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Música

Thurstoon Moore é o santo padroeiro dos nerdões musicais

Conversamos com o eterno Sonic Youth sobre black metal norueguês, a coleção de K7s do Henry Rollins e Bernie Sanders.

Foto cedida pela Sonos

Entrevista originalmente publicada no Noisey US.

Thurston Moore é o santo padroeiro dos nerdões musicais. A sua própria existência grita isso, e a obra de sua vida confirma. Independe se você o conhece pelo seu trabalho junto ao ícone seminal do noise rock dos anos 90 Sonic Youth, por sua prodigiosa carreira solo ou sua infindável série de colaborações que passam por nomes como Richard Hell e Yoko Ono (sem contar sua temporada no supergrupo black metal Twilight), Moore passou mais de 30 anos rompendo limites, experimentando com sonoridades e geralmente consumindo tudo que é material gravado ao seu alcance.

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Alto e desajeitado, de cabelos despenteados e com uma expressão não muito distante da de uma coruja, o músico tem a aura de uma criança positivamente surpresa que acaba de entrar na sala na manhã de Natal e se deparou com um boxset gigantesco do Merzbow debaixo da árvore. Moore também parece ser o tipo de pessoa que pensa bem antes de qualquer palavra, mas ainda assim consegue manter um bate-papo constante assim que você lhe pergunta algo de seu interesse.

Quando o encontrei, ele estava em uma sala à prova de som na parte baixa da nova loja SONOS no Soho, ladeado por uma série de antigas fitas cassete raras que doou para a decoração da loja. A ideia toda por trás da SONOS é permitir aos seus clientes que se envolvam dentro de paredes de sons selecionados — um sonho por obcecados por música, e possivelmente parte dos motivos pelos quais chamaram Moore para a inauguração. Eles sabiam bem com quem estavam lidando, e ele pareceu feliz em aceitar o convite.

Sentamos detrás de sua parede de fitas (incluindo uma rara demo do Oneohtrix Point Never e algumas fitas de black metal que ele não conseguiu identificar por conta do ângulo) para conversar sobre seu mais recente projeto, o lançamento norte-americano do livro do co-fundador do Mayhem, Necrobutcher, Death Archives, a ser lançado pelo Ecstatic Peace Library, editora de Moore. Ele me trouxe uma cópia (linda, aliás) e falamos bastante sobre black metal, noise e política. Mal havíamos começado a falar sobre como amamos Lita Ford e soou o alarme, Moore sendo levado ao centro das atenções da loja — mas naqueles breves 30 minutos, éramos só dois nerdões musicais nerdando sobre blastbeats e fitas cassete.

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Foto cedida pela Sonos

Noisey: Como você se envolveu no lançamento norte-americano de Death Archives, do Necrobutcher?
Thurston Moore: Ouvi que Jorn [Necrobutcher] havia escrito uma biografia com suas primeiras fotos e um monte de coisas que estavam guardadas debaixo da sua cama, o que me deixou bem curioso. Não encontrei o livro em lugar nenhum, mas quando estive na Noruega encontrei uma cópia numa loja de CDs bem ao norte, a única cópia que vi no país todinho. Eu queria muito ler aqui, daí virei pro meu parceiro na editora e disse “Vamos lançar este livro”. Daí pensei que só deus sabe o que esse cara está escrevendo, e se forem uns lances nacionalistas horríveis? Não quero fazer parte disso, então [quando] ligamos para a editora, era uma moça maravilhosa lá na Noruega que disse algo como “Eles adorariam que vocês lançassem, e ele amaria ter outro músico lançando esse livro que não ele”.

Aí adquirimos os direitos para a tradução em inglês e o texto fluía muito bem — era despretensioso, pé no chão, desmistificando o lance todo da banda, suicídios, assassinatos e queimas de igrejas, de forma a tirar todo o elemento de escândalo da coisa. Essencialmente é a história sobre uma banda que teve esse ideia e foi lá tocar pra ninguém por uns dois anos até que o bicho pegou — e as pessoas diziam “Mas quem são caras?” e eles meio que viraram ícones do black metal. É um livro fascinante; já saiu na Inglaterra e será distribuído nos EUA possivelmente após o ano novo.

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Na teoria, surpreende bastante aquele cara do Sonic Youth lançando um livro sobre uma das bandas mais famosas do black metal de todos os tempos. O Necrobutcher em algum momento mostrou-se preocupado com isso?
Não, ele com certeza é não aquele tipo de cara que se importa com coisas do tipo quem é mais metal ou não, ele se importa com você ser verdadeiro com o que quer. Fora que todo esses bichos escutam new wave mesmo; curtem The Pretenders! Não acho que só ouçam o lance deles. Euronymous — o guitarrista [do Mayhem] que fundou a banda e ajudava a tocar a Helvete, loja de discos que ajudou a definir o caráter do black metal de certa forma – pirava em música eletrônica alemã.

Lembro de ler algo sobre quando Euronymous foi buscar Varg Vikernes na parada de ônibus curtindo techno alemão e isso deixou o cara sem reação.
Sim, e ele fala disso no livro, sobre como no EP Deathcrush eles usaram uma introdução chamada “Sylvester Anfang”, algo que encomendaram [do músico experimental alemão Conrad Schnitzler]. Schnitzler nunca tinha ouvido falar deles — eram só uns moleques que chegaram e perguntaram “Podemos usar algo seu em um disco nosso?” e ele topou, mandou pra eles, que colocaram no começo do seu EP. Não tinha absolutamente nada a ver, mas ao mesmo tempo confere essa característica bizarrona à gravação, que começa com uma composição de Conrad Schnitzler.

A mídia tende a tratar seu interesse no black metal como coisa de outro mundo, mas fico curiosa: como você entrou nessa?
Meio que curto desde sempre. Quando ouvi Burzum pela primeira vez, me soou como um disco tão interessante; na época eu não conhecia nada [de black metal] então foi algo como “Que que é isso?” e aí aquela gravação soava tão bacana — era tão minimalista e sem emoção. Nesse sentido, parecia muito artístico e aí você ouvia falar de outras coisas, como os assassinatos e começa a pensar “Que porra tá rolando?”. Você ouvia Mayhem ou Abruptum ou o que fosse e era música marginal estranhona. O fato de que ele diziam coisas como “Não estamos interessados em música” ia além dos Sex Pistols afirmando que “Não curtimos música, curtimos caos”, estas bandas simplesmente estavam falando “Não queremos ser confundidos com música, não queremos gravar discos porque as pessoas acharão que somos músicos”. Eles não tinham qualquer interesse em fazer parte da indústria musical e era esse negócio super cult, o que achei muito fascinante — a decisão de se afastar totalmente daquele mundo com o qual você nem interage. Era raro ver shows de bandas de black metal que não fossem com outras bandas do gênero e creio que um dos primeiros shows de bandas da Noruega que vi foi do Satyricon; foi num festival em Oslo e nem acreditei que eles estavam ali. Era um cast completamente ridículo de bandas e eles lá de corpse-paint, felizes e amigáveis.

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Acho que rola isso de ser verdadeiro com o que se está fazendo. Conheci o Gaahl [frontman do Gorgoroth] mais ou menos na mesma época que peguei esse livro, no ano passado; estávamos tocando em Bergen e ia rolar um festival de black metal no final de semana. Logo depois de termos tocado, encontrei com Gaahl, o que não esperava, mas era um cara incrível. Ele estava expondo algumas de suas pinturas no outro cômodo, que estava fechado àquela altura, mas aí ele pegou uma chave e rolou meio que uma tour pessoal pelas suas pinturas.

E como foi isso aí?
Foi demais! Todas as pinturas eram esses retratos estranhos de jovens transgêneros, todas incríveis e nenhuma delas estava à venda. Foi incrível estar em Bergen neste festival; todos eram tipicamente elitistas tipo “Só vamos vender 300 ingressos”, mas rolou de ver o Taake ao vivo e foi ótimo. De vez em quando você vai atrás de fitas e LPs deles lá e tem que ouvir coisas como “Por que você quer comprar isso?” [Risos].

[Apontando para o paredão de fitas na SONOS] Tem alguma pepita ali?

Tem umas fitas de harsh noise, John Duncan, que é das antigas, algumas bastante obscuras; se qualquer um que curta mesmo essas paradas vier aqui, vai se surpreender.

Foto cedida pela Sonos Onde você as consegue?
Comecei a comprar fitas nos anos 80, especialmente com a cena industrial oitentista inglesa com o Throbbing Gristle e tudo mais. Eu não estava muito nessa e nem tinha muita grana até o final dos anos 80 e começo dos anos 90 quando [comecei a ir] pro Japão. Lá rolava toda essa cena gigantesca de noise japonês em cassetes e eu pirei; tenho uma coleção enorme do gênero. Aí tinham essas gravadoras inglesas especializadas em fitas lançando noise underground e comecei a comprar essas, e essa galera começou a me escrever tipo “Você conhece a American Tapes?” que era coisa do John Olson do Wolf Eyes antes do Wolf Eyes e eu respondia “American Tapes? Que nome horrível, tão genérico”, aí corri atrás e comecei a me comunicar com John Olson, e as primeiras fitas que ele lançou eram demais, cobertas em vidro quebrado e seladas — não dava pra ouvir sem usar ferramentas.

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E aí de repente surgiu essa cena norte-americana de fitas underground e comecei a entrar nessa — não só fazendo minhas próprias fitas, mas entrando mesmo na cena. Foi uma parada muito ativa no começo dos anos 2000, e agora essa cena meio que amadureceu, e não sei por onde anda o pessoal e se continuam fazendo isso, e tem todo um público, daí tentei catalogar da melhor forma que podia. Não dá pra pegar tudo e tinha muita coisa ruim que eu não precisava, mas tinham umas gravadoras que você tinha que pegar tudo que eles falavam. Muita gente de Michigan — todo aquele underground psicodélico, Wolf Eyes, Hair Police — cada um tinha sua gravadora. No caso da American Tapes você tinha que ficar de olho todo dia, assim que entrava algo novo, você já tinha que pagar pelo PayPal.

Parece cansativo.
Bom, Henry Rollins tomou pra si a tarefa de encontrar tudo que foi lançado [pela American Tapes]. Acho que Olson parou lá pelos mil [lançamentos]. Houve uma época em que as pessoas vendiam coisas da American Tapes no eBay por valores absurdos, com colecionadores japoneses pagando tipo centenas por uma fita. Daí percebemos que Rollins era um dos caras que deu um dos maiores lances de todos os tempos, aí que soubemos que ele tinha tomado pra si esse dever, de ser o guardião das fitas de Olson, porque acreditava ser a primeira grande obra de arte underground sonora norte-americana a ser feita e precisava ser protegida. E é na caverna de Rollins em Los Angeles que as fitas estão. Ele é foda. Lembro de trocar fitas com ele nos anos 80; ele corria atrás de todas as fitas ao vivo do Birthday Party, dos Misfits. Eu tinha uma fita ao vivo do Black Flag num show ao ar livre que fizeram no PollyWog Park gravada pelo Dan Graham antes de começarem a fazer esse tipo de coisa e lembro que disse ao Henry que tinha uma cópia daquilo. E ele respondeu “Essa é uma parada do Black Flag que eu não tenho e preciso”, então foi uma puta troca.

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Por que você continua nessa de formato físico em 2016? Você lança livros, adora fitas, adora discos.
Porque são vibratórios, você pode tocá-los. Pra mim, importa o cheiro. Sempre digo que ouvir os discos é o menos interessante a essa altura, porque eu sei o que é essa experiência até certo ponto, e claro que me interessa, mas o que me empolga mesmo é a fisicalidade da coisa — olhar, tocar, ver, cheirar, daí talvez eu até o bote pra tocar [risos].

A ideia do que você vai ouvir é o mais comum, é o que o digital oferece. Todos compartilhamos isso, podemos ouvir, é só aquele conteúdo — o áudio disponibilizado, o visual também, mas e a manufatura? Não. E tem o tato também; você pode baixar palavras, mas não um livro de fato.

Você mora em Londres agora, né? Como estão as coisas lá agora?
Uma loucura por causa do Brexit. Como todos em Londres, fiquei chocado naquela manhã tipo “Meu deus, passou?” daí você percebe que vive numa bolha progressista, o que foi meio que um alarme soando, se você quer mesmo ir contra algo com base na xenofobia, tem que fazer um escândalo. Não dá só pra ficar de canto e falar “Nem todo mundo vai votar isso, isso é retrógrado. Os cabeças-duras não podem tomar a Terra, não vai rolar” — e aí acontece num país tão importante como a Inglaterra e isso choca. Daí você para pra ver o que está rolando nos EUA agora e fica meio “É sério isso?”.

Sei que você é dos apoiadores de Bernie Sanders — você fez aquele EP Feel It in Your Guts em colaboração com a sua campanha que é descrito como “uma peça acústica de doze cordas com trechos de discursos de Bernie Sanders sobre tópicos como a idolatria ao dinheiro, desigualdade econômica, justiça social e a necessidade de direitos humanos básicos para todos”. Achei interessante ver isso vindo de um músico tão gabaritado.
Bom, pra mim, o que ele estava apresentando não era algo que eu preveria ser tão dominante a ponto de ele ser eleito Presidente dos EUA, mas foi divertido. Foi uma oportunidade de botar o ideal progressista na mesa, porque ele pegava tanta energia daquilo. Achei tudo tão positivo e magnífico, inteligente e intelectual, e era um cara articulado, então por que não apoiar tudo isso? Ele se alinhou ao Comitê Nacional Democrata e eu não sou radical do tipo Bernie ou nada, só acho que é um ótimo político num momento em que precisamos de um. É a única voz que temos nesse sentido.

O que você está lendo agora?
Leio três ou quatro livros de uma vez, agora mesmo estou lendo o novo livro de Lita Ford, Living Like a Runaway. Ela é minha heroína na guitarra. Vi as Runaways no CBGBs em 1979 e fiquei tipo “É a melhor guitarrista que já vi” e muita gente comentava “Ah, ela toca como o Riche Blackmore”, e lembro que nesse show alguém gritou pra ela “Você soa como Richie Blackmore” e ela só disse “Valeu!” [risos].

Kim Kelly segue a gélida lua no Twitter.

Tradução: Thiago “Índio” Silva

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