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Música

United Nations Versus Nações Unidas: Como uma Bandinha Punk Lutou Contra a Maior Agência Intergovernamental do Mundo e Venceu

Quer incomodar de verdade uns engravatados burocratas pica-grossa? Coloque na sua banda um nome tipo "United Nations".

Bandas punks se meterem em encrenca por infringir leis de copyright está longe de ser novidade. Afinal de contas, por definição, o punk se trata de romper barreiras e pentelhar pessoas. (Isso e quão alto você pode deixar um moicano, é óbvio). Mas quando o ex-vocalista do Thursday Geoff Rickly juntou-se a alguns outros músicos semi-anônimos para formar uma banda em 2005 e deram um jeito de incomodar gente grande, mas bem grande mesmo. Eles se intitularam United Nations.

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Em quase uma década de banda, o United Nations teve uma série de embates com a agência intergovernamental de mesmo nome, as Nações Unidas. Eles também entraram numa fria com a capa de seu primeiro LP, uma versão da icônica capa de Abbey Road, só que com os Beatles cobertos por chamas. Agora, o United Nations está prestes a lançar a seu segundo álbum, chamado The Next Four Years – parte disco, parte desafio às “verdadeiras” Nações Unidas, já que sua capa é composta pelas notificações extrajudiciais enviadas pelo órgão.

Conversamos com Geoff Rickly sobre a história da banda, que até o momento vivia cercada de rumores…

Rickly,montando os boxsets do United Nations. Fotos de Liza de Guia.

Noisey: Quando você deu o nome da banda, em 2005, sabia que alguns problemas surgiriam, não?
Geoff Rickly: Não. E é isso que é engraçado. Nunca tinha me ligado disso. Claramente não rola nenhum problema aqui, trata-se de uma organização governamental e ninguém nunca confundiria os dois. Estava mais preocupado com a arte, e até estava preparando o pessoal do selo para fazer outra versão do disco com uma capa preta, já que a original tinha os Beatles pegando fogo. Aí pensei, lógico que os Beatles vão meter um processo. A Apple Records é conhecida por isso. Então me preocupei com a arte e não achei que o nome poderia causar qualquer problema, nunca fomos processados pela capa e só tomamos algumas pauladas do pessoal das Nações Unidas.

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Mas muitas lojas tinham medo de vender aquele disco mesmo assim, certo?
Procede. Muitos revendedores não aceitaram aquela capa, e uma rede de varejo tinha pego acho que umas 7.000 cópias do álbum. Quando perceberam que aquilo era uma violação de direitos autorais, por terem uma política de não devolverem material, nos enviaram fotos deles destruindo o disco. Essa era a política deles, destruir mas não devolver. Então temos esse monte de fotos do pessoal do estoque descendo o cacete nessa quantidade ridícula de discos.

Infelizmente, já que é um grande álbum.
Pô, valeu. Sim, foi surreal porque a gente ficou meio tipo “acho que faz sentido, e ainda vamos ser pagos? Isso é ao menos algo ruim? Agora eles tem que vir e comprar o disco direto da gente”. Talvez tenha sido bom. Naquele momento, estávamos todos pensando o quanto aquilo era divertido. E isso foi antes das Nações Unidas entrarem na jogada.

A essa altura do campeonato, vocês meio que desenvolveram um gosto pela provocação. Explica pra gente como vocês foram abordados pelas Nações Unidas originalmente.
Acho que a primeira coisa que rolou foi terem tirado nossa página do Facebook do ar

Só derrubaram ela?
Sim, tiraram do ar e talvez tenha rolado uma notícia do tipo “O United Nations está tentando no convencer de que está sendo perseguido pelas Nações Unidas”. Daí fomos falar com o pessoal do selo tipo “Foram vocês?” e eles responderam “Não, foram vocês?” e foi tudo meio “puta merda, é um de nós ou então quem tá sacaneando a gente?” E aí nosso cara de RP ligou e caiu fora porque recebeu uma carta. Ele falou algo do tipo “não posso representar vocês” e dissemos “mas por quê? Você não vai se encrencar. Você só representa uma banda que fez algo errado”. E ele respondeu “Não sei cara. Eu fumo muita maconha e eles vão bater na minha porta e destruir minha vida”. [Risos] Então eu disse “…Sério?”. Aí os revendedores pararam de distribuir o álbum e meio que todo mundo abandonou o barco ao mesmo tempo, foi esquisitaço.

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O coletivo United Nations, fazendo boxsets à mão.

Que outras interações rolaram depois que eles tiraram do ar suas páginas, e a aquela tal notificação extrajudicial?
Nada, porque nenhuma das músicas tinha registro, então não havia material para ser ligado legalmente ao pessoal da banda. Então o pessoal gravadora foi atrás. Eles mandaram essa de cessação e desistência, e tecnicamente o disco parou de ser prensado, mas já existia uma caralhada de cópias. Nós dissemos “tecnicamente, paramos, e tocaremos até que digam que não podemos mais”. E foi isso que a Eyeball [o selo responsável] fez até fechar suas portas. O pessoal da Deathwish nem deu a mínima porque se sairia por eles, as Nações Unidades descobririam de qualquer forma. Na época, essa era meio que a postura. Não sei se é exatamente assim que eles pensam, já que é um selo bem pequeno. Mas o EP de 7” nunca foi lá muito promovido; rolou uma pré-venda e talvez uma matéria ou outra sobre ele. Logo, todos estávamos esperando pra saber se era seguro seguir adiante agora, ou se o problema retornaria. Daí decidimos ir atrás de artistas que fizessem artes provocativas. Contamos com o Ben Frost, um artista australiano, pra fazer uma brincadeira com o Sex Pistols.

E o seu novo disco usa a notificação na capa, certo?
Isso, decidimos que seria melhor dobrar a aposta.

Mas vocês estão fazendo algo de diferente no disco para evitar problemas ou justamente pegando mais pesado? Que abordagem vocês estão dando pra isso?
Agora a gente vai com tudo, pra ver até aonde a coisa chega. Só parece tão bizarro eles perderem tanto tempo correndo atrás de uma banda assim. Ninguém nos confundiu com eles e veio em busca de ajuda.

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Quando aconteceu isso tudo, as pessoas achavam que era um lance pra chamar a atenção. Atenção essa que nem veio. Sério, ninguém tinha falado sobre isso até agora.
É, é engraçado porque foi isso que disse ao nosso RP que caiu fora, “bicho, é um sonho pra ti! Escreve sobre, vamos pegar umas manchetes e tal, levar a júri” e ele só disse “não comigo”.

Se borrou de medo por conta da maconha. Vocês tem um som novo no disco chamado “United Nations vs. United Nations”. A letra fala especificamente sobre esse problema?
Sim, é completamente sobre essa parada. E também meio que sobre o comportamento das Nações Unidas, que fazem um esforço louco gastando o tempo de seus advogados por conta de uma banda. Logo, trata sobre eles virem atrás da gente, e sobre nós fingindo que estamos lutando contra o sistema. A maioria dos jovens punks que fingem lutar contra algo estão brigando com o que eles irão se tornar em cinco anos de qualquer forma [Risos]. Sendo assim, é meio que um foda-se pra gente também.

Você acha que o nome e as interações que aconteceram com as próprias Nações Unidas deram um propósito a banda ou ao menos uma identidade?
Com certeza. Acho que uma das coisas que aconteceu com minha antiga banda, o Thursday, era que havíamos perdido essa a coisa a ser combatida quando não existia mais a Victory Records e perdemos mesmo nosso foco. Sinto orgulho de muito de nossos últimos trabalhos, especialmente o último disco, mas estávamos meio que vagando por aí, não havia nada para lutarmos contra. E isso deixou um vazio, uma falta de propósito, por um tempo. Acredito que tenha rolado meio que o oposto com o United Nations. Com toda essa bizarrice acontecendo conosco, agora sabemos que direção seguir, e sabemos que a coisa toda tem um limite de tempo, então temos que ir o mais fundo possível no curto tempo que temos.

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E você tem que meio se aproveitado dessa onda, e seguem provocando. Além das cartas, vocês também fizeram umas camisetas que zoam o lance todo.
Isso, elas fazem piada com o processo, zoam o Black Fun, sacaneiam de levinho o Minor Threat e aquele esquema deles com a Urban Outfitters. Acho engraçado mesmo que nossa contracultura, a ideia do punk ou sei lá, não tenha muito de contracultura, e mais de subcultura, talvez. Uma versão pequerrucha da mesma cultura. Acho que existem aspectos que foram contraculturais, tipo ser straight edge pelos motivos certos, o veganismo pelos motivos certos, também podem ser contracultura. Mas na maior parte do tempo, são panelinhas e coisas que se tornaram glamourizadas e cool, e todo mundo tá nessa corrida pra ser a maior banda do porão. Tipo, essas pessoas todas compartilham dos mesmos valores que supostamente você deveria dizer ser contra, e você age tipo “isso é tão babaca, esse negócio punk é tão bobo”. E isso se tornou grande parte do United Nations, essa autocrítica. Começou como um comentário social, mas aí percebemos o quão estúpido isso era porque somos apenas uma banda. E aí o segundo EP é sobre como o punk é algo burro. E aí nos ligamos “peraí, nós somos uma banda punk”. Então o novo disco é sobre como somos burros e sem sentido. A coisa foi ficando cada vez mais metalinguística até o ponto de que agora acho que finalmente encontramos nosso jeito de fazer as coisas, um autoexame dos sistemas de valores, como o nosso. Muito do disco é sobre isso.

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“Serious Business” trata do privilégio branco visto do lado de dentro. “UN Find God” é sobre a busca de todos por algum significado espiritual e o quão desoladora essa busca é. Isso pode deixar um vazio tremendo na sua vida. “Between Two Mirrors” fala sobre como tudo pode ser glamourizado, contanto que você coloque a coisa entre dois espelhos e ela vá até o infinito em reflexões. Que é de certa forma o que acontece com o punk, quando uma banda cria algo, aparece outra que diz “isso não é punk, isto é punk”. Aí vem a próxima e diz “isso não é mais punk, isto é punk!”. Então um monte de coisas se juntaram nesse disco.

O que você acha que será o punk do futuro?
Hmm, não sei. Acho que algo tipo acid-house. Creio que a dance music seja o caminho a ser seguido, não tipo Blood On The Dance Floor, mas acredito que de alguma forma a cultura de clubes se tornará no punk do futuro.

Queria que bandas militares se tornassem punk.
Eu curto isso, bandinhas militares, é meio que a antítese, né? Não sei se você já leu Viagem ao Fim da Noite do Céline, mas tem uma introdução maravilhosa, e é algo que sempre achei que era importante pro United Nations. Tem um cara sentado em uma cafeteria com seus amigos, e uma banda passa, então ele se levanta e começa a marchar, zoando tudo, fazendo aquelas saudações e tal. Quando a marcha chega ao fim, ele percebe que se alistou sem querer e agora está na guerra.

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É, acho que é assim que eles recrutam. Devia ter uma estação de recrutamento em Williamsburg, com uns atendentes falando “Ei, entra pro exército ironicamente, caaaara. Vai ser tãoooo massa morrer em outro país”.
Sim! [risos]

Mudando completamente de assunto, quero falar do disco em si. Ouvi dizer que tem muita coisa legal escondida nele, tipo umas faixas que tocam diferente nas extremidades do LP…Sim! Queria muito que todas as resenhas fossem da versão boxset. Vai rolar uma versão em CD, uma digital, mas o álbum em si é o boxset. A ideia é criar essa noção de progressão falsa de uma banda punk de garagem até se tornar uma banda pretensiosa experimental com músicas de oito minutos, com aquela atitude do tipo “somos legais demais pra essa porcaria que costumávamos fazer”. Então o boxset representa os passos até lá. Daí rolam umas coisas bacanas, como a faixa “Revolution at Varying Speeds” que pode ser ouvida em 33 e 45 RPM, foi gravada nessas duas velocidades. Em um delas, soa como doom, do tipo “soa errado, mas é bem massa”, daí você troca pra 45 RPM e “olha, parece Orchid, mas algumas partes estão muito agudas e estranhas”. E aí o Kieran, do Four Tet, remixou a versão digital, porque não daria pra ter duas velocidades nela, então ele deixou a música com 40 minutos, desacelerada em 800 vezes, e ela se chama “Revolutions in Real Time”, e parece com o Sunn O))) ou algo assim. E aí tem a faixa com dois finais diferentes. O lance com o vinil é que ele é tipo uma estrada, e quando há uma bifurcação, pode-se seguir qualquer um dos caminhos. E é assim que o álbum termina. Você pode fazer uma mudança, tipo uma mudança política, ou pode se ligar que o problema é com você e você tem que mudar se quer fazer algo em sua vida. E é assim que o disco termina, com uma escolha. Por mais que seja uma ranhura no vinil, então não uma escolha, ela é feita pra você.

Dá pra ouvir o disco umas cinco vezes antes de conseguir um final diferente.
Possivelmente sim. Especialmente se sua vitrola não está nivelada, então provavelmente pegará mais um final que o outro.

Que conselho você daria para uma banda que cogita usar o nome de uma marca registrada?
[Risos] Façam isso! É demais. Vocês vão se divertir pra cacete, não serão só uma banda escrota que vai tocar muito, mas uma banda escrota que poderá ligar pra advogados e falar pras pessoas das diferenças entre uma marca registrada uma super marca. É muito mais divertido que só fazer shows e beber umas cervejas. Bem mais divertido.

The Next Four Years foi lançado no dia 15 de julho via Temporary Residence.

Traduzido por: Thiago “Índio” Silva