foi o processo de composição e gravação do Odradek?
As músicas começam a ser feitas geralmente a partir de alguma melodia que me vem a cabeça, ou de alguma coisa que eu vi, li ou vivi e me passa a vontade de traduzir sonoramente. No caso do Odradek, especificamente, houve uma influência grande de ficção científica. Foi um período em que me envolvi bastante com obras que mostram universos irreais que fazem aflorar questões humanas de uma forma estranha e algumas vezes até mais profunda que o habitual. Foram influências pra mim, por exemplo, as obras do Stanislaw Lem, Theodore Sturgeon, Philip K. Dick e mesmo os contos do Julio Cortazar, que não são propriamente do gênero ficção científica, mas desenvolvem essa mesma relação entre um ambiente fantástico e as questões humanas autênticas.

Sobre a gravação, foi muito simples e rápido. Gravei com o Bruno Buarque, no estúdio dele.

Eu e o Regis ja estávamos há algum tempo tocando essas músicas. Já estava tudo pronto, então a ideia foi simplesmente captar esse momento. Gravamos juntos, ao vivo, na mesma sala. Praticamente todas as músicas foram gravadas em uma tarde.

E por que o nome Odradek?
Sabe quando você se depara com algo que te emociona e você não é capaz de explicar, de colocar em palavras, de compreender? Odradek foi uma palavra que provocou um pouco disso quando a encontrei em um livro do Enrique Vila-Matas. Odradek pode ser o sólido que esta na capa do disco, a caveira, ou o planeta em que essa cena seria possível. Não sei exatamente o que é… ainda estou descobrindo.

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Como surgiu a parceria com o Regis? O que ele adicionou às suas ideias?
Acho que eu conheci o Regis quando substituí o Clayton num show do Cidadão Instigado que ele não pode fazer. Rolou uma afinidade, e como ele já tocava com muita gente nessa época, acabou me apresentando para vários artistas e começamos a tocar mais vezes juntos. Foi uma questão de tempo ele tocar no Porto, pois sempre estávamos tocando, ouvindo e falando sobre música. Ele tem uma sonoridade e personalidade que eu admiro muito. É uma pessoa muito sensível e generosa musicalmente. É dessas poucas pessoas que conseguem servir à musica e ainda colocar sua maneira de tocar.

Você é parte importante do circuito experimental paulistano, desde a época do Diagonal e do Debate. Hoje em dia você consegue analisar qual a importância e o impacto dessas bandas no som e na correria dessa cena?
Sei que tinha uma galera que gostava do som que fazíamos naquela época. Alguns bons amigos, com saudades, as vezes pedem pra voltar e tal… mas não consigo te dizer sobre a importância e impacto que Debate e o Diagonal tiveram. Não tenho um ponto de vista sobre isso.

Com relação ao público e ao circuito de shows, qual a diferença entre aquela época e hoje em dia para quem faz esse tipo de música?
Acho que sempre houve pessoas interessadas em músicas fora do mainstream. Essas pessoas eram e continuam sendo poucas (risos), mas estão lá. Em relação ao circuito de shows, há 10 anos atrás, eu era totalmente por fora de agenda e da produção de shows. Nessa época eu me envolvia basicamente nas composições das músicas. Eu ia fazer um show sem nem saber onde era, pra quem era e qual era o cachê - ou se tinha cachê. Eu simplesmente sentava na bateria, tocava e ia embora pra casa. A vida era simples assim.

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Com o Porto, isso mudou. Precisou mudar, porque eu não podia mais me preocupar só com o instrumento e com a música em si. Eu precisei entender tudo o que engloba o cenário musical para que o trabalho pudesse existir, pois tudo passou a depender 100% de mim. Olhando para 10 anos atrás e tentando comparar, acho que apesar de hoje termos mais canais de divulgação para o trabalho independente, na essência, pro artista, muita coisa permanece igual. Continuam sendo muitas bandas pra pouquíssimos espaços. Faz sentido pensar inclusive que a relação entre bandas querendo tocar e lugares disponíveis é ainda mais desproporcional do que na época do Diagonal, por exemplo. Ainda é muito difícil você sair para tocar fora do estado de São Paulo. É muito comum ver donos de casas de shows promoverem baladas pra conseguirem pagar as contas. O show muitas vezes é secundário.

O que a gente vê é cada artista fazendo seu corre do jeito que dá e muita coisa precisando ser desenvolvida e transformada culturalmente para que tenhamos uma cena rolando de verdade aqui. E pelo que eu lembro de 10 anos atrás, era mais ou menos esse o papo naquela época também.

O que você tem escutado ultimamente?
Alguns artistas de que gosto bastante e que ouço muito ultimamente. Connan Mokasin, Dirty Projectors, Avi Bufallo, Field Music, Unknown Mortal Orchestra,The Eternals, Jonathan Wilson, The Dø, só pra citar alguns. Tem uma galera aqui no Brasil que está mandando bem por aí também. Rafael Castro, Catatau e o Instrumental, Kiko Dinucci, Thiago França, Pélico, M.Takara. Tem muita gente fazendo música boa por aí hoje em dia, é só procurar.

Como está a agenda de shows do Porto?
Por enquanto o Porto tem um show de lançamento do disco na Serralheria dia 23 de agosto. Mas já temos algumas datas em negociação no Rio de Janeiro, Pouso Alegre (MG), Goiânia, Belo Horizonte e Fortaleza. Para quem quiser saber quando tocamos é só acompanhar a pagina no Facebook ou no site, onde tem o disco pra baixar gratuitamente.

Os cinco primeiros que mandarem email para o com o assunto NOISEY NO SHOW DO PORTO NO SERRALHERIA (tudo em maiúsculas mesmo), levam os VIPs.