FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Boa Noite Vizinhança: Uma Despedida Musical a Roberto Bolaños, o Chaves

Se você é jovem ainda, amanhã velho será. A menos que o coração sustente a juventude que nunca morrerá.

A última sexta-feira (28) talvez tenha sido a mais cinzenta de todos os novembros. Como todos os dias, trabalhadores chegavam em suas casas, exaustos, afrouxavam os cintos, abriam o sutiã, ligavam a TV e zapeavam os canais. Ao perceber uma cenografia completamente avessa aos tempos áureos do televisor de alta definição, instintivamente soltam o controle remoto e deixam em Chaves. Talvez por ter tanta simpatia ao Seu Madruga, principalmente no episódio em que ele pensa que vão matá-lo. Quem se encarrega da missão de salvá-lo de sua morte é o próprio Chavinho, que constata: “o senhor não vai morrer, vão matar o senhor”.

Publicidade

Nesse momento, uma criança sentada no tapete da sala, sem lição de casa, comendo pão com manteiga, ri da piada na TV. Por algum motivo, essa criança prefere o “Chaves normal” ao “Chaves em desenho”. O desenho é estranho, fantasioso, não parece a vida real. O “Chaves normal”, o mesmo seriado ultrapassado que se repete ad infinitum na TV aberta, é tão sincero que prova o quanto é real, como a criança e o trabalhador. Ao mesmo tempo, durante a exibição do episódio, os dois descobrem por uma faixa negra, no rodapé da tela, que Roberto Gomez Bolaños, o mesmo Chavinho em exibição, havia morrido.

Nesse momento, esta música toca:

“Farewell My Lovely” – Alan Hawkshaw

A criança desembesta a chorar. Pegamos nossos celulares e começamos a buscar confirmação. Não queremos acreditar, já que tantas vezes o boato se espalhou como um vírus. Parei de acreditar depois da segunda vez. Um super-herói não morre. No entanto, em meio a milhares de homenagens nas redes sociais, vi uma multidão de outros heróis invencíveis carregando seu caixão. Sim, foi uma grande perda.

O fim de semana começou amargo, com a televisão do vizinho tocando alto a trilha de Chaves indo embora da vila, acusado injustamente de ladrãozinho:

“Mum” – John Charles Fiddy

Parecia tocar no mesmo timbre dos passarinhos. A manhã de sábado foi ensolarada, mas fria. Não embalava aventuras. A gente ficou deitado no sofá, sentindo uma nostalgiazinha engraçada ao repetir as falas decoradas do episódio de Acapulco, outrora Guarujá, que termina com a ode máxima do legado de Chespirito:

Publicidade

“Boa Noite Vizinhança”

Como a gente tinha tempo. Assistia a quase cinco minutos de uma música pieguíssima sobre despedida. Mas quem não chorou com essa canção, seja por conta da letra, da melodia ou até mesmo porque o episódio de uma hora havia terminado, que atire a primeira pedra – no Seu Barriga.

Mas, antes de virar estrela, Chespirito já conhecia o céu. Capturando os planetas, Chapolin conseguiu nos levar a uma viagem interestelar que supera os cometas e dispensa apresentações:

“Superar os Cometas”

No fim do dia, tudo que queríamos era afogar – com limão e vodca - as lágrimas da saudosa batida rancheira:

No meio do porre, lembramos que o que nos faz morrer é o simples fato de estarmos vivos. Bolaños havia ido embora, mas sinceramente, nunca fomos íntimos dele. Tudo o que temos (e sempre tivemos) são as memórias, além das reprises repetidas tantas vezes que se ressignificaram, se transformando em bizarros produtos da internet.

Então, de ressaca, descobrimos que não há motivo pra chorar, pois “se você é jovem ainda, amanhã velho será, a menos que o coração sustente a juventude que nunca morrerá”. Esse verso é tão antigo que é quase uma sabedoria anciã. Diferente da parábola do cão arrependido, ele foi repetido muito mais que 44 vezes:

“Se Você é Jovem Ainda”

Ou seja: a vida segue. Sentiremos saudades, mas isso é tudo. Contrariando expectativas, a segunda-feira amanheceu ensolarada e bonita, e a criança que chorava na sexta passada, hoje se preocupa com o que vai fazer nas férias, enquanto o adulto assovia pelas ruas da cidade um famoso refrão: