FYI.

This story is over 5 years old.

Música

O Watain Não Está Preocupado Em Provar Nada no Black Metal

Entrevistamos o Erik Danielsson sobre turnês, Mayhem e independência musical

Watain por Ben Bertocci O fedor atinge o seu nariz no mesmo instante em que você entra no ônibus. Não só o cheiro de 14 ou 15 caras peidando num espaço fechado e usando as mesmas meias há três semanas, mas o odor específico de bicho morto que é uma exclusividade do Watain. Agora você já deve ter ouvido as histórias sobre esses infames saqueadores do black metal sueco: sim, eles se encharcam – e encharcam também a plateia, se a consideram digna disso – de sangue de vaca. Sim, eles usam as mesmas roupas de palco há 15 anos. E sim, eles fazem visitas semi-regulares ao hospital, para receber tratamento para impetigo e outras infecções desagradáveis. Mas olha, já estivemos nos bastidores dos shows do Watain anteriormente, e até que o de hoje não está tão ruim.

Publicidade

O ônibus de turnê do Watain encontra-se estacionado na ruela que fica atrás do Henry Fonda Theater, em Los Angeles, onde a banda vai tocar sua última noite da turnê pelos EUA, com as máquinas de guerra canadenses do Revenge e com os truzão do black metal norueguês do Mayhem. Quando o vocalista e cabeça do Watain, Erik "E." Danielsson acena para subirmos a bordo, quase tropeçamos em alguns caras da equipe técnica desmaiados na sala dianteira – tirando um cochilo muito necessário, sem dúvida, antes do show dessa noite. Há um bilhete colado na tela da TV acima deles: "Ei, rapazes – esqueci minha calça jeans no ônibus ontem à noite. Se encontrarem, por favor falem comigo." É assinado por uma mulher cujo nome não será mencionado. Viramos para Danielsson pedindo uma explicação, mas ele só dá de ombros e diz: "último dia da turnê, cara".

Noisey: Essa turnê foi melhor, pior ou diferente do que você esperava?
Erik Danielsson: Melhor, com certeza. Acho que ninguém sabia se seria uma questão de três bandas só levando umas às outras para passear, porque todas as bandas têm uma atitude bastante fanática em relação ao próprio trabalho. Pelo menos dessa vez, me sinto confortável em usar a palavra "extremo", porque com certeza isso é algo que conecta as nossas bandas, de uma maneira ou de outra. Cada banda faz o seu lance dum jeito bem diferente das outras, mas quando se unem, vira uma coisa totalmente impressionante. Todos parecem se beneficiar da presença uns dos outros. Isso vale para o comparecimento do público também – não acho que tenhamos tido uma recepção tão obviamente boa aqui nos EUA antes. As pessoas realmente parecem reconhecer o fato de que essa turnê é um negócio único.

Publicidade

Vocês sempre saem em turnê com ótimas companhias aqui nos EUA. Da última vez, vieram com o In Solitude e com o Tribulation. Da vez anterior a essa, foi com o Behemoth, o The Devil's Blood e o In Solitude.
A gente se esforça. Desde o primeiro dia damos importância a isso. Quando fizemos nossa primeira turnê europeia completa, junto com o Dissection, foi meio quando escrevemos na pedra que é desse jeito que tem que ser. Essa até hoje é a turnê mais perfeita que já fizemos, mas sempre nos esforçamos muito para conseguir o tipo de certo de banda para nos acompanhar. Infelizmente, não são muitas as bandas que parecem se importar com isso. Qualquer banda pode sair em turnê, mas nem toda banda pode conseguir fazer algo histórico com um pacote de turnê. É isso o que quero fazer.

O Mayhem foi um dos pioneiros do black metal como hoje o conhecemos. Vocês aprenderam alguma coisa com eles nessa turnê, ou acha que o Watain agora já ultrapassou essa fase?
Bom, "aprender"… Não sei. Acho que aprendemos que fico muito, muito feliz de estar em uma banda que consiste de pessoas que realmente têm um propósito em comum. Fico muito contente com o fato de que, quando estou na estrada, estou viajando com meus irmãos e irmãs. Nem todos têm essa sorte. Mas as pessoas ainda conseguem fazer as paradas acontecerem. Os shows do Mayhem foram muito bem recebidos em todos os dias. Eles sabem o que fazem, e o Mayhem foi uma imensa inspiração quando estávamos começando. Eu diria que eles eram uma das top 3 bandas no nosso mundo, que era onde nosso foco se concentrava.

Publicidade

Suponho que as outras duas sejam Bathory e Dissection.
Tipo isso, sim. E nunca tentamos esconder. Tenho orgulho de admitir que o legado do Mayhem foi um dos parâmetros mais importantes para nós, no começo. E ainda hoje o Euronymous [fundador do Mayhem] e sua visão são uma inspiração gigantesca. Acho que ele é um dos poucos verdadeiros visionários do black metal que já existiram.

Você teve algum contato com o Euronymous antes dele ser assassinado?
Não, eu era novo demais. Meio que entrei nessa onda toda do Mayhem quando ele morreu, porque os jornais suecos falavam disso o tempo todo na época em que eu estava começando a curtir as paradas mais hardcore do death metal. E aí, boom, veio o black metal e fui atraído para ele. Tenho um livro de recortes com todas as notícias de jornal, que é grosso assim [usa as mãos para indicar a grossura de um catálogo telefônico de L.A.], de todos os jornais suecos e noruegueses. Fiquei obcecado pelo assunto, e isso me arrastou para aquela escuridão. Não é por nada que temos o logo do Mayhem no pôster dessa turnê – isso tem um significado. Tem um valor simbólico que não pode ser negado. Tenho um relacionamento muito especial com a banda, e sei que eles têm motivos válidos para fazer o que estão fazendo agora, mesmo que seja mais um show Motörhead do que um show de black metal.

Bandas queridas que mudam de som ou de estilo, mesmo que só um pouco, muitas vezes sentem a fúria dos fãs e dos críticos. Você tem sentido na pele um pouco disso agora, com as reações ao disco mais recente do Watain, The Wild Hunt. Não chegou nem perto de ser tão bem recebido quanto o anterior, Lawless Darkness.
Foi muito polarizador, mas gosto que seja assim. Isso quer dizer que você está fazendo alguma coisa que gera uma reação. E reação, se é que alguma coisa, é uma das poucas coisas que peço das pessoas. Com certeza não peço que gostem do que fazemos, mas se tomam parte no que fazemos, eu preciso de uma reação. De modo contrário, alguma coisa errada estamos fazendo.

Publicidade

Você ficou surpreso com a reação ao The Wild Hunt?
Para mim é difícil dizer porque, por mais estranho que pareça, eu não participo tanto assim desse tipo de reação. A reação que vejo, aquela da qual participo, é a reação do público nos shows. E o público nos shows tem sido excelente. Não fico lá sentado lendo essas porras de resenhas na internet ou em fóruns ou sei lá o que as crianças andam fazendo hoje em dia. No instante em que você começa a fazer isso, entra por um caminho ruim. Porque normalmente o que vem a seguir é que você começa a se adaptar, para obter um outro tipo de reação que seja mais benéfico para você. Não quero fazer isso. Quero me envolver o mínimo possível nesse negócio todo. Não quero estragar a pureza da coisa.

Um dos pontos controversos para as pessoas no The Wild Hunt foi a música "They Rode On", que foi uma música acústica contendo canto de verdade. Eu achei a música fantástica, mas nem todo mundo gostou.
Acho que a reação das pessoas àquela música foi num contexto black metal. Mas, para nós, talvez tenha sido nossa maneira de dizer que não sentimos a necessidade de provar quem somos, no sentido de o quanto o Watain é black metal. Colocamos a maioria das bandas no chinelo nesse aspecto, então isso não é algo que eu sinta que devamos enfatizar. O que precisamos enfatizar é que o Watain é uma entidade livre. É uma comunidade artística livre, onde qualquer porra pode acontecer. Aquela música foi nossa maneira de dizer que fazemos nossas próprias regras, e não obedecemos nenhuma outra. Não foi escrita com isso em mente, mas, se você quiser colocá-la num contexto político, em retrospecto ela pode comportar esse significado. Amo aquela música. Não foi escrita com a intenção de ser tocada ao vivo, mas nunca diga nunca.

Publicidade

Você vai soltar um disco ao vivo de tributo ao Bathory em algumas semanas. Ele foi gravado no festival Sweden Rock, em 2010. Foi de propósito isso de deixar o disco na gaveta por tanto tempo?
A gente está com ele pronto há muitos, muitos anos – desde o aniversário de 13 anos da nossa banda, para quando o lançamento estava planejado. Mas, por algum motivo, a fabricação do disco atrasou e cancelamos o pedido inteiro no último momento, porque percebemos que não o receberíamos a tempo. Ultimamente, tem surgido um monte de novas conexões com o Bathory – na verdade, o primeiro baterista deles vai vir ao show de hoje à noite.

Entrevistei faz pouco o Freddan, baixista original da banda.
Toquei "Sacrifice" com ele uma vez, no casamento do guitarrista do Candlemass. Era eu na bateria, Hellbutcher e Tyrant do Nefelheim na guitarra e no vocal, e Freddan no baixo. E essa foi a primeira vez desde as gravações do Scandinavian Attack que ele pegou num baixo. Então eu e Tyrant e Hellbutcher estávamos conversando antes de tocar, e dizendo: "certo, a gente pode tocar essa música. Ou também podemos cortar os dedos dele e usá-los para fazer os talismãs mais poderosos do black metal, porque eles não encostaram num baixo desde aquela época!" [risos]. Mas, com o disco de tributo, já se passaram 11 anos do falecimento do Quorthon [o cabeça do Bathory], e 11 é um número significativo para nós, então decidimos lançar o disco em conjunto com a turnê escandinava que vamos fazer logo depois dessa.

Você nunca conheceu o Quorthon, mas sente que ele era um espírito irmão seu?
No sentido de que ele era um visionário obstinado que não deixou nada nas mãos do acaso. Ele sabia como queria que as coisas dele fossem feitas, e assim ele fez. Virou uma coisa muito especial por causa disso. Toda essa ideia, no caso do Watain, vem em grande parte da percepção que tínhamos do Bathory quando éramos mais novos. Fazer concessões é o caralho. Por que fazer alguma coisa pela metade? Vá até o fim ou então não faça nada. Aquele cara nunca tocou ao vivo porque percebeu que precisaria de milhões de dólares para fazer isso. Ele precisaria atear fogo no palco inteiro e em si mesmo, e depois levitar por sobre o público e soltar umas bombas em cima dele.

Por falar em fogo: toda vez que o Watain vem aos EUA, sempre rola algum problema com o fogo. Muitas casas de shows aqui não deixam nem que vocês acendam uma vela no palco, embora isso seja uma parte regular do show de vocês há anos. Como foi a questão do fogo nessa turnê?
Conseguimos incluir em todos os shows, com exceção da Califórnia. Se você não quer me ver ficar num péssimo humor, seria melhor evitarmos esse assunto. Vou dizer apenas que alguns desses putos proprietários de casas de show precisam levar um tiro na nuca. É só isso o que merecem. Eles tratam a música e os músicos sem qualquer tipo de dignidade. São só umas ovelhinhas cumpridoras de leis, que não deveriam chegar nem perto de qualquer coisa que tenha a ver com arte. Já tive momentos muito ruins, ontem e hoje em São Francisco e L.A., com um povo das casas de espetáculos que simplesmente é o pior tipo de pessoa. Se você quiser colocar a coisa sob uma luz positiva, isso cria aquela tensão que de algum modo alimenta o fogo interno. Mas às vezes eu só queria ter um lança-chamas nas costas, de modo que pudesse atear fogo no palco inteiro durante a última música. É meio que assim que me sinto em relação a isso hoje, mas existem diferentes tipos de fogo, e vai ter fogo pra caralho naquele palco hoje à noite, haja o que houver.

A maioria dos músicos do black metal tem nomes artísticos demoníacos, mas você nunca escolheu um para si. Por quê?Suponho que tenha sido uma escolha consciente, porque todos os nossos ídolos tinham nomes artísticos fodas pra caralho. Mas a minha maneira de pensar, no início, era que, ao usar nossos verdadeiros nomes, de certo modo estávamos dizendo que isso aqui não é uma máscara. Estes são os nomes que nos foram dados, somos nós fazendo isso aqui, não tem nenhum alter ego. O seu nome de batismo é uma parte tão importante da sua identidade, e ele derruba aquela muralha que muitos artistas erguem em torno de si mesmos. E gosto disso. Ao mesmo tempo, às vezes eu queria muito ter escolhido um nome maneiro [risos]. Usar o nome de batismo é realmente sair da zona de conforto. Não posso dizer que me arrependo, contudo, porque nessa ausência de conforto tem alguma coisa que eu gosto.

J. Bennett uma vez ateou fogo ao seu livro didático de espanhol, isso enquanto estava sentado na aula de espanhol, no segundo grau. Ele não está no Twitter.