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Música

Usar o Celular Num Show Faz de Você um Escroto?

Sacar seu celular no meio do show pode incomodar outros espectadores, além de atrapalhar o artista, e os caras do Yondr querem mudar isso.

Chris Farren, do Fake Problems, hipnotizado por seu telefone celular.

"Demora um tempo para que uma ideia como essa ideia entre na conversação geral", Graham Dugoni, fundador do Yondr, me diz pelo telefone. A ideia à qual ele está se referindo é simples: ele quer que as pessoas parem de usar celulares nos shows.

A gente não costuma nem pensar nos celulares, ao ponto deles virarem quase extensões de nossos corpos. Mas aí está o problema. Ao sacar um telefone num show, você pode, sem querer, irritar as pessoas à sua volta, ou ser desrespeitoso com o artista – e Dugoni quer que você mude.

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Eis como o Yondr funciona: você vai a um show e concorda em ceder seu telefone, que é colocado em uma capa de nylon, onde ele fica trancado até que você decida ir embora ou sair para usá-lo. Algumas bandas vão fazer parceria com o Yondr para criar um show livre de celulares, cláusula com a qual você vai concordar antes da compra do ingresso. Se você está no show e tem que usar o telefone, custe o que custar, há uma zona livre para celulares mocozada nos arredores da casa de espetáculos. Seria de imaginar que as pessoas antipatizariam com a ideia do Yondr, principalmente porque ninguém gosta de receber ordens. Contudo, Dugoni afirma que aconteceu o contrário. "O feedback tem sido extremamente positivo", diz. "Quando estava realizando testes na Bay Area, sinceramente achava que as pessoas iam resistir mais".

A simples existência do Yondr levanta, ainda que tacitamente, a seguinte questão: usar o celular num show é uma coisa inerentemente escrota de se fazer? Eu estava curioso para saber o que os artistas achavam dos telefones nos shows, então entrei em contato para ouvir o que teriam a comentar sobre o assunto.

De acordo com Mel Kyles, do grupo de hip hop The Outfit TX, de Houston, não importa qual seja a situação, você está distraído sempre que dá prioridade ao telefone em detrimento do cara que está no palco. "É meio que tipo um MacBook quase, saca? Se você está com um monte de parada aberta, depois de um tempo, o bagulho vai começar a rodar mais lento", explica, "então, se você está no telefone, eu estou recebendo 50% da sua atenção, e 50% da reação de que eu preciso".

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Uns parecem ter uma opinião radical: "eu acredito no Grande Irmão. Documente tudo", disse Dylan Walker, do Full of Hell. Outros parecem apáticos: "[esse negócio] nunca chegou nem perto de me incomodar. Eu não necessariamente acho que é de boa alguém tentando policiar o seu jeito de fruir a experiência de um show", disse Chris Farren, da Fake Problems, banda punk da Flórida.

"No geral, a tendência dos fãs de tirar fotos e fazer vídeos de trechos do show parece lisonjeira", diz Chris Cain, da banda de indie rock nova-iorquina We Are Scientists. "Se eu olhasse no Twitter e no Instagram na manhã seguinte, e visse que ninguém tinha postado foto nenhuma, eu ia ficar desconfiado de que o show foi uma merda. Ou de que a gente estava muito feio lá no palco. Ou – Deus me livre, na pior das hipóteses – as duas coisas ao mesmo tempo". Ele está certo: a experiência que se tem dos shows atualmente em vários sentidos não está restrita à boate ou casa de espetáculos. Quando um fã diz no Twitter ou no Instagram que está gostando de um show, é essencialmente uma propaganda gratuita do artista.

As regras não são escritas em pedra. Como sugeriu Farren: "se você está em pé bem na frente do palco, e está só olhando distraído as coisas no seu celular, com cara de desanimado, talvez seja melhor ir para o fundão". Isso não é tirar fotos ou documentar um momento bom. É ser babaca. Envergonhe-se, baixe a cabeça. Meredith Graves, do Perfect Pussy, concorda. "Quando estou num show pequeno ou tranquilo e alguém da primeira fila está trocando mensagens enquanto um músico toca… Isso é rude e chama a atenção".

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A maioria dos artistas não consegue lembrar de uma época em que celulares ou câmeras não predominassem. "Cresci indo a shows punk na época dos Motorola Razrs, então, se as pessoas queriam tirar fotos em shows, era preciso levar uma câmera de verdade, ficar de cara para a banda, e se você usasse as analógicas – não tinha garantia de que suas fotos sairiam", conta Meredith. Nesse sentido, sacar o seu telefone para filmar um show é a definição do faça-você-mesmo. Meredith Graves, do Perfect Pussy.

Como diretor de iluminação que já trabalhou com Arcade Fire, The Strokes, Interpol, Metronomy, Mumford e muitas outras, Ed Warren passa as noites orquestrando dramáticos shows de luz, de frente para a banda no palco, e um público com as mãos para o alto. É claro que nem todos esses fãs da música estão balançando os braços numa dancinha, muitos estão segurando firme seus telefones de maneira a gravar o momento. "É meio como uma estranha seita do futuro, como se as pessoas sofressem lavagem cerebral pela tela de seus telefones, e não pelo que está acontecendo bem na frente delas, em cima do palco", diz. "Só que, assim como acontece com a maioria dos cultos legais, não tem alienígenas ou um pacto suicida no final: só um lembrete ruinzão e todo borrado daquele que provavelmente foi o melhor show que você nunca viu".

Ele não deixa de ter razão. Chegando perto do fim de minha jornada em direção à iluminação no assunto dos celulares, eu tinha uma pilha de opiniões pessoais, mas me perguntava que efeito psicológico os telefones criam, em especial quando tentamos fazer duas coisas ao mesmo tempo, tipo gravar o vídeo perfeito enquanto absorvemos música.

Fui pedir ajuda a Linda Henkel, da Fairfield University, que fez um estudo sobre o efeito que o uso da câmera de celular tem sobre nossa memória imediata. Linda me contou: "é como se estivéssemos confiando que a câmera vai se lembrar por nós. Então as câmeras funcionam como uma distração. A gente está meio que terceirizando a nossa memória. É tipo quando você escreve alguma coisa e aí pensa 'certo, então agora não tenho mais que pensar nisso'". Está claro que aprendi algumas lições de vida nessa breve conversa com Linda. Valeu, Ciência!

A realidade, para uma empresa como o Yondr, é dura e implacável: as pessoas vêm sacando seus telefones em shows desde, tipo, sempre, e provavelmente isso não vai acabar tão cedo.

Parece que o problema que o Yondr está tentando enfrentar é um problema social. É uma reação à hipersaturação de celulares em nossa cultura obcecada por tecnologia. A menos que você seja um babaca na primeira fila gravando num gigantesco iPad e obstruindo a linha de visão de todo mundo, provavelmente não tem problema. "A música ao vivo é um dos poucos espaços na sociedade moderna em que as pessoas podem ser levadas a compartilhar de uma vibe, e criar alguma coisa maior do que elas mesmas", diz Dugoni, em defesa do Yondr. Talvez essa "vibe compartilhada" não seja completamente destruída pela presença dos nossos telefones. Mas, se você tem a impressão de que é assim mesmo, a boa notícia é que agora existe o Yondr. Você pode esperar ver o Yondr se tornar uma opção viável nos shows a partir de 2015. Mas talvez, quem sabe, a gente não deveria ter algo como o Yondr nos obrigando a não usar o telefone em um show. Só dizendo.

Tradução: Marcio Stockler