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Música

Zine é Compromisso: Especial Tupanzine

Para celebrar os 20 anos da empreitada mais boca suja e admiradora da putaria colocamos os dois fundadores do zine, lado a lado, para se entrevistarem.

O zine musical – assim, meio que musical – há mais tempo em atividade comemora 20 anos de existência em 2014. O Tupanzine, fundado em 1994 no Guará, cidade-satélite de classe média baixa do Distrito Federal (na geografia sócio-econômica de Brasília os boys moram no plano piloto e, à medida que as cidades-satélites se afastam dele, a renda per capita vai caindo) segue firme e forte mais pela boa teimosia do fundador Ricardo Tubá do que por qualquer outra coisa.

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Funcionário da Advocacia Geral da União, Tubá sempre levou o zine do ponto de vista mais pessoal possível – por muito tempo ao lado do escudeiro Luciano Kalatalo, estatístico por formação, que hoje reside em São Paulo. As páginas, sempre xerocadas, misturam uma linguagem própria, com um quê de bastidores e alguma ortografia bagunçada, imagens pornográficas, papos de futebol e uma certa devoção ao neo-psicodélico gaudério Plato Divorak.

Apesar do hermetismo das piadas internas, o zine alcançou fãs pelo Brasil todo, que não sacaam muitas vezes nem 40% do que vinha escrito ali, e virou até dissertação de mestrado, Os Indies do Brasil, façanha de autoria da pesquisadora cearense Thais Aragão (é verdade, tá até no Lattes dela). [UPDATE: a Thais manda avisar que, ao contrário do que o próprio Tupanzine afirmava, na realidade ela fez a monografia de conclusão de curso sobre o tema]. “Uma vez o Cure e o Smashing Pumpkins brigaram no Hollywood Rock”, lembra Kalatalo, “e o Tubá fez uma matéria: ‘Fãs de Cure e Smashing Pumpkins trocam tiros do Distrito Federal’. Tinha rolado um tiroteio num bar, mas não tinha nada a ver. Chegaram várias cartas falando, ‘gente, também não é assim, não pode levar o fanatismo por uma banda tão longe’ (risos).”

Além da ficção e da piada interna, outra marca polêmica era a putaria, exibida em vários recortes de mulheres peladas ou de revistas pornográficas com gente na mais pura metelança, espalhadas de maneira um pouco aleatória zine afora. “Ficamos sabendo que a Alê do Pin-Ups era nossa fã, e pedimos para entrevista-la”, recorda Kalatalo. “Ela falou que sim, mas disse, ‘olha, sou feminista, então na edição que sair a minha entrevista não pode ter nenhuma pornografia’. Acho que nunca o Tubá caprichou tanto na quantidade de mulher pelada em uma edição”.

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Para celebrar os 20 anos da empreitada mais boca suja do indie brasileiro, resolvemos pular um pouco fora do nosso formato padrão da série Zine É Compromisso, e colocamos os dois principais nomes por trás dessa doideira, Kalatalo e Tubá, para entrevistarem um ao outro, bem nos moldes do Tupanzine original. Todas as respostas não foram editadas para serem fieis à leitura original – aliás, se você quiser conferir mais imagens do Tupanzine, o Tubá escaneou todas as páginas de todas as 83 (!) edições do zine e postou no seu Facebook – clique aqui para ver.

Luciano Kalatalo: Ricardo Tubá, porque Lula é o político mais popular da história brasileira? Por que o Tiririca foi o deputado mais votado do Brasil e tem recebidos elogios de sua atuação na camara dos deputados? Porque eles apareceram na capa do Tupanzine? Um fanzine que retratava a cena indie brasileira dos anos 90.
Ricardo Tubá: Sim. Vai entrar para história, superando JK. Tiririca foi o mais votado porque os paulistas só tem tiririca na cabeça, além do que ele é muito mais inteligente do que o bacaca do Romário, que pra mim nunca vai ser ídolo do Vasco. E temos que acabar com essa lenda de que ganhou a copa sozinho. Ele era um sangue suga, quem correu naquela copa foi o Bebeto.

Algum dia você acreditou que Brasília foi ou é a capital do rock?
Não. Brasília tinha um cena de playboys posando de rebeldes sem causa, filhinhos de diplomatas que compravam instrumentos importados, mas não tinham atitudes roqueiras. Nessa época minhas bandas preferidas eram Replicantes e Resto de Nada.

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Depois da gestão Roberto Dinamite no Vasco você acha que o Robert Smith do The Cure continua torcendo para o time?
Dinamite mostrou total incompetência como gestor, foi o maior ídolo da história do Vasco, mas jogou tudo que conquistou na lama. Tenho até hoje o pôster que ganhei em 1980, do Jornal dos Sports, dos 500 gols.

Porque muitas bandas brasileiras no início dos anos 90 cantavam em inglês mesmo não sabendo o significado de qualquer palavra do idioma?
Talvez porque cantando em português seriam piores e evitariam passar pelo vexame que a Magnética, projeto do Giulliano da Low Dream com letras bregas que lembravam Rádio Taxi e Herva Doce.

1994 foi ano do Real, a época que mais se importou CD no Brasil. Ano de fundação do tupanzine, auge do britpop, Paula Aryana, Bianquini , Loruvial Pet Sounds. quem foi o principal símbolo do indie brasileiro nos anos 90?
Foram Vários? JJ Berredo era uns dos meus preferidos. Metido a machão foi pego por Tadeu Rivera na plataforma superior da rodoviária trocando carícias com recruta da marinha.

Você enxerga conexão entre a "brodagem" dos antigos fanzines indies Brasileiros e a credibilidades da imprensa brasileira atual?
Sim. Tudo lixo. Qualquer pode fazer um blog e destilar um monte de besteiras. Mas tanto esses jornalistas frustrados e suas bandas prediletas não deram em nada e seus mentores ou viraram funcionário público ou DJ decadente fazendo bico na Play, antro dos playboys que curtem música eletrônica, gostam de ler James Joyce e pra dizer que são antenados frequentam boate gay do conic

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O Nirvana foi tudo isso mesmo?
Foi um marco. Melhor que porcarias como Oasis, Blur, Strokes e outras merdas

Você continua recomendando Velvet Underground, Echo & The Bunnymen e Pastels como discoteca básica?
Também. Minha banda preferida atualmente é Television Personalities, o verdadeiro pai do anorak

O zine está na ativa até hoje, você vê algo em comum entre todas as gerações que leram/leem o Tupanzine?
Ó único cara que atravessou gerações como leitor do Tupanzine é o Claudio Bull, que trouxe a música eletrônica pra Brasília e depois a desprezou.

Das demos de fita cassete das bandas brazilienses dos anos 90, quais você recomendaria?
Tarefa difícil. Mas vamos lá? A do May Speed que ajudei a produzir, o Farrapo Joe, a demo do OZ e a primeira demo solo do Fabinho Supersonic & Israel Nancy Boy, 2 moleques de 14 anos aqui do Guará que faziam um som inspirado em Close Lobsters e Jasmine Minks.

Qual fanzine daquela epoca voce teria guardado?
Nenhum, mas o pior de todos era o Make no Sense de SP que vinha com purpurina cor de rosa dentro das capinhas com lantejoulas .

A derrota de Cristovao para o Roriz em 98 enterrou a cena musical da cidade?
Sim. Os espaços diminuíram , a qualidade das bandas foi se deteriorando, o Retz parou de produzir eventos e o barqueiro virou crente da Universal. Foi o fim.

Ricardo Tubá: Você como um dos fundadores do Tupanzine chegou a ser acusado de antitético por divulgar a própria demo da sua banda o May Speed e ter atacado nas entrevistas vários monstros e sagrados e movimentos de vanguarda do rock Brasília como o Snevols, na época formado por bandas como Políbias, Animais do Espelho e Little Quail. Chegaram a ligar pra redação do zine pedindo que você se retratasse. Conte mais sobre episódio que marcou a estreia do zine e ajudou a promover a demo do May Speed.
Luciano Kalatalo: Tomar as dores dos ídolos do pop é tão antigo como o golpe do bilhete premiado - um método manjado de criar polêmica - incrível como a galera até hoje cai nessa, tem uma geração de jornalistas que montou a sua carreira com isso. Se lembra do Forastieri falando mal do Guns na finada Bizz? Não falta trouxa no mundo até hoje.

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Mas vamos combinar, qualquer coisa intitulada "monstro sagrado" nasceu para ser ridicularizado. Naquela época fomos ameaçados por falar mal de coisas como Weezer, Smashing Pumpkins, Lacrimosa, Sisters of Mercy, fase brega da Low Dream fazendo cover de Legião, Suede, Killing Joke, etc Diz a lenda que o vocalista da banda OZ chegou de surpresa no natal de 93 na sua casa e além de ter comido juntamente com integrantes da banda, todo o pernil que seu pai preparou e ainda pegou emprestado o vinil doolittle do Pixies e nunca mais devolveu, no mesmo ano que os skinheads negros do Guará o espancaram no lord dim juntamente com os irmãos low dream . até que ponto esses episódios fortaleceram a união do may speed para compor novas canções e ser objeto de culto das cidades satélites e conseguir fãs até de Aguas lindas, município mais violento do entorno de Brasília.
É impossível resistir ao pernil de natal lá de casa, um clássico até hoje. A cena musical de Brasília na época era sustentada pelo pessoal das satélites, digo, o plano tinha as bandas, mas grande parte do público era das satélites, que topava enfrentar mais de uma hora num busão da Pioneira ou VIPLAN tendo o dinheiro contado para comprar duas doses de pinga e as vezes a passagem de volta. Este show no Lord Jim Pub com os skinheads negros foi um marco: OZ, Low Dream e Sunburst tocando em um porão do Guará, tudo organizado pelo Retz um cara que merecia filme: pixador nos anos 80, produtor de festivais nos 90 e fundador do museu do vinil em 00 além de ter no currículo o fato de ter passeado com o David Bowie na Av. Paulista. Segundo Rubens 500, o maior fã da May Speed em Brasília, ele chegou a montar um fã clube da banda no Cruzeiro com ex-góticos do templo do Gama fundado pela lenda viva do rock de Brasília, Boscox - o auge do May Speed foi numa famosa troca de farpas com a Low Dream, que já tinham lançado 5 clips na MTV, dois CDs gravados pela gravadora do Dado Villa Lobos, já eram considerados por zines de São Paulo e do sul do país como o My Bloody Valentine brasileiro e ainda foram elogiados pelo Renato Russo, duas semanas antes de morrer, enquanto a May Speed tinha uma demo mal gravado em quatro canais no banheiro da casa do Cesinha Legião. Como vocês conseguiram rivalizar mesmo com todas essas diferenças e ainda enfrentando o preconceito dos playboys do plano piloto contra os proletários do Guará ?
O diferencial foi o Guará, que era o catalisador da cena local, possibilitando grandes contatos para o May Speed, todo mundo passava pela QI 6 conjunto N do Guará 1: fãs de Drum N Bass e Big Beat do Miqra, militares da aeronautica que se fantasiavam de Robert Smith nas horas de folga, poetas beat defensores da integridade do Morrissey, membros da Universal fans de Deep Purple, góticos do ritual do fogo com laranja. Vi muita gente chegar com um pacote de 10 fitas virgens e pedir desesperadamente para o Tubá gravar coisas como o Loveless MBV, Ride, Slowdive, show pirata do Legião Urbana e Rupaul. Fora os contatos pelo resto do Brasil e exterior. Tipo o gringo que mandava VHS com vídeos da MTV america e da Sub Pop recebendo em troca gravações das dançarinas do Faustão. Ou os primórdios do Midsummer Madness com o Lariu enviando demos via correio e emplacando uma banda pior que a outra. Um moleque de 14 anos lá de SP, um tal de Gilberto Custódio que escrevia resenhas sobre bandas que deviam ser escutadas acompanhadas de uma xícara de chocolate quente? Aliás os zineiros eram um caso a parte: Tinha o pessoal do Cabrunco, era sensacional pois cobriam toda a cena do Nordeste. O Ricardo Spencer que virou diretor de videoclipes escrevia para reclamar das ofensas desferidas ao Pavement. Brincando de Deus, que foi eleita melhor banda nacional de 1994 pelo zine. Alê do Pinups pedindo para que o zine parasse com as fotos de mulher pelada. A Paula Aryna, uma lenda da cena indie, que ligava para pessoas de todo o Brasil para discutir a realidade da cena. Um tal de Fábio Bianchini estudante de comunicação e shoegazer convicto. Bruno Privatti, o carioca guru da cena dos fanzines na época.

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Como era a sua relação com membros da May Speed, com diferenças musicais tão gritantes, como o gosto do baterista Cesinha Legião por bandas como Nenhum de nós, Uns e Outros, Herva Doce, Luciano Bahia, Scorpions, BonJovi e membros da bandas que votavam no Roriz, Fraga e FHC e compravam CDs do George Michael e Simple Red escondidos e diziam que era pra irmã mais nova?
Realmente era assim: tinha Led Zepellin, garage house, pop de FM, Iron Maiden fase Fear Of the Dark, axé music. Mas antes de brigarmos por causa dos gostos músicais, tínhamos pouca grana, e a briga mesmo era para ver quem pagaria o ensaio. Mas também tínhamos gostos em comum: My Bloody Valentine, New Order, Velocity Girl, Mutantes. Mas que no final não influenciava muito no som, pois não tínhamos formação musical alguma. A estreia do May Speed não foi muito positiva. O Omar Godoy chegou e escrever em um zine que a vocalista Michele cantou as letras com o set list na mão e trocou os nomes das músicas na casa do Wilton no lago norte. Como vocês reagiram às críticas desses zineiros? Pensaram em acabar com a banda depois do massacre da mídia zineira do plano piloto ?
Omar tinha crédito, pois era o maior fan de T-Rex que conhecíamos. Nosso primeiro show foi num período de entresafra em Brasília. As bandas do primeiro escalão tinham se mudado para São Paulo e Rio (Raimundos, Little Quail, Maskavo), e por coincidência ou não os espaços para shows desapareceram. Os shows começaram a acontecer em casas, foi a época que a Divine começou a despontar. Um dos poucos lugares que abriam espaço era o Woodstock bar na 207 N, onde o Leo produzia o Em Plena Segunda-feira. Quanto ao massacre, já era esperado, todo mundo da cena de Brasília tinha sido detonado no zine…

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O que vc tem a dizer sobre a decadente cena roqueira de Brasília atual, com roqueiro renomado e mitológico como Pinduca postando links e elogiando Cidade Negra, Jorge Vercílio, Jota Quest, Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, Supla, bandas da Monstro de Goiânia, Maria Gadu, Cássia Eller, Vitor & Léo e Parangolé?
Pinduca é um lenda viva, um dos defensores do rock no Mascavo Roots e que depois partiu para o Prot(o), uma das poucas coisas legais dos anos 00 em Bsb, a primeira demo deles também foi um marco, foi legal ver o Zepedro Gollo abraçando o papel de produtor musical da cena. Reza a lenda que ele ensinou o Alexandre Matias a tocar violão.

Um mistério que até hoje não foi desvendado foi a recusa, depois de ter confirmado a presença, do May Speed em dois eventos de guitar bands nos anos 90. Um foi aquele festival organizado pelo Gilberto Custódio Jr, Screamadelica, com as bandas Grape Storms, Cigarretes, Magic Crayon e outras bandas shoegazer do interior e o lendário festival do Guará organizado pelo Magoo, com as bandas Johnsons, Lupercais e umas outras três bandas hardcores de Guará. Vocês foram inclusive acusados de falta de profissionalismo, já que alguns membros da banda se esconderam atrás de uma árvore da pracinha das seis com peruca e coturno e outros estavam na praia de Fortaleza curtindo axé. O que vocês diriam hoje aos fãs que nunca perdoaram a atitude do May Speed, já que muitos fãs como Antônio do Setor P veio de bicicleta pra ver o show, já que conseguiu o flyer no Conic.
Cara, eu tinha compromissos mais importantes, fui para Fortaleza participar do encontro nacional de estudantes de estatística. O que você tem a dizer sobre a nova cena do Plano Piloto comandada pelo Gás, que são favoráveis a criação do partido da Arena renovada em Brasília e se reúnem na Play para comentar a rodada do campeonato carioca e as namoradas do Neymar. Tá faltando roqueiros de verdade com Retz, Eduardo Políbias e Xande Vavalo ?
Isto é a prova que ser cosmopolita não é necessariamente sinônimo de sofisticação. O que o Lobão e Roger do Ultraje fazem hoje é a postura da turma do Gás desde a época do post-rock (circa 1999). Me lembro de um show onde o Munha gritou dentro do CA de Antropologia da UNB: “Viva Clinton Fora Fidel”. Uma tupanzinada para a direita. Você lembra que o Pinduca tentou outro dia dar um puxão de orelha neles através do Facebook?

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Para mais música e putarias impressas manualmente em papel de baixa qualidade, dá uma olhada nas matérias anteriores da série 'Zine É Compromisso':

Zine É Compromisso: midsummer madness

Zine É Compromisso: Esquizofrenia

Zine É Compromisso: Escarro Napalm

Zine É Compromisso: Márcio Sno do "Aaah!!"