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Música

Sharon Jones: Criança Nunca Mais

A cantora de soul fala sobre sua luta contra o câncer, o estado atual da música e como pensou que iria morrer.

Fotos por Jesse Dittmar

Em junho de 2013, pouco depois de anunciar o próximo álbum de sua carreira de quase duas décadas, Sharon Jones, 57 anos, foi diagnosticada com câncer pancreático estágio II, apenas três anos depois de perder sua mãe também para o câncer.

Nos últimos seis meses a dinâmica cantora vêm passando por um tratamento de quimioterapia para a doença, uma experiência que todos nós sabemos estar longe de agradável. Ela e sua banda, Sharon Jones & the Dap-Kings, planejavam lançar seu próximo disco Give People What They Want - adicionando mais um trabalho bombástico de soul à sua discografia - no verão passado, mas foram forçados a adiarem a data para a próxima semana. Agora, Jones terminou seu tratamento e em preparação para o álbum, ela irá se apresentar no Late Night with Jimmy Fallon nessa semana, antes de começar uma turnê no mês que vem.

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Em suma, tem sido um ano bem turbulento - e mais turbulência pode surgir a qualquer momento.

Apesar de tudo, Jones se manteve firme e forte. A reportagem de capa do The Village Voice de novembro acompanhou como foi seu tratamento, e, mesmo com tudo isso, a cantora ainda encontrou tempo para lidar com a promoção do álbum. Em dezembro, quase uma semana antes do Natal, eu passei a tarde com ela ao telefone. Durante uma hora, ela conversou abertamente sobre tudo o que você possa imaginar - seus pensamentos sobre o Kanye West, o estado atual da música, e até sobre como é olhar nos olhos da morte e acreditar que ela pode vencer.

Noisey: Acompanhei minha avó na luta contra o câncer. Sinto muito por você ter passado por isso.
Sharon Jones: É terrível. É realmente horrível. Sentar naquelas cadeiras [da quimioterapia] e ver basicamente qualquer pessoa entrar. É muito difícil. Quando o médico deu o diagnóstico de câncer pancreático em estágio II, eu não sabia se ia morrer. [Mas] Achei que ia. Achei que não ia poder fazer um show deste álbum. Porque foi tipo, para mim tinha acabado. E achei mesmo que era isso.

Essa foi a primeira coisa que passou pela sua cabeça?
Foi. “Este é o último álbum.” E aí depois – a cada dia – as pessoas estão certas. Você tem que fazer as coisas um dia de cada vez. Perdi minha mãe para o câncer em março de 2011. E aí aconteceu isso. E assim foram os três últimos anos da minha vida.

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Como você lida com esses desafios?
Com a minha música. É a música. É o palco. Mesmo quando a minha mãe estava doente, eu consegui subir no palco e tocar na noite em que ela morreu. E eu sabia que minha mãe tinha falecido de manhã. Mas eu tinha que tocar. A música é – ela te leva para longe. Quando estou lá em cima e vejo o sorriso no rosto das pessoas. Quer dizer, ontem eu estava no telefone com um cara da Itália. E ele estava me contando como eles me amam. E como sou importante para eles. E eles sabem da minha doença, como choraram. E aí chorei ouvindo um homem que estava me entrevistando me dizer como sou importante para as pessoas na Itália. E sei que metade delas nem entende o que falo. Mas elas entendem a música e a forma. E sinto que é por isso que tenho trabalhado tanto. Essa é a minha meta. E minha próxima meta que pessoas reconheçam que a soul music é o agora. A soul music não morreu em 1969 e 70. Quando vejo o American Awards e a Taylor Swift e o Justin Timberlake ganharem na categoria R&B e Soul, isso te faz pensar: “O quê?” Não estou dizendo que o R&B e o Soul são negros. Não tem nada a ver com isso. A questão são os cantores pop. Eles são ótimos cantores. A Taylor Swift é uma cantora pop. Ela faz o que faz bem, mas é pop. E aí tem pessoas como eu e o Charles Bradley. Só porque somos independentes, não somos reconhecidos lá em cima. A meta é ser reconhecida como cantora de soul. E a gente trabalha muito. Não me chame de retrô. Não tenho nada de retrô. Sou cantora de soul.

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Um dos entrevistadores me disse: “Sabe, Sharon, se você fosse uma menina branca ou alguma coisa assim, provavelmente teria mais status como cantora de soul”.

O que você acha disso?
Bom, ele está certo. Eu não queria que isso saísse da minha boca: “Porque sou negra”. [Risos] As pessoas diriam: “Ah, ela é racista”. Mas é a verdade. Se eu fosse uma menina branca e tivesse essa história, teria uma abordagem diferente. Mas sabe o que vou te dizer? Não estou preocupada com isso, porque é isso que a Sharon acha. Deus me deu um dom. E é por isso que estou fazendo o que faço agora. Quanto à forma como meus fãs me veem, essa é outra provação na minha vida. Estou doente. Essa é a questão. Não posso esconder. Por que deveria? E acho que quanto mais compartilho isso com meus fãs, quanto mais eu for verdadeira e eles virem o que estou passando, assim eles me entenderão. E verão que não sou nenhuma armação. Não sou. Se estivesse fazendo isso pelo dinheiro, estaria tentando passar para o mainstream e tentando mudar a nossa música para conseguir vender milhões.

Sei que é isso que tenho que fazer. E sei que mais pessoas precisam ouvir a nossa música. E é isso que estou dizendo. Essas premiações, não menosprezando ninguém, mas elas precisam reconhecer selos independentes. Você liga o rádio e escuta a mesma música umas 25 vezes por dia. Em vez de tocar aquela música 25 vezes, toca outras. Toca 25 pessoas diferentes, entende?

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Com certeza.
Você me deixou agitada. [Risos]

Você ainda está fazendo quimio, certo?
Estou, sim. Estou passando pela quimio agora. Por isso nos últimos dois dias fiquei na cama. Porque minha contagem de glóbulos brancos estava baixa. Tive que tomar uma injeção. Então ainda estou passando por isso. E aí abro minha agenda e vejo um monte de coisa planejada para mim. Tenho medo. Te digo que mesmo hoje – se tivesse que me apresentar em qualquer lugar hoje à noite, não conseguiria. Mas sei que daqui a algumas semanas, ou em fevereiro, já vou conseguir. A quimio termina na véspera do ano novo. 31 de dezembro. Daí meu corpo começa a se restabelecer. E ainda tenho que passar nos médicos para tirar esse catéter do peito antes de cair na estrada.

E já estou agendada para ir no programa do Jimmy Fallon em janeiro. Era para eu ter ido em agosto, mas tive que remarcar. Se chegar lá e eu não estiver pronta, então não estou pronta. Vou ter que dizer: “Olha, não estou pronta”. Mas no meu coração e minha fé e minha crença e a energia que os fãs me passam, isso é o suficiente para eu saber que estarei pronta. E sei que meus fãs estarão prontos para mim. Seja lá o que eu leve para eles no palco, eles estarão prontos.

Imagino que você sinta muita ansiedade – e também medo.
Sim. E sabe uma coisa sobre mim? Quando estou doente e para baixo, não fico feliz. Não consigo escutar música. Não consigo me concentrar. Então quando estiver tudo certo, vou começar a organizar essas músicas. Vou começar com uma música por dia. Já sei umas cinco das dez. Mas ainda preciso estudar. E preciso aprender as outras. Não vou conseguir sentir essas músicas até subir no palco e as coisas começarem a mudar. E sei que tem muita coisa pela frente. E é isso que assusta, porque nos últimos 18, 19 anos, tenho feito – as pessoas olham para mim e falam: “Uau, olha a sua agenda”. Daí eu penso: “Sabe, já faço isso há uns 18 anos e ninguém nunca falou nada sobre a minha agenda até agora”. Está entendendo? Então vai dar tudo certo. Posso não estar 110% nos primeiros shows. Mas sei, no meu coração, que vou ficar bem.

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Nos últimos três anos, o que você aprendeu sobre si mesma e como isso se refletiu na sua arte?
Sei que não vou ser a mesma que era quando parei. Quando voltar, o principal é que vou saber que não estou ali por causa da minha aparência. Vou estar careca. Não vou usar peruca. Não vou aparecer com uma peruca cheia de tranças na cabeça para ficar igual ao que eu era antes. Estarei careca. Não vou usar meus vestidinhos brilhantes quando voltar porque essa é a Sharon de antes. Vou ter que reconstruir isso e colocar meus vestidos. Aquilo fazia parte da minha encenação. A forma como você se veste. A forma como você se coloca. Tudo isso. Isso faz parte de você. Eu falava para as pessoas: “É, sou a Sharon Jones”. Mas quando eu subia no palco, eu era a Dona Sharon Jones. Entende?

Entendo.
As roupas. O cabelo. Tudo que uso. Como estava a maquiagem. Isso fazia parte do show. Fazia parte de mim. Então agora eu olho no espelho. Sei o que as pessoas dizem: “Você ainda é linda. Você é isso”. Mas olho no espelho e às vezes fico triste com o que vejo. Quero aquele cabelo de volta. Quero aquilo. Quero a minha felicidade. Quero o que eu tinha antes de deixar o palco. Mas sei que ainda tenho isso. Só vai ser um pouco diferente no começo. Então neste momento sei que não posso voltar a ser o que era. Mas vou trabalhar para me recompor. E não importa aonde eu chegue e onde pare, vou continuar sendo a Sharon. E é por isso que compartilho isso com os meus fãs. E quero que eles vejam o que estou passando. E é por isso que valorizo conversar com você para que você possa escrever o que estou sentindo neste momento. Porque se me perguntar daqui a um mês, a resposta vai ser um pouco diferente. E neste momento minha meta é conquistar aquela felicidade. Aquela alegria. E é a alegria de estar no palco. E isso precisa voltar para mim. Foi isso que perdi na minha doença. Mas sei que estou no processo de conseguir isso de volta. A felicidade é o mais importante. Já rodei bastante. Já passei por muita coisa. Você precisa ser feliz. Precisa sentir que fez alguma coisa na vida. E acho que é isso que conquistamos ao longo dos anos.

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Você tem medo da morte?
Quer saber? Acho que todo mundo pode dizer que não tem. Claro que tenho medo da morte – principalmente sendo nova. Mas faço o suficiente e para a minha mãe – e sei que vou perder outras pessoas. Não estamos aqui para viver para sempre. Se o médico tivesse me dito: “Você só tem tantos meses…” Quer dizer, não sei o que eu teria feito. Mas teria dado um jeito de lidar com isso. Eu teria que dar um jeito. Eu não tiraria a minha vida nem tentaria me matar. Porque foi assim que fui criada na igreja. E sei disso, no meu coração. Já fiz muita coisa. E a única coisa que me preocupava era conseguir uma conexão com Deus. Para ter certeza de que, quando partir, minha alma não vai ficar no limbo. Temos o Céu e o Inferno. Ninguém quer ir para o Inferno. Pelo menos eu não quero. E já vivi o suficiente para saber que não vou para o Inferno. E tenho muita fé para crer nisso. Então, sim, tenho medo da morte. Mas se ela chegar para mim e eu souber que vai acontecer, vou ter que lidar com isso.

Você acha que essa visão mudou de quando você não tinha câncer para depois do diagnóstico?
Bom, mudou. Porque é como se diz, você sempre pensa no pior. Quando me contaram, não foi ruim. Mas aí quando eles vão lá para dentro é que você pensa: “Oh-oh”. Foi aí que eu disse: “Ok. Agora vamos lá. Estou me preparando para morrer. Você vai me dizer: ‘Você só tem esse tempo de vida’”. E aí quando ele te fala outra coisa: “Está tudo bem. Mas você vai ter que fazer isso”. Passei pela provação e pela tormenta. É só… É um obstáculo na minha frente. Preciso superá-lo. Não vou contorná-lo. É mais um capítulo da minha vida. Entende?

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Com certeza.
E quando fiquei sabendo que não ia morrer, tinha então que viver. Está entendendo? Agora preciso viver. Quando você já sabe – e a minha doença não é para sempre. Estou me curando. Estou pronta para dar o fora daqui. E o que eu faço é subir no palco e fazer a minha música. Essa é a minha felicidade. É para onde eu levo a minha felicidade. As pessoas gostam disso. E é isso que vou fazer. E é isso que Deus me abençoou para fazer.

Sua relação com a religião evoluiu durante o tratamento? Como?
Evoluiu. A pastora da minha igreja me fez perceber uma coisa. Ela disse: “Olha, Sharon. Todo o trabalho que você fez ao longo dos anos, tudo que você fez por Deus, e a sua crença e a sua fé. Esse era o pagamento adiantado. E agora tudo isso se soma. Você está quitando a dívida no seu coração – todo o bem”. E eu disse: “Uau. Obrigada, Pastora”. Então, sim. Isso me transformou. Isso só fez com que a minha fé ficasse ainda mais forte. Porque tem gente que acha que se você não vai à igreja todo dia e não anda com uma Bíblia na mão, não está certo. E como eu estou aqui fazendo música, tem membros da igreja que pensam: “Você está em cima do muro”. Preciso dizer a eles: “Não, não estou. Estou fazendo o que Deus me deu como dom. E isso é cantar”. Assim como você vai para o seu trabalho das nove às cinco. E vai à igreja aos domingos. Bom, esse é o meu trabalho. Esse é o trabalho que Deus me deu. Coloco meu dízimo na mesa quando tenho, quando ele está lá. Continuo fazendo o que tenho que fazer. E o principal é a minha fé na igreja, minha fé em Deus e em Jesus. E acho que você tem que tratar as pessoas da forma como você gostaria de ser tratado. Não precisa sentar na igreja 24 horas por dia, sete dias por semana, lendo e estudando a Bíblia. Desde que você saiba. E isso é instilado em você. E você sabe o relacionamento que tem com Deus. Sei que existem ateus. Mas olha, vou dizer o que tenho que dizer quando eles falam. Mas não vou bater no que eles acreditam. Mas foi isso que me trouxe até aqui e ninguém pode tirar isso de mim. Ninguém pode tirar isso de Deus.

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Mudando de assunto, como uma mulher negra que viu as relações raciais e culturais se transformarem nas últimas duas décadas, o que você acha do atual momento da música – como, por exemplo, o Kanye West lançar uma faixa chamada “New Slaves” (“Novos Escravos”)?
Bom, quer saber? Às vezes, você precisa prestar muita atenção na forma como fala sobre as pessoas. Quer dizer, o Kanye West. Acho que o jovem está mal desde que a mãe dele o deixou. As pessoas não sabem que tipo de relacionamento ele tinha com a mãe, e em algum momento acontece um desequilíbrio químico na cabeça [das pessoas que perdem a mãe], sabe?

Estou sendo sincera. Dá para perceber isso em certas pessoas. Só porque ele sai por aí dizendo que está ganhando um monte de dinheiro – mesmo assim aconteceu alguma coisa quando ele perdeu a mãe. E aí agora você tem todo esse dinheiro e poder. E ele está mesmo achando que é a melhor coisa do mundo. Ninguém pode com ele. Ele é Deus, é quase isso. Essa é a opinião dele. Não conheço a vida pessoal dele.Não sei o que ele passou. E a percepção dele sobre a escravidão eu não escuto. Para ser sincera com você, não escuto a música dele. Mas a questão é que se eu fosse uma menina branca, eu seria ouvida – muito antes dos 18 ou 19 anos que foram necessários para eu ser ouvida.

Quando apareci, vivia na segregação. Eu estava lá quando não se podia ir num bebedouro tomar água sem os ler dizeres “Branco” e “De Cor”. Eu vi isso. Passei pela situação de morar na Avenida DeKalb nos anos 60. Vi Martin Luther King passar pelo bulevar. Nem se colocavam fotos de negros nas capas dos álbuns. E aí quando começaram a colocar fotos nos álbuns, os homens dominavam. E aí apareceram as mulheres, e agora vende-se sexo. Vi a moda masculina passar do terno bacana para a calça justa. O cabelo passar de black power para um mais cacheado. Vi o Michael Jackson. Vi esses jovens cantores irem do soul ao pop. Vi toda essa coisa da música mudar. A Beyoncé aparecer. A Aliyah aparecer. E todo mundo quer ser igual todo mundo. Todo mundo quer ter o som igual ao daquela outra pessoa. Tem uma nova Mariah Carrey. Tem uma nova Beyoncé. Tem uma nova alguém. Por que não pode ser só uma cantora que surge e canta?

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Então eu assisti a tudo isso. Agora, a Beyoncé está aí. Ela tem talento. Ela usa a publicidade dela. É uma empresária. Está ganhando mais dinheiro. Mas quanto dinheiro mais – quantos milhões mais? As pessoas estão mudando. Rezo para conseguir ganhar tanto dinheiro assim. Porque não sei como é que pode ter gente ganhando tanto dinheiro. Tem gente pobre – gente que nem tem casa para morar. Como pode uma pessoa… Você nunca vai conseguir gastar todo esse dinheiro. Por que você não faz alguma coisa de fato? Acho que é para isso que Deus nos dá essas coisas. Quando você consegue uma coisa, deveria buscar ajudar uma pessoa que não tem. Isso é a vida. Continuo fazendo isso. Fiz isso minha vida toda. E mal posso esperar para estar em uma situação melhor em que possa fazer ainda mais.

Olha, todo mundo aqui tem direito à sua própria opinião. Tipo, todo mundo está falando sobre aquela menina, a Miley Cyrus. Acho que ela é uma jovem ótima que apareceu através da Disney e está fazendo o que faz – mas agora é chegar aqui e ser rebelde assim. Para mim, isso não é inteligente. Mas ela vende. É uma das pessoas mais populares do ano. Mas que mensagem ela passa para outras jovens? Que é só sair, ficar pelada, colocar a língua para fora e falar de drogas. Que é só usar drogas e você vai ganhar dinheiro. Por favor.

Sharon Jones

Como tudo isso – o negócio, o dinheiro, tudo sobre o que você está falando – afeta a arte em si?
Afeta muito a música porque olha só sobre o que esse pessoal está cantando. Quer dizer, senta e presta atenção na letra de alguma música da Beyoncé. Escuta a letra do Kanye. Escuta sobre o que eles estão cantando. Eles não estão cantando sobre quanto dinheiro eles têm. Estão cantando sobre como estão bem. De como podem comer alguém. Ou quantos carros têm. Ou quanto disso. E se pegar os rappers, toda mulher é puta, piriguete e isso e aquilo. Você não quer que ninguém te chame de crioulo, mas pode usar essa palavra 25 vezes na música. É por isso que não escuto rap. Odeio essa palavra. Eles não viveram isso. Eles não sabem o que é uma pessoa te chamar assim. Sério, de verdade. E você simplesmente deixa isso fluir pela boca como se fosse parte da sua língua. Você não faz ideia. Veja pessoas como Nelson Mandela. Esse homem passou 27 anos preso e tudo que ele queria era paz e que os negros pudessem votar. Uma pessoa negra é um ser humano, não um animal.

Aí tem esses moleques usando uma roupa que fica caindo na bunda. Sem respeito. E eles moram num bairro mais pobre que o do Dickens, mas tentam comprar um sapato igual ao do Kanye ou de algum famoso. Coisas que eles vendem por $150 ou $200. Em vez de retribuir, algumas dessas estrelas fazem produtos. Elas deviam ir aos bairros negros para que os jovens tenham dinheiro para comprar e não tenham que bater na cabeça de ninguém para roubar e poder usar um tênis de $250 porque a mãe não tinha dinheiro para comprar.

Você viu os produtos da turnê do Kanye?
Não. Não vi.

É bem radical. Ele basicamente se reapropriou da bandeira dos Estados Confederados.
Ah, por favor. Ele não faz ideia do que era esse confederado. Quer dizer, eu sou do sul. Então eu sei o que a bandeira dos Confederados significava. Mas eles não entendem que quando você passava e via a bandeira dos Confederados e ia até um restaurante, eles te diziam: “Crioula, cai fora daqui. Não vamos te servir” ou “Não queremos você aqui”. E se você não saísse, eles davam um jeito de te amarrar e te pendurar em uma árvore. Ele não faz ideia do que isso significa. Significava que você não era nada para eles. Principalmente os negros. Enfim, o Kanye é louco.

Acho que o argumento era que ele queria se reapropriar disso ou fazer com que tivesse outro significado.
E as pessoas vão atrás e compram isso. Elas também são idiotas. Quer saber? Vai ter uma pessoa idiota para ir atrás disso. Vai ter algumas centenas. Provavelmente algumas milhares que vão atrás disso. Então ele simplesmente – não sei o que dizer. Um dia ele vai se espatifar e fazer alguma coisa para si próprio ou alguém vai fazer alguma coisa com ele. É uma loucura. Mas olha, é isso que eu falo de dinheiro e fama, como isso muda as pessoas. Toda essa música de agora. Os músicos estão brigando. Estão zoando. É muito idiota. Tem muita música e muita gente e tem de tudo para todo mundo. Por que você precisa colocar alguém para baixo para ter sucesso? Eu mesma estou fazendo isso agora. Não estou tentando criticar o Kanye. Se não gosto, não compro. Não escuto. A mesma coisa para mim. Se ninguém gosta do que eu faço, não compre. Não escute. Mas não venha falar coisa sem noção. E falar mal e criticar. Ele é doido. E ele mesmo vai ver o que funciona e o que não funciona. Eu jamais compraria uma camiseta dele. Mas tem outra pessoa que compra.

Eric Sundermann é Subeditor do Noisey. Ele está no Twitter@ericsundy