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Música

A Cena de Animê-Dance Japonesa Está Mesclando Cultura pop de TV com EDM

O animê não perdoou nem o pop nem o dance e a gente foi atrás dessa cena japonesa. Saca isso.

Os sets do Ryo Inoue não viram enquanto ele não faz a cruz com glow sticks, aqueles bastões que ficam luminosos depois que você dobra eles ao meio. Antes disso ele fica tocando atrás do laptop, sempre vestido de branco e mixando pops norte-americanos tipo Destiny’s Child e Michael Jackson. Até que ele tira a camisa, quebra os sticks e monta uma cruz com eles para o público. Ele tira uns segundos pra fazer uns passos de break dance, e volta pro laptop, aí ele começa a mandar as trilhas famosas dos animês japas.

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Inoue se apresenta sob o codinome DJ Evangelion (sacou o lance da cruz agora?), caso você não seja familiarizado com esse universo, Evangelion é um animê dos anos 90 absurdamente popular no Japão até hoje. A musiquinha que toca no final de cada episódio virou o apogeu das suas apresentações. Ele é um dos melhores DJs dessa cena de animê-dance que está crescendo no Japão; que não passa de um cantinho da cultura clubber japonesa com DJs mixando trilhas de desenhos que marcaram a vida de uma geração e que está doida pra dançar loucamente segurando glow sticks pro alto. Mas isso não é exatamente uma novidade do mundinho geek. Os produtores e DJs desse mundo também tão ligados no que tá rolando nos estilos de música eletrônica de agora, e aí eles pegam trilhas bonitinhas de desenhos clássicos e transformam essas músicas em trance ou em brostep. E com isso, cada vez mais artistas do universo animê-dance estão cruzando a fronteira do underground e passando para o lado mainstream. O que antes era considerado nerd e totalmente fora da cultura clubber, está começando a conquistar espaço na noite.

O animê tem sido um marco da cultura do Japão desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e séries como Dragonball Z e Sailor Moon, junto com muitas outras, logo se tornaram hits de exportação. Mesmo assim, Yamada Masayuki, o gerente do principal clube da cena anime, o Mogra, que fica no distrito de Akihabara, diz que noites dedicadas às trilhas de desenhos não rolavam com tanta frequência. “Festas desse tipo só rolavam em centros comunitários ou salões públicos, nunca em clubes”.

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O Mogra foi o primeiro clube a se aventurar em misturar trilhas de animê com músicas da cena clubber. O lugar abriu as portas em 2009 como um investimento da atual dona, Mofuku-Chan (e também DJ de animê-dance) para o distrito de Akihabara, a intenção era expandir a vida cultural da redondeza. Masayuki diz que eles queriam abrir o clube numa região afastada da estação de trem de Akihabara, que é predominantemente turística.

“Nós queríamos que o Mogra fosse legal tanto para os fãs de anime quanto para os fãs da cultura clubber”, diz Masayuki, que também é DJ e se apresenta como D-Yama. As primeiras idas ao Mogra podem ser impressionantes. As paredes do lugar são forradas de personagens de cartoon e um monte de entusiastas vai de cosplay dos seus personagens preferidos, adicione a isso cabelos de todas as cores. Mas não se engane: o resultado lembra bem pouco uma convenção de animê com nerds chupando saquinhos de Mupy. A fila para o bar é longa e todo mundo que está na pista (fantasiado ou não) dança freneticamente, ao som da música que vai de samples com diálogos dos animes para batidas de drum ‘n’ bass, trance e house.

Taisuke Saegusa, que se apresenta como DJ Wildparty, tocou no primeiro ano do Mogra. Ele diz: “Na primeira festa que eu toquei lá, precisaram desligar o som porque os vizinhos estavam reclamando do barulho. Tinham vários problemas, no começo.” Ele ainda conta que o mesmo com todos os problemas, o clube deu um jeito de arrumar tudo e ficou mais consolidado, com festas quase todos os dias rolando até tarde da noite e sendo transmitidas pela internet via live streaming.

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“Uma geração mais nova absorveu a cultura clubber de música eletrônica moderna, mas eles também consumiram muito animê, e agora juntaram tudo nesse universo”, conta Saegusa. Ser obcecado por animê, ou ser um otaku (ser chamado assim não te torna um cara muito maneiro) ainda é uma coisa vista como zoada, mas colar nessa fita tem se tornado uma coisa mainstream, até meio hipster. É como se fosse a versão japonesa do “geek chic” norte-americano, mas sem ser tão geek. Com isso o animê deu um salto para os universos da moda e da publicidade. Masayuki também conta que o crescimento da internet teve papel fundamental em preencher lacunas entre movimentos culturais, especialmente para a música. Selos musicais que só existem no virtual, como o Maltine, cresceram e ajudaram a fomentar o interesse na união entre o animê e a música eletrônica, e mais, deu aos entusiastas um espaço para viajarem mais ainda em cima das trilhas, o que resultou em lançamentos sérios e bons. Todo esse alcance do selo esteve em exposição no final do ano passado no festival de outono da Keio University.

Entre as barracas que se sustentam por conta do time de futebol americano da universidade e os clubes de artes, tinha uma área para os entusiastas da cena anime-dance. A maior parte das pessoas que estavam lá estava de cosplay pulando de um lado para o outro ao som de trilhas e remixes frenéticos. E mesmo assim diversos outros estudantes se juntaram à festa, tinha criança junto e até um cara de pelo menos uns 60 anos – que também dançou. No final da festa, vários saíram distribuindo flyers de festas de anime-dance pela cidade. E o contrário também está acontecendo, você não costumava ouvir um remix de anime num DJ set de bass, mas agora está começando a rolar. “As pessoas não estão mais achando ruim ter um remix de anime, mesmo que sendo bom, só porque é de um desenho. As pessoas estão começando a achar legal.” Diz Inoue.

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O Inoue, que toca como o Evangelion há dois anos, cresceu assistindo animes como Sailor Moon e Doraemon, mas não sabia da existência da cena musical de anime até a faculdade. Ele diz que o momento em que ele se deu conta e que foi crucial para a sua entrada nesse universo foi quando ele ouviu um remix feito pelo produtor Fazerock da música “Senbonzakura”, do desenho Hatsune Miku. “Essa foi a primeira vez que eu ouvi um remix brostep desse tipo de música.” Ele conta. Isso o levou a ir atrás de outros caras que fazem remixes de trilhas de animês populares, como o The Lasttrak, que fez uma versão dub incrível da trilha do anime Girls Und Panzer, que é uma espécie de Sailor Moon com tanques de guerra. Não demorou muito para o Ionue começar a fazer seus próprios remixes.

As apresentações de todos esses DJs se tornaram comuns no Mogra, junto com outras dezenas de novos espaços e novas festas que começaram a pipocar nos últimos dois anos. Aliás, surgiram tantos lugares e festas, que criaram um diretório para listar todos eles. Mais e mais artistas do universo anime-dance estão dando as caras em clubs até então “tradicionais” por todo o Japão. Um dos nomes mais promissores é o DJ Wildparty, que já tocou diversas vezes no superclube AgeHa, em Tóquio, e no começo do ano tocou num evento enorme de EDM ao lado de caras como o Steve Aoki e Redfoo. Ele também tem umas produções em estilo Jersey Club de um desenho chamado Tora Dora. “Eu gosto de pensar que ao final do meu set as pessoas têm uma impressão melhor do que o Mogra e essa cena são”, ele diz.

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Os estereótipos que certa vez foram responsáveis por um abismo cultural entre esses dois mundos, e entre a cultura pop japonesa como um tudo, estão enfraquecendo. A comunidade do animê-dance conseguiu estabelecer seu espaço dentro do nicho da dance music japonesa e agora está invadindo outros rolês. A ideia de misturar esses movimentos culturais está ficando cada vez menos estranha, já que toda uma geração está crescendo sem preconceitos com o animê. E com mais e mais pessoas se juntando por interesses em comum, menos esse mashup vai soar esquisito.

“Eu convidei um monte de amigos que não são japoneses, para essas noites de anime, pessoas que nunca tinham ido a algo parecido.” Inoue conta. “Todos acabaram curtindo. Eles disseram que não entenderam nada, mas que foi muito divertido. Isso me fez pensar que talvez essa cena seja mais sem fronteiras do que eu imaginei.”.

Todas as imagens são cortesia do Mogra

Você pode seguir o Patrick St. Michael no Twitter: @mbmelodies

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