FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Um Guia do Sleater-Kinney para Iniciantes: a Melhor Banda de Rock do Mundo

Entre suas músicas animalescas, letras emocionantes e presença de palco matadora, o S-K era tão alegremente iconoclasta que fazia um gênero inteiro parecer coisa de meninos bobocas, basicamente.

Quando o Sleater-Kinney anunciou sua reunião após dez anos no último mês de outubro, o lendário trio instantaneamente tornou-se a melhor banda de rock do planeta. Em um mundo em que Royal Blood e Arctic Monkeys sentem-se bons o bastante para erigirem totens para seu tipo de “música de verdade”, o S-K é uma banda que domina genuinamente a arte de derrubar paredes, regras e egos com uma postura ágil e riffs selvagens. No universo de estilhaços verbais e riffs em duelo de Corin Tucker e Carrie Brownstein, a “música de verdade” é um conceito imbecil e a história do rock é a só a história do rock deles.

Publicidade

O Sleater-Kinney surgiu em Olympia, Washington, no ano de 1994, um ímã para jovens feministas, e o mainstream logo tratou de cooptá-las para sua ideia distorcida do que era o movimento riot grrrl. Mas se o movimento tratava de energia justiceira rebatendo contra fronteiras pequenas e apertadas, o S-K mandou pro caralho as limitações do rock, dando fôlego à fogueira da complexidade e brilhantismo que o riot grrrl havia acendido, com suas marcas registradas como músicas em estruturas espiraladas, riffs que vem e vão, e vocais ricocheteantes.

Surgindo logo após o suicídio de Kurt Cobain, o Sleater-Kinney levou a declaração do cara de que “as mulheres são o futuro do rock'n'roll” ao pé da letra e foi além, não só redefinindo o futuro do rock, mas também seu passado dominado por homens. Ao ouvir canções como “I Wanna Be Your Joey Ramone”, fica a impressão de que as estrelas do rock e do punk do passado são unidimensionais, como compostos impressos de sonhos adolescentes datados. A história, especialmente a do rock, não mais era um catálogo de arquétipos rígidos; pelo contrário, era vista como uma ficção de criação humana, algo que não deveria ser preservado e sim pervertido. Entre suas músicas animalescas, letras emocionantes e presença de palco matadora, o S-K era tão alegremente iconoclasta que fazia um gênero inteiro parecer coisa de meninos bobocas, basicamente.

Muitas vezes Carrie Brownstein e Corin Tucker (namoradas até Dig Me Out, lançado em 1997) cantavam juntas, mas nunca faziam duetos, porque por mais que sua capacidade de mostrar enorme vulnerabilidade as deixava mais fortes, a dupla nunca se revelava vulnerável ao mesmo tempo. Era bem o oposto, elas brigavam, armavam ciladas e se batiam até alguém ceder. O que nunca acontecia, e o resultado era eletrizante.

Publicidade

Em mundo justo e são, o Sleater-Kinney seria algo maior que o ateísmo. Mas já que o cânone roqueiro é um espaço dedicado ao pixo de pintão e ao orgulho masculino ferido, aparentemente um monte ficou moscando e ainda tem que sacar qualé a delas. Então aqui fornecemos nossa honesta e necessária, porém nada completa introdução ao Sleater-Kinney para te ajudar a saber onde está se metendo.

Ah, fizemos tudo em ordem cronológica inversa porque estávamos nos sentindo muito anarco.

“JUMPERS” DE THE WOODS

O trio passou sua carreira fazendo as guitarras se destruírem e convulsionarem como se estivessem rastejando para fora de estruturas de poder. Mas com The Woods, produzido impecavelmente por Dave Fridmann (agora conhecido por fazer todo mundo soar como o The Flaming Lips, incluindo o próprio Flaming Lips), elas abriram espaço para uma série de gemidos modorrentos e surtos à la Led Zepellin. Essencial para isso foram canções como a obscura balada Steep Air” e a versão de Elliott (via Patti) Smith para a canção Modern Girl” — possivelmente a única coisa que a banda já gravou que pode ser chamada de “canção”. E preenchendo esse vazio temos “Jumpers”, uma música sobre suicídios na ponte Golden Gate que começa com um jeitão de Strokes da época do Is This It, e então te faz perceber o quão melhor Is This It seria se não fossem o Strokes tocando. Guitarras tensas dão o tom no início e dois minutos depois algo parece arrebentar, entrando então um puta riff que faz parecer que o céu está se abrindo e estão chovendo pedacinhos de Deus, saliva quente e Skittles. É demais.

Publicidade

“ONE BEAT” DE ONE BEAT

One Beat foi um dos primeiros discos de indie rock a abordar os atentados de 11 de setembro, com faixas como Combat Rock”, que encarna Throwing Muses pra meter o pau na publicidade simplista e pró-guerra do governo Bush. Mas é o som que abre o disco que bate mais forte, uma mistura de riffs impacientes que levam os vocais de Corin tempestade adentro. A guitarra sensual que aparece meio fora de hora aos 2:33 é o tipo de coisa que causa obsessões.

“YOU’RE NO ROCK N’ ROLL FUN” DE ALL HANDS ON THE BAD ONE

Como em seu sucessor, All Hands on the Bad One saiu em uma época pesada para a contracultura, O trágico show do Limp Bizkit no Woodstock 99 havia servido de trilha para o estupro coletivo de uma moça que surfava na platéia, assunto abordado pelo S-K em #1 Must Have”. Mas é a faixa anterior, “You're No Rock N' Roll Fun” que destaca a manifestação cotidiana da cultura de clube do bolinha, dando uma paulada nos imbecis que “não dão rolê com banda de mina”. Sobre guitarras que parecem se mover sem propósito, a faixa distorce Wire e Pavement juntos em um hino elegantemente divertido que fala sério como se fosse uma piadinha.

“BURN, DON’T FREEZE” DE THE HOT ROCK

Se o quarto disco The Hot Rock era daqueles que demorava pra se curtir, o investimento valia por conta de músicas como a quase perfeita faixa-título. Mais próxima ainda da perfeição está “Burn, Don't Freeze”, cujos riffs melancólicos, que fazem pensar em balé, correm ao longo de lamentos frenéticos como um fluxo de insultos. Mas há também uma dose de ternura, algo que predecessores e contemporâneos como o Fugazi e Les Savy Fav nem sempre tinham na manga, e isso explica porque o S-K é melhor que os dois.

Publicidade

“ONE MORE HOUR” DE DIG ME OUT

É adequado que uma das melhores músicas de fim de relacionamento já feitas tenha sido criada pelo casal que terminava ela. Após o relacionamento ter se tornado de conhecimento público por conta de uma matéria inconveniente da Spin, seu amargo fim tomou controle da narrativa com guitarras icônicas e vocais secos e roucos. A faixa tem aquela pegada indie que é de arrebentar o coração e ao mesmo tempo eufórica, não deixando dúvidas de que cada segundo da música significa tudo para quem a estava fazendo. Como boa parte das melhores faixas do S-K, ouvir “One More Hour” é como assistir a um acidente automobilístico terrível de emoções, sentimentos e tudo mais, arrebentados grotescamente no meio-fio.

“I WANNA BE YOUR JOEY RAMONE” DE CALL THE DOCTOR

Uma obra-prima punk com ritmos tortos e vocais de apoio chicoteantes, “I Wanna Be Your Joey Ramone” dá uma marretada na história do rock como se fosse uma piñata. No legítimo estilo Sleater, as garotas se apossam dos mitos e riffs entalhados em pedra desde tempos imemoriais, enquanto reconhecem a inevitável influência da tradição. “I'm fine”, Corin conclui ao fim da baderna, “cause it’s all mine”. [Estou bem, porque é tudo meu]

“HOW TO PLAY DEAD” DE SLEATER-KINNEY

Se o disco de estreia do S-K não ganha os louros por inovação, ninguém lhes negaria seu jeitinho de afirmarem um argumento. Esta característica é melhor expressada em “How to Play Dead”, uma diatribe que consegue soar brutal, triste, direta e sarcástica, tudo ao mesmo tempo. O que começa como um desabafo contra um cara que não sabe lidar com a sua pira em receber sexo oral (“I’m gonna choke can’t feel a thing / You say ‘go deeper’ you like it when I scream / And then you tell me I’m so good” [Vou engasgar, não sinto nada / Você diz para ir mais fundo, gosta quando grito / Aí você me diz que eu sou tão boa]) ganha um ritmo retórico e moral ao chegar a ponto de falar coisas como “I won’t suck your big ego and then swallow all my pride / I’m just spitting out the memory and stains you left inside of me” [Eu não vou chupar seu ego enorme e depois engolir meu orgulho / Só estou cuspindo as memórias e manchas que você deixou dentro de mim]. E o último verso poderia muito bem ser uma despedida feminista ao patrimônio rocker que elas estavam prestes a destruir: “I’ll show you how it feels to be dead / How it feels to be held still / How I wish you were dead” [Vou te mostrar como é se sentir morta / Como é se sentir presa / Como eu queria que você estivesse morto]

Siga Jazz Monroe no Twitter.

Tradução: Thiago “Índio” Silva