FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Zine é Compromisso: Eduardo Vomitorium, do Demência Zine

Uma publicação feia, lascada e fedorenta, inteiramente dedicada ao submundo gore-grind.

O que esperar de um fanzine chamado Demência? No mínimo, uma boa dose de desgraceiras, o que mais? Então, se você curte um grindcore, seja político ou não, é certo que a publicação do Eduardo Vomitorium vai atender às suas expectativas. O Demência Zine não segue periodicidade. Começou a rodar por aí em 2003 e parou em 2005. Nesse período, saíram três edições. A partir de 2011, foram lançadas mais duas, e tem uma no caixão esperando o ritual que vai reanimá-la. Todos os números ganharam tiragem de 300 cópias, porém muitas mais devem ter entrado em circulação, porque, segundo o editor, teve gente que pegou a matriz e saiu reproduzindo. A edição mais recente é também a mais extensa, com 70 páginas.

Publicidade

A próxima chegará bem mais recheada. O problema é que o escritório do Vomitorium foi inundado, alagado, destruído, e a máquina onde o zine estava sendo feito foi pro saco. Muita coisa produzida ao longo de dois anos se perdeu, mas ele disse que está refazendo tudo, e em breve o filhote se levantará da cova com um conteúdo muito daora. A espinha dorsal do Demência, de fato, é o grind. No entanto suas páginas trazem bandas que desembocam no splatter-gore, no death metal e numas brutalidades crust. É um fanzine de iniciado para iniciado, para pessoas que, tal qual seu criador, vivem a cultura underground, e não somente a consomem. Um lance em escala de culto, tipo a galera nerd que pira quando vê uma réplica em tamanho real e à perfeição do R2-D2, só que em sua versão adaptada ao submundo musical. É um fanzine do barulho, feio, lascado e fedorento.

Só vou dar uma pincelada em algumas matérias que já saíram nas edições deste zine egresso da cidade de Sobral, Ceará, pra vocês se ligarem qual é a fita. No primeiro, o destaque foi uma entrevista com uma banda de nome simpático, I Shit on Your Face, respondida por Dr. Renzo "Pig" Onofre. "O Dr. entendeu que estava numa camisa de força e respondeu à altura, espumando pela boca e revirando os olhos", comentou Vomitorium sobre a pauta. No número 2, chama atenção uma conversa massa, longa e detalhada com um dos nomes mais da pesada atrelado ao gore-grind atual, o Lymphatic Phlegm. No mais recente, tem uma matéria intitulada "Death Metal - Velhos Caixões, Novos Defuntos!!!", em que o cara deu uma de historiador: "Revirei zines velhos, caixas de tape, catei um monte de disco por país, por época, foram dias de pesquisa pra poder escrever com embasamento e veracidade. Gostei bastante do resultado final, e foi muito prazeroso o processo, sempre regado a fumaça radioativa".

Publicidade

O Demência conta ainda com uma seção curiosa chamada "Texxxtos Libertinos", onde o autor coloca na mesma panela suja a Bíblia, pencas de pornografia e tóxicos, e se mete a escrever contos sacro-pornôs. Puro escárnio. Depois de apresentar a vocês "o arauto da má notícia", o zine de black metal Revelações Abissais, a série Zine é Compromisso retoma seu curso perfilando outro expoente da música extrema e do idealismo underground. Com a palavra, Eduardo Vomitorium:

Noisey: O Demência Zine é produto de um esforço totalmente pessoal? Como funciona isso no seu caso?
Eduardo Vomitorium:Antes de jogar a primeira pá de areia, gostaria de agradecer o interesse nesse hospício fétido e aterrador em que se encontra a Demência. Vamos lá, vou colocar um LP do Squash Bowels pra começar a responder… Sou o responsável por tudo, o processo criativo não segue uma cronologia ou regra, é um projeto pessoal, vou fazendo quando o tempo deixa e quando eu estou afim. Eu cuido do editorial, diagramação, resenhas, entrevistas e porcarias literárias diversas. Conto com ajuda de alguns amigos que são envolvidos com o submundo barulhento, mas essa ajuda é esporádica. Na ultima edição (que já tá com tempo pra caralho fora do caixão) tem colaboração dos amigos André Luiz (Lymphatic Phlegm / Offal) e do Cristiano Passos (Antichrist Hooligans / Necrobutcher). Recebo alguns materiais de selos pra resenha, daí coloco anúncios dos selos, mas eu sou cliente da maioria desses selos e amigo dos caras mesmo antes do zine, não tem nada profissional. A maioria das resenhas que faço no zine são da minha coleção mesmo. Faço tudo do meu bolso, invisto por puro prazer pessoal. Tenho um contato numa gráfica onde trabalhei como designer, então fica mais fácil essa parte, mas não menos cara. Não posso deixar de mencionar minha valiosa equipe dos C’s: Cinzeiro, Café, Cannabis, Cerveja e a velha Coragem.

Publicidade

Em quais publicações, daqui ou de fora, você se inspira ou se baseia para definir a tônica, a estética e a abordagem do Demência?
Definitivamente minha influência vem mais da parte escrita, do conteúdo, do que visual. No passado, zines como United Forces, do Marcelo (Rot / Absurd Records / Extreme Noise Discos) mostraram com quantos mortos se faz um cemitério. Bandas que jamais apareceriam em revistas estavam lá nos fanzines. Tinha o zine da galera do Necrose que era fudido, o Infernal Sanctum. Bem depois, o Pathological Sphincter, do Leo (Vomito / Neoplasm Disseminator), tinha um conteúdo que me agradava bastante. O Necrocannibal Zine também fez parte dessa época. O Hell it Self, do Paraná, era foda também. Claro que, com os primeiros contatos, você vê que é possível conhecer zines de fora, trocar tapes, discos e zines. Daí, aprender inglês é inevitável (mesmo eu tendo zine que nunca entendi nada, escrito em italiano, finlandês, alemão, tcheco, francês…). Conheci ótimos zines gringos em meados dos anos 1990, como Masters of Brutality (Holanda), Analphabetic Journal (Polônia), Pulverized (Suíça), zines que me deixaram mais íntimo do grindcore / splatter / death metal. Sabia da existência de outros fanzines por conta dos flyers, era um vasto mundo. Gastei, e continuo gastando, demais com isso. Tem a Violence Mag, da Polônia, gostava muito do estilo como as coisas eram conduzidas, meio que papo de bar. Hoje em dia, algumas editoras/selos estão lançando livros compilados FABULOSOS de famosos fanzines. Edições em capa dura, papel foda, livros enormes, contendo todas as edições. No caso o Metallion, da Noruega (Bazillion Points), e o Voices From the Darkside, da Alemanha (Iron Bonehead), são exemplos cabais desses caprichosos lançamentos e de como o underground (o submundo) é vasto e desconhecido. Pra finalizar, queria citar um material mais recente, mas que me inspira demais, se chama Compilation of Death (Chile), e é um dos zines mais detalhistas, bem escritos e cheios de informação sobre death metal obscuro que eu já li. Tem coisa velha e nova, é muito foda. A carcaça do Demência Zine vem da pútrida e poluída escola, não necessariamente dos fanzines: as capas de discos e demo-tapes que seguiam um lance de corta e cola, montagens, desenhos preto-e-branco chapados. Coisas meio que desarrumadas, mas muito bonitas de se olhar, pelo menos pro meu olho que consegue ver beleza na crueldade do acabamento.

Publicidade

Existe, ou já existiu, algum veículo convencional que, na sua opinião, tenha feito um bom trabalho na cobertura de bandas dessas vertentes que o zine cobre?
Na verdade, espero que isso nunca aconteça. Existem cenas e cenas, bandas e bandas. Acho que alguém que queria isso não estaria nas páginas do Demência. Tenho uma visão bem particular e, por que não dizer, radical em relação a isso. Acho que o underground (o submundo) é um organismo vivo que se auto-gestiona sem necessidade de grandes veículos informativos. As bandas que eu gosto falam de caos, doença, guerra, morte, miséria, desgraça, injustiça, horrores reais e irreais, fazem sexo com o nojento e ejaculam o absurdo. A maioria dos lançamentos são limitados a 500 cópias, quando sai em vinil, e 1000 quando em CD, vários selos se juntam para lançar. Não sei qual o tipo de divulgação uma banda desse naipe espera. Tem uma outra questão: existe a cena barulhenta política, essa sim teria muito interesse em ser disseminada, espalhada como um vírus, mas que os zineiros ativistas se pronunciassem. Não vejo um fanzine como uma obra jornalística de divulgação ou mesmo informativa, é um lance mais pessoal. Quem tá escrevendo o faz por tesão e não por salário, isso muda tudo.

Qual é o seu envolvimento com a cena? Você já participou ou participa de outros projetos, bandas, organização de shows/tours DIY no país?
Cara, eu já fiz de tudo, não consigo ser apenas espectador. Desde moleque fiz parte disso de uma forma ou de outra. Toco baixo e falo sobre doenças numa banda morta-viva de gore-grind chamada Feculent Goretomb, que é uma banda que não faz nada novo há muito tempo, mas vez por outra evocamos uma entidade num ritual vodu, sangue de virgem, unha de camaleão, vísceras de tamanduá e essa parada toda, tiramos ela da cova, assustamos algumas pessoas e a colocamos no túmulo novamente. Na época que a banda estava matando feito sífilis no século 16 eu montei uma mini distro/selo chamada Vomitorium Prod pra divulgar a demo do Feculent Goretomb. Posteriormente, três lançamentos em tape/CD-R foram produzidos, troquei bastante material e fiz muitos contatos que tenho até hoje. Essa é a parte mais foda do undergroundão.Temos planos para gravar algo novo com o Feculent, mas nunca dá certo, espero que aconteça. Já toquei em outras bandas como baixista, ou vocalista, Scatoloogic Madness Possession, Vingança, Necromorten. Organizei um festival uma vez, essa é a pior coisa de todas, isso não faço nunca mais. Quando o Demência estava inanimado, eu criei um blog chamado Vom.It.Yourself, que era uma espécie de fanzine só que sem entrevista. Mas era outra coisa, outro approach, o tesão é diferente, morno, quando as coisas na vida se acertaram ($$$) resolvi voltar ao papel com o Demência. Já criei algumas capas/layouts para bandas amigas, isso não é um trabalho, faço quando dá e quando tenho interesse, nada de grana, só amizade e uns CDs para troca.

Publicidade

A presença do zine nas redes sociais é pra ajudar a atrair interesse dos leitores?
Não sei, realmente não penso nesse lado, até porque o zine tem tiragem de 300 cópias, a maioria delas já tem dono. Eu vejo mais como um lance pra interagir, mostrar coisas que estão ou estarão no zine. O que eu mais faço nas redes sociais é ver foto de material, seja fanzines, discos, CDs, livros, filmes. Acho legal, uma espécie de referência, tipo: “Aquele disco, saca só como é legal por dentro”.

O zine é feito no esquema de colagem/impressão em fotocópia? Ou é diagramado? Como ele ganha forma?
Ele é todo diagramado eletronicamente, antes fazia com Pagemaker e Photoshop, porque trabalhava diagramando um jornal, então pra mim era a opção mais fácil. Depois usei (uso) o Corel / Photoshop / Indesign, porque comecei a usar esses softwares no trabalho, então foi mais fácil levar pro zine. De qualquer forma, eu sempre tenho a ideia de corta/cola, mesmo que digitalmente. Quando preciso de algo que não encontro na internet eu desenho, ou busco em HQ's velhas de terror, publicações sobre cinema ou ficção (coleciono essas tranqueiras também). Passo o scanner e arrumo tudo no computador. Antes, me preocupava bastante com quantidade de tinta que ia na página, isso barateava o custo final na gráfica, hoje não ligo mais. Nas primeiras edições eu fiz matrizes que foram fotocopiadas. Nas duas últimas eu mandei o arquivo brochurado já pronto para impressão, a laser normal, como se fosse uma fotocópia, é numa máquina similar inclusive. Não é feito em offset, pois a quantidade de cópias não compensa. Não tenho grana, nem coragem e nem a manha de elaborar um projeto que se pague com ajuda de selos e parceiros.

Publicidade

Como você inventa as pautas de cada edição?
O zine tem um esqueleto, só vou colocando os ossos novos e retirando outros. Sou ávido por esse mundo, um viciado em conhecimento undergroundiano, colecionador árduo de materiais, troco informações e discos/tapes/zines com uma galera mundo afora, mas não por conta do zine. Na verdade o zine existe mais por uma necessidade minha de externar tais sentimentos, ele é a consequência. É assim que eu falo de discos/bandas/contra-informação, eu falo pra esse tipo de gente, o conhecedor, o minimalista, até pra ter um feedback legal que supra minha necessidade de comunicação com outros seres mamíferos, bípedes, que curtem esse universo. Não gosto de coisas superficiais, não gosto de coisas sem embasamento, realmente não me interesso em ler uma entrevista, matéria ou uma resenha de um disco dessa forma. Eu não falo mal, porque não ligo, não me interessa e eu não perco tempo. As publicações atuais que falam desse universo (na verdade não lembro de alguma no momento que mire no grindcore) mais extremo são muito boas, as que leio têm total apoio. Onde eu vejo mais bobagens é na internet, é um terreno livre, no papel pro cara fazer, tem que ter sangue no olho (nem tudo é bom também, claro). Não desmereço os webzines, muito pelo contrário, leio vários, mas não leio outros tantos pela falta de conhecimento para com o assunto dissecado.

Embora não seja um zine político, existe algo de político, filosofias radicais, ocultismo, essas paradas, no Demência?
O Demência é só uma pequena parte de algo MUITO maior. Claro que por trás existe uma ideologia, mas não declarada. O conteúdo é o reflexo do que sou no dia a dia, sem máscaras, sem poses. Ser o câncer, ser a ferrugem, ser uma peça com defeito desse grande emaranhado corporativo do qual somos reféns. Mantenho um radicalismo que costumo chamar de romantismo, nada de ocultismo ou essas coisas. Respeito, já li e leio sobre o assunto, mas sou um ser da ciência. Carrego comigo uma veia de misantropia, muito é escrito em cima disso. Pode parecer contraditório um cara com esse discurso ter e amar uma família, mas pra mim eles são a presilha do gatilho. Dentro das minhas pretensões, o Demência informa e agride, ensina e insulta, não sei se consigo alcançar isso falando de discos barulhentos. Quer queira ou não, eu faço tudo só, então é um lance bem pessoal, amo o underground, respiro esse mundo, ele é meu dia a dia, eu sei que ele está moribundo e as varejeiras o circundam, mas é lá que quero estar até o fim dos tempos, e isso vai muito além de escrever um fanzine sobre grind/metal extremo. Cara, eu acho que toda banda tem um conceito peculiar, independente da mensagem. Alguém perdeu tempo naquilo, criou um conceito, uma capa, uma história, real ou não. Então sempre vai ter algo válido, seja no lado realista/tapa na cara, molotov no estado, ou no lado fantasia/serra elétrica no intestino e Lord Belzebuth no comando. E gosto dessa porra mesmo, então é infinito, independente do discurso. Desde que não tenha preconceitos ou burrices, é claro.

Publicidade

Por que investir no formato impresso ao invés de lançar um site? Você acha que o impresso valoriza mais a informação?
Mermão, o impresso SEMPRE vai ser relevante para o underground. Já escrevi sobre isso uma vez, não é porque comprei uma motoca que vou parar de andar de bicicleta. Acho que os dois formatos são válidos, desde que o conteúdo escrito seja interessante. Pessoalmente falando, é MUITO foda receber um fanzine pelo correio, cheio de flyers, isso sim é vida. Outra coisa, como eu vou trocar meu webzine pela demo-tape da sua banda? Considerando que eu não gosto de mp3, esse escambo não aconteceria nunca. Meu romantismo crônico gera uma verossímil cara fechada pra esse mundo virtual. Não sou estúpido, adoro e trabalho com tecnologia, não vivo sem internet, muito menos quero viver de passado, mas quero viver de coisas boas, se tiver o mesmo conteúdo impresso e digital, 100% de certeza que o impresso é muito mais impactante. O underground não é feito apenas de notícias, tem um sentimento ali, é a mesma coisa do cara optar por um disco e ouvir ele em mp3, pode até chegar no lugar, mas não vai saber o caminho nunca. Falando como leitor, guardo todos os meus zines, são fontes de informação e um hobby, assim como os discos, filmes, livros. Sou muito apegado ao formato físico, seja para ler, ouvir ou ver.

Divirta-se com muito mais barulho e contra-informação do underground tupi nos links abaixo:

Publicidade

Zine é Compromisso: Revelações Abissais, 'O Arauto da Má Notícia'

Zine é Compromisso: Thiago Mello, do Broken Strings

Zine é Compromisso: Bento Araújo, do Poeira Zine

Zine é Compromisso: DJ Tonyy, do Enter The Shadows

Zine é Compromisso: Douglas Utescher, do "Life?"

[Zine é Compromisso: Contravenção](http://Zine é Compromisso: Contravenção)

Zine é Compromisso: Especial Tupanzine

Zine é Compromisso: midsummer madness

Zine é Compromisso: Escarro Napalm

Zine é Compromisso: Esquizofrenia

Zine é Compromisso: Márcio Sno, do “Aaah!!”