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Música

Bêbado de Amor por Sharon Van Etten

Estou frustrado, porque não consigo encontrar as palavras de que preciso para perguntar a Sharon Van Etten de onde vêm suas canções de amor maravilhosamente trágicas.

Conversávamos havia uma hora quando percebi que tinha bebido um pouco demais.

“Você sente que sua música é…?” E demoro em meu desconcerto. Sharon Van Etten olha para mim com seus grandes e profundos olhos castanhos. Tento novamente. “Você sente que sua música é… Bem, você sente que sua música é…”

Mais um momento se passa.

“Não entendi o que você quis dizer”, ela diz, sorrindo.

Peço desculpas, porque estou constrangido, porque é meu trabalho, como jornalista, saber o que dizer a pessoas que entrevisto e, até então, já tinha bebido mais do que poderia contar. E estou frustrado, porque não consigo encontrar as palavras de que preciso para perguntar a Sharon Van Etten de onde vêm suas canções de amor maravilhosamente trágicas – e isso é algo que disse a mim mesmo que preciso saber para entendê-la – embora faça sentido não conseguir formular esta pergunta, porque esta é uma questão que não se pode perguntar a alguém, porque ninguém sabe a resposta. De onde isso vem? O que isso tudo significa? Por que decepções amorosas existem? A resposta a todas essas perguntas clichês, que nos surgem a qualquer momento e que todos nós nos fazemos, é sempre mais simples do que parece, apesar de nenhum de nós jamais tê-la ou conseguir expressá-la em palavras – somos todos seres humanos.

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“Uma música como ‘Your Love Is Killing Me’”, digo, colocando minhas mãos sobre o balcão à minha frente. “De onde você tira a coragem para escrever algo como ‘Quebre minhas pernas e então não posso correr até você’? Algo assim é tão vergonhosamente sincero…”

É começo de março, está mais do que congelante do lado de fora e somos as duas únicas pessoas no bar, um lounge tranquilo em Greenpoint, no Brooklyn. Sharon tinha chegado alguns minutos atrasada, desculpando-se repetidamente por me ter feito esperar. Toda de preto – sobretudo, echarpe e suéter – pediu ao barman que a servisse qualquer drink à base de tequila. Ela quer beber como se fosse verão, então nós esquecemos de que lá fora está parecendo a Antártida.

No auge de seus 33 anos, Sharon pausa por um momento após minha pergunta, coletando seus pensamentos para que consiga ser precisa e clara na mensagem que tenta passar. Depois de um momento, ela se abre.

“Não, não. Tudo bem, tudo bem. Vamos falar sério”, ri. “Quando escrevo, não é tipo ‘agora vou sentar e escrever’. As coisas vão acontecendo e isso é minha própria terapia. Aquela música que você citou. É sobre… tipo… amor doentio, sabe? Ela tenta descrever a procura por uma pessoa, mesmo que isso seja emocionalmente desgastante e, mesmo assim, você espera por ela. Quem nunca passou por isso? Quem nunca amou tanto alguém e, mesmo assim, sabia que era errado?”

Foto por: Jessica Lehrman

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Essa é a pergunta que a música de Sharon Van Etten sempre se fez – e seu quarto álbum, Are We There, continua com essas mesmas questões. Quem nunca esteve em um relacionamento péssimo, cheio de decisões ruins após decisões ruins, uma atrás da outra? Por que às vezes nos esforçamos tanto para nos adaptar a pessoas que sempre só nos trazem infelicidade? A primeira faixa do álbum, Afraid of Nothing, dá o tom para essa ânsia de rompimento para com algo de que sabemos que precisamos escapar, mas que não estamos certos de como fazê-lo. “Não posso esperar / muito medo de nada”, decreta, palavras agindo como uma epítome de quem ela é como artista. “Não posso esperar / para que não nos escondamos de nada.”

É da nossa natureza como seres humanos procurar diferentes meios de manter as coisas em nossas vidas do jeito que estão, mesmo reconhecendo o quão venenosas elas podem ser. Ser uma pessoa é uma merda, às vezes, e Sharon Van Etten entende disso.

“Escrevo músicas muito intensas, e isso é terapêutico para as pessoas.” Quando fala sobre sua música e suas emoções, Sharon usa palavras como “nós” ou “todo mundo”. É como se ela quisesse que o mundo inteiro soubesse que não tem problema sentir as emoções que você sente. Essa vida esquisita acontece e estamos todos juntos nela, qualquer que sejam nossos caminhos individuais. Não devíamos sentir vergonha.

“Estamos todos um pouco fodidos, sabe?”

“Estamos todos um pouco fodidos”, repito.

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“Estamos, mas tudo bem”, diz sem rodeios.

Foto por: Jessica Lehrman

O que frequentemente esquecemos é que, sim, tudo bem ficar assim. Estamos todos constantemente obcecados tentando entender por que algumas coisas acontecem e outras não. E, se tem uma coisa que Sharon Van Etten sabe, é sobre se sentir fodido. Seu primeiro álbum, Because I Was In Love, lançado em 2009, exemplo de seu talento como vocalista e letrista – essa bizarra e audaciosa demonstração de emoção visceral – foi usado para processar a tóxica relação em que se encontrou durante três anos após a faculdade, quando ainda vivia no Tennessee, antes de partir para Nova York para começar uma vida nova. Nascida em Nova Jersey, Sharon agora vive na cidade há dez anos. Sharon nunca gostou muito de falar sobre o assunto, mas muitas pessoas que conhecem a história afirmam que foi problemática ao ponto de não se querer revelá-la a um jornalista. Quando pergunto sobre essa época, ela fala com autoridade.

“Não sou uma vítima, na verdade. Me levantei e hoje sou mais forte por causa disso. Apesar de minhas canções serem sombrias e pesadas, elas te põem para cima. Por isso eu as escrevi, por isso me sinto melhor. Quero ser mais aberta em relação ao meu passado, mas então tem o problema do papel de vítima. Estou muito mais interessada no processo e em como a música, em geral, pode ajudar pessoas, e não na história que há por trás.”

A história por trás de Are We There é sobre estabelecer sua individualidade. É sobre abandonar e abraçar o passado. É sobre de onde ela veio como letrista e artista. “Esse álbum é provavelmente o que mais reflete o que está acontecendo comigo atualmente”, conta. Muitas das músicas giram em torno da relação instável que teve nos últimos cinco anos. “Ele é solidário”, diz em voz baixa. “Mas está despedaçado porque não podemos ter uma vida real agora”.

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Musicalmente, Are We There é até então seu maior trabalho solo. Enquanto seus álbuns anteriores contaram com a ajuda de pessoas como seu amigo Aaron Dessner, membro da banda The National que produziu seu terceiro álbum, Tramp, Sharon comandou ela mesma toda a produção de Are We There.

Talvez seja por isso que este álbum, gravado em um período de nove meses, parece ser o que mais a ilustra como artista. Há algo em Are We There que parece focado. Ele é mais completo do que tudo que ela já gravou, mas ao mesmo tempo é o mais vazio – é ela e aquele sentimento de honestidade que se revela.

“Não sou uma pessoa triste e deprimida. Esta é a razão pela qual faço isso, ou então acabaria mesmo assim.”

Rio de sua displicência: não há porque tentar decifrar seus pensamentos. Ela é engraçada, assim como a vida, e me conta que, antes de pegar na guitarra, queria ser comediante. “Gosto de improvisar”, diz. E ela é boa nisso. É sem nenhum esforço que exprime seus sentimentos em nossa conversa.

“Tudo bem se sentir triste. Tudo bem se sentir para baixo. Tudo bem se perguntar o que está acontecendo com sua vida. Sinto que muitas pessoas são fechadas emocionalmente e acho que, de alguma forma, isso é normal na maneira em que vivemos, mas sou uma pessoa muito emotiva e gosto de falar sobre meus sentimentos, especialmente com meus amigos e minha família.”

Foto por: Jessica Lehrman

Sharon continua, me contando como o Jogo do Contente – aquela filosofia de vida do romance Pollyana em que se tenta encontrar algo bom em toda e qualquer situação – foi “uma instituição” em sua vida. Sorrio, reparando na tequila que pediu no clima de -10 graus.

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“Só acho que não há lugar para negatividade. Quando as coisas acontecem, não é tipo, ‘era pra acontecer isso com você’. Foda-se isso. Eu tinha uma amiga que cometeu suicídio recentemente e eu estava tipo, foda-se isso. Mas qual era o motivo por trás daquilo? Sua família escrota. Ela era o produto de pais negligentes e escrotos. Pensar sobre isso, como você se forma a partir disso e se relaciona com isso, é com você.”

Vou até o banheiro, mas deixo meu gravador ligado. O barman, um músico de cabelos escuros, penteados para trás, e jaqueta jeans vem e se apresenta. Bem, tecnicamente se reapresenta.

“Nós nos conhecemos um tempo atrás em um show”, diz, com o que imagino ser um sorriso. Seu nome é Mickey.

“Pensei que te conhecia de algum lugar”, diz ela, com o que imagino ser também um sorriso.

Ele pergunta como vai a entrevista, se é estranho ser bombardeada de perguntas.

“Sou vulnerável e emotiva e ainda estou aprendendo o que dizer [sobre o álbum].”

Ele concorda: “Já acho que extrair o som da sua cabeça é difícil o suficiente”.

“Não sei como falar sobre isso agora”, diz Sharon, soando um pouco exasperada. “Escrevê-lo foi denso o suficiente.”

Volto do banheiro e ambos sorriem à minha chegada. Fleetwood Mac está tocando no fundo, e me lembro desse vídeo antigo de Stevie Nicks que vi inúmeras vezes. É do começo dos anos 80, nos bastidores de uma sessão de fotos para a Rolling Stone. Ela estava sendo maquiada, seu cabelo com um permanente. Vestido branco. De repente, um piano vibra e Stevie toca air guitar, antes de começar a cantar, repetindo o refrão de “Wild Heart”, uma das músicas mais vulneráveis de sua carreira cheia de músicas vulneráveis. “Onde está a razão / bem, não culpe meu coração selvagem.” No final do vídeo, ela ri, batendo palmas e apontando pelo cômodo, completamente inconsciente do quão cativante sua voz é. Ela sorri. Há um sentimento cativante ao redor dela. Ela é confiante, e não arrogante; encantadora, e não falsa; adorável, e não afetada.

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Sento-me novamente no bar e meus pensamentos são interrompidos por Sharon me contando sobre o aplicativo de horóscopo que ela confere regularmente. “É idiota, eu sei, mas está sempre certo!”

Sharon é pisciana (“Piscianos são muito emotivos!”) e me convence a baixar o aplicativo. Baixo-o e checamos meu signo, que é Gêmeos. Antes de ler, brinco que ela não deveria confiar em mim, porque, de acordo com meu signo, tenho duas caras. Uma simples frase aparece: “Tudo vai se esclarecer em breve”.

“Intenso.” Sorrio, ela olha para mim e também sorri.

“Como nos relacionamos uns com os outros? Seja bom. Seja gentil”, diz, se referindo mais uma vez a todos nós de forma única. “Não sei o que isso quer dizer, cara. Eu só escrevo canções de amor.”

Eric Sundermann é Editor-Chefe da Noisey. Seu Twitter — @ericsundy

Jessica Lehrman é uma fotógrafa que vive em Brooklyn. Seu Twitter — @jessierocks

Tradução: Pedro Taam