FYI.

This story is over 5 years old.

Música

A Taylor Swift foi vítima da sua própria estratégia de dominação do mundo pop​

Mais sobre a Treta Pop do Século.

Parece um desperdício de palavras resumir o episódio mais recente de Keeping Up With Kanye vs Taylor — uma treta lendária e flutuante que nasceu no MTV Video Music Awards de 2009 — porque, se você está lendo isto, já sabe o que aconteceu. Mas, em nome da posteridade, e pra ajudar a explicar alguns pontos que vão se seguir, vou resumir os eventos recentes.

Em fevereiro, uma faixa de The Life Of Pablo, de Kanye West, causou mais controvérsia que o resto do álbum. A música “Famous” começa com a frase "For all my Southside niggas that know me best / I feel like me and Taylor might still have sex / Why? I made that bitch famous" (“Para todos os meus manos do Southside que me conhecem bem / Sinto que eu e Taylor podemos transar um dia / Por quê? Fiz aquela vadia ser famosa”). Essa era uma letra que, segundo Kanye, Taylor teria aprovado depois de uma ligação de uma hora de duração, na qual ele havia pedido a autorização dela.

Publicidade

Em resposta ao alvoroço até compreensível que se seguiu, Taylor Swift soltou um comunicado por meio de seu agente dizendo que ela não tinha aprovado a música, não tinha nem mesmo ouvido falar dela, e, em vez disso, tinha sido abordada para divulgar a faixa em seu Twitter, o que ela se recusou a fazer. Além disso, disse o representante de Taylor, a cantora realmente advertiu Kanye sobre lançar uma faixa tão misógina. Ela então fez um ataque velado em seu discurso no Grammy, depois de se tornar a primeira artista mulher a ganhar o prêmio de "Álbum do Ano" duas vezes, afirmando: "Vão ter pessoas ao longo do caminho que irão tentar minar seu sucesso ou levar o crédito por suas realizações ou a sua fama."

Ainda assim, Kanye e todo mundo mais chegado a ele — incluindo sua mulher Kim Kardashian West, o DJ do programa de rádio The Breakfast Club radio DJ e o radialista Charlamagne Tha God, e mesmo Ken Erlich, produtor executivo do Grammy — todos disseram em algum momento que Taylor não só aprovou a faixa como ajudou a reescrevê-la, e mais: haviam gravado a ligação para provar. Se o que eles estavam dizendo era verdade, pode-se imaginar a enorme fúria envolvida: ali estava Taylor Swift, que há anos usava Kanye como uma carta para pagar de coitadinha, renegando uma trégua duramente conquistada para fazer a mesma merda de novo.

Depois que a poeira baixou, a história estourou de novo quando Kim reafirmou à revista GQ que o vídeo existia, que Taylor aprovou a música, concordou participar da "piada", e aí mentiu publicamente sobre isso. A resposta de Taylor, novamente por meio de seu agente, foi de afirmar de forma condescendente que Kim só sabe o que Kanye conta para ela, e que "não entende por que Kanye West, e agora Kim Kardashian, não a deixam em paz."

Publicidade

Agora sobre os eventos da noite do último domingo (17), em que, num golpe perfeitamente orquestrado, Kim esperou um episódio de Keeping With The Kardashians ser exibido para vazar o vídeo da ligação em seu Snapchat. O Twitter entrou em polvorosa, a hashtag do momento era #KimExposedTaylorParty, e Taylor estava presa em uma mentira complexa e podre. Tudo isso no Dia Mundial da Cobra, ainda por cima. Foi o final de temporada que todos estavam esperando.

Taylor foi rápida, talvez rápida demais, em postar uma declaração em seu Instagram, dizendo: "Aquele momento em que Kanye West grava sua ligação secretamente, e aí Kim posta na internet." (A propósito: quem ainda usa o meme “aquele momento” em 2016?) Reforçando que nunca tinha ouvido a música — especificamente a parte "I made that bitch famous" (“Fiz aquela bitch ser famosa”) — ela acusou Kim de assassinato de caráter e pediu para ser excluída da narrativa que nunca tinha pedido para fazer parte.

O uso da palavra “bitch” na letra de “Famous”, aliás, é um outro ponto controverso, especialmente após o vídeo ser divulgado. E é interessante notar que é uma palavra que tem atormentado Kanye desde 2012, quando ele debateu abertamente sua utilização no hip-hop em um longo post no Twitter, perguntando: "É aceitável para um homem chamar uma mulher de bitch mesmo se é com afeição?". Ele concluiu que talvez a palavra agora não seja nem positiva nem negativa. Em meio a críticas após o lançamento de TLOP em fevereiro, Kanye defendeu novamente o termo no Twitter: "Bitch é um termo afetuoso no hip-hop, assim como a palavra nigga."

Publicidade

Ninguém pode julgar Taylor Swift por ficar puta por ser chamada de "bitch", sendo um termpo (ou não) afetuoso. Mas vendo o vídeo, é difícil dizer que “bitch” seria o problema, ainda mais depois que ela aprova a parte da letra que diz que eles talvez façam sexo — mas isso são apenas suposições em cima de suposições. O que podemos descobrir com a grande revelação de Kim é que a equipe de Taylor continua negando qualquer acusação de que ela foi contatada para aprovar "Famous".

Logo após o Snapchat polêmico, fãs e membros do #squad de Taylor correram para defendê-la. "Não tem coisas melhores para se revoltar?" lamentou Selena Gomez. "Claro, que tal black lives matter?", perguntou um fã. "Então se eu tuitar uma hashtag eu salvo vidas? Tô me fudendo pra escolher um lado", respondeu Selena num tuíte agora deletado.

"Por que estamos tão desesperados para derrubar mulheres de sucesso?", pergunta um artigo muito popular no The Guardian, observando que qualquer crítica à Taylor Swift se resumia simplesmente a "temas tão antigos como a Bíblia: a suspeita de mulheres bem-sucedidas, o ressentimento das mulheres sem remorso, a necessidade das mulheres conhecerem seu lugar." Mas a noção reducionista que isto tudo é sobre Taylor ser uma mulher — em vez de sobre ela ser manipuladora ou mentirosa — simplesmente sustenta a preguiçosa e preconceituosa narrativa 'vítima e agressor' que sempre foi o retrato da história de Taylor Swift e Kanye West nos principais meios de comunicação.

Publicidade

Voltemos a 2009, ao momento em que tudo começou, quando o VMA não deu a Beyoncé o prêmio de “Melhor Clipe Pop” para a melhor coreografia desde "Smooth Criminal", e em vez disso premiou Taylor Swift pela monotonia adolescente que era "You Belong With Me". Excelência negra frustrada pela mediocridade branca novamente, como Kanye diria depois: se “você vê Beyoncé dançando de salto e tal e ainda assim não dá um prêmio para ela, as pessoas não vão se importar. (Agora vivemos num mundo onde Meghan Trainor tem um Grammy, então você mesmo pode decidir se a indústria da música decidiu coletivamente abaixar o nível naquela noite.)”

Em todo caso, quando Kanye subiu ao palco naquela noite, efusivo, microfone na mão, com uma loira dócil mais branca que o branco como a Taylor Swift ao fundo, aquela imagem se inseriu no cerne de ambas as carreiras na maior parte da década. A crônica de Taylor, a menina branca inocente, e Kanye, o demônio negro agressivo.

A revelação de Kim não necessariamente liberta Taylor desta narrativa, mas livra Kanye da “anti-tude” em que ela baseou sua carreira. Quando convinha, Taylor era vítima de Kanye.

Quando não convinha mais, ela se esforçou para se conciliar com ele — convidou para jantar, agradeceu publicamente no Instagram por um arranjo de flores que ganhou de presente, ficou lado a lado com sua esposa quando ele se apresentou no Brit Awards — e quando ele recebeu um Prêmio Vanguarda no mesmo evento onde o drama começou, não foi um de seus muitos amigos ou colegas que o entregou a ele, foi Taylor Swift. Esta mudança de narrativa é uma que Taylor tem participado ativamente, perpetuada e alavancada para sua vantagem. Talvez por isso se reescrever como uma intrusa na letra de “Famous” não funciona na era da memória eterna da internet.

Publicidade

Na declaração lançada após seu telefonema com Kanye ser divulgado, Taylor afirmou ter sido vítima de "narrativas indesejadas" e "assassinato de caráter". No entanto, quando se trata dessas duas coisas, ninguém é mais profissional que a própria cantora. "Assassinato de caráter" e "narrativas" têm sido a base da carreira dela. Pegue por exemplo Joe Jonas — que ela massacrou no The Ellen Show por ter terminado com ela em uma ligação telefônica de 27 segundos (“Ligações só podem durar o quanto a outra pessoa está disposta a falar.” — Joe Jonas) e sua então namorada, Camilla Belle, alvo da música “Better Than Revenge”, um poço de slut-shamming. De John Mayer, que foi “humilhado” pela música “Dear John”, a Harry Styles, que foi zoado desde a performance no Grammy de “We Are Never Ever Getting Back Together” (onde ela o imitou) até a óbvia faixa "Style", culminando no ataque estilo menina má a Katy Perry em “Bad Blood”, Taylor Swift sempre inseriu outros artistas em sua narrativa sem o consentimento deles.

Quando a situação se reverteu, Kanye ligou para a cantora, enquanto “uma boa pessoa e uma amiga”, para pedir sua benção na letra de “Famous”. Taylor aparentemente deu seu consentimento, mas depois se voltou contra Kanye, mudando a narrativa para tirar vantagem dela. Durante sete anos, ela se aproveitou do fato que, historicamente, a palavra de uma mulher branca sempre vai valer mais que a de um homem negro. Pode-se dizer que ela estava contando com isso para se dar bem nessa controvérsia de "Famous", e, até Kim jogar a merda no ventilador, estava funcionando. Não me interpretem mal, não há alegria ao destruir mulheres, mas há uma sensação de revanche em ver alguém — que tem sido falsa e hipócrita na melhor das hipóteses, manipuladora na pior das hipóteses — ser atingida pela própria estratégia.

Você pode seguir a Grace no Twitter.

Tradução: Taís Toti

Siga o Noisey nas redes Facebook | Soundcloud | Twitter